Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
 
 Direitos Humanos
 Desejos Humanos
 Educação EDH
 Cibercidadania
 Memória Histórica
 Arte e Cultura
 Central de Denúncias
 Banco de Dados
 MNDH Brasil
 ONGs Direitos Humanos
 ABC Militantes DH
 Rede Mercosul
 Rede Brasil DH
 Redes Estaduais
 Rede Estadual RN
 Mundo Comissões
 Brasil Nunca Mais
 Brasil Comissões
 Estados Comissões
 Comitês Verdade BR
 Comitê Verdade RN
 Rede Lusófona
 Rede Cabo Verde
 Rede Guiné-Bissau
 Rede Moçambique


Senso Comum e Transparência

     

Marilena Chaui

Professora Universitária e autora de livros de filosofia  

Sartre disse, certa vez, que não conhecia coisa mais triste do que os provérbios. De fato, os provérbios constituem a chamada cultura popular ou o senso-comum de uma sociedade, por meio dos quais ela exprime, de maneira extremamente sintética, suas opiniões sobre a vida, o mundo, os seres humanos, as divindades, o bem e o mal, o justo e o injusto, a verdade e a ilusão. E, essas opiniões são pessimistas, ou melhor, moralistas:  

. condenam a ambição
Quem tudo quer, tudo perde
Mais vale um pássaro na mão do que dois voando

. condenam o individualismo
Uma andorinha não faz verão
A união faz a força

. desconfiam dos outros
Dize-me com quem andas e te direi quem és

. elogiam a paciência
Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura
Devagar se vai ao longe

. condenam a imprevidência
Quem semeia ventos colhe tempestades
Em casa de ferreiro, espeto de pau

. elogiam a moderação
Nem tanto ao mar nem tanto à terra

. desconfiam das aparências 
Nem tudo o que reluz é ouro

. desconfiam da linguagem
Quem conta um conto dez conta
Falar é prata, calar é ouro
Em boca fechada não entra mosca

. condenam a preguiça
Deus ajuda a quem cedo madruga
Ajuda-te e o céu te ajudará

Os provérbios exprimem o senso-comum social e são preconceitos cristalizados sob a forma de prudência ou de virtude moral.  

O que é o senso-comum? Um conjunto de crenças, valores, saberes e atitudes que julgamos naturais porque, transmitidos de geração a geração, sem questionamentos, nos dizem como são e o que valem as coisas e os seres humanos, como devemos avaliá-los e julgá-los. O senso-comum é a realidade como transparência: nele tudo está explicado e em seu devido lugar.  

As características mais marcantes do senso-comum podem ser resumidas às seguintes:  

1. subjetivismo: exprime sentimentos e opiniões individuais e de grupos, variando com as condições em que vivem, mas tomadas como se fossem universais, isto é, verdadeiras em todos os tempos e lugares  

2. ajuizador: coisas, pessoas, situações são imediatamente avaliados e julgados em conformidade com o modo que cada um as percebe ou como o grupo ou a classe social as percebe  

3. heterogêneo: diferencia coisas, fatos e pessoas por percebê-los como diversos entre si (por exemplo, julgamos diferente um corpo que cai e uma pluma que flutua no ar), mas sem indagar se são realmente diferentes ou se é apenas a aparência que os diferencia  

4. individualizador: isto é, cada coisa, fato ou pessoa aparece como algo isolado e autônomo, como se não tivesse história, passado, um contexto no qual faz sentido; por isso, cada juízo do senso-comum é sempre um absoluto: “é isto”, “é assim”  

5. generalizador: como conseqüência da maneira como separa e junta coisas, fatos, pessoas, tende a reunir numa só idéia ou numa única opinião coisas, pessoas e fatos julgados semelhantes, sem indagar se a semelhança não seria aparente. Assim, diferencia sem indagar sobre a diferença e reúne sem indagar sobre a semelhança  

6. causalista: para organizar o que separou ou o que reuniu, tende a estabelecer relações de causa e efeito entre as coisas, as pessoas ou os fatos  - aqui, os provérbios são a melhor expressão, pois neles aparece justamente a noção de causalidade: onde há fumaça há fogo, quem tudo quer tudo perde, dize-me com quem andas e te direi quem és, quem sai na chuva é para se molhar.  

O senso-comum é a crença jamais questionada de que a realidade existe tal como é: as cores, os sons, os sabores existem tais como os percebemos, o tempo passa e pode ser medido por relógios e calendários, o espaço é feito de lugares (alto, baixo, perto, longe, frente, atrás) e pode ser percorrido e medido em distâncias, a família é uma realidade natural criada pela Natureza para a sobrevivência da espécie, a raça é uma realidade natural produzida pela diferença de climas e de alimentação, fazendo com que haja raças superiores e inferiores, a mulher é um ser sensível, intuitivo e frágil, destinado à maternidade e à casa, o homem é um ser racional, forte, destinado ao trabalho e à vida pública, o trabalho honesto é uma virtude, mas a preguiça e o roubo são imorais e crimes, os ricos são imorais e infelizes, mas os pobres são virtuosos e felizes com o pouco que lhes foi dado ( quem tudo quer tudo perde), os instruídos são competentes e devem dirigir os demais no trabalho e na política, os não-instruídos são incompetentes e devem ser dirigidos, só é pobre quem quer, pois há trabalho honesto para todo mundo, mas os ricos são espertalhões e sem vergonha, por isso dize-me com quem andas e te direi quem és.  Quando o senso-comum se cristaliza como modo de pensar e de sentir de uma sociedade, forma o sistema dos preconceitos.  

Preconceito, como a palavra indica, é uma idéia anterior à formação de um conceito. O preconceito é a idéia preconcebida, anterior portanto, ao trabalho de concepção ou conceitualização realizado pelo pensamento. As quatro marcas mais significativas do preconceito são:  

1. não se surpreende nem se admira com a regularidade, a constância e a repetição das coisas, nem, ao contrário, com a diferença e singularidade delas; admira-se apenas com aquilo que é julgado único, extraordinário, novo e que, imediatamente, é inserido no quadro de idéias e juízos preconcebidos, encarregados de dar sentido ao nunca visto, nunca dito ou nunca pensado. O preconceito exige que tudo seja familiar, próximo, compreensível imediatamente e transparente, isto é, inteiramente penetrado por nossas opiniões, e indubitável. Não tolera o complexo, o opaco, o ainda não compreendido  

2. exprime sentimentos de medo, angústia, insegurança diante do desconhecido e o conjura (ou esconjura) transformando tais sentimentos em idéias certas sobre as coisas, os fatos e as pessoas, criando os estereótipos, isto é, modelos gerais de coisas, fatos e pessoas por meio dos quais julga tudo quanto ainda não havia visto  

3. propenso a admirar o que não compreende, mas aterrorizando-se com isso, e, portanto, propenso a reduzir o desconhecido ao já conhecido e indubitável, o preconceito é o obstáculo maior ao conhecimento e à transformação. Ignorante, o preconceito é conservador. Não existe nada mais conservador do que o preconceito de ser moderno, como veremos mais adiante.  

4. o preconceito é intrinsecamente contraditório: ama o velho e deseja o novo, confia nas aparências mas teme que tudo o que reluz não seja ouro, elogia a honestidade mas inveja a riqueza, teme a sexualidade mas deseja a pornografia, afirma a igualdade entre os humanos mas é racista e sexista, desconfia das artes mas não cessa de consumi-las, desconfia da política mas não cessa de repeti-la.  

Porque o preconceito julga-se senhor de uma realidade transparente que, na verdade é opaca e  oculta medos e angústias, dúvidas e incertezas, a filosofia sempre lançou-se contra ele, considerando-o o obstáculo maior a todo pensamento e a toda ação ética e política. Assim, Platão combateu as sombras da opinião que obscurecem a luz das idéias verdadeiras; Cícero e Descartes afirmaram que nascemos com a luz natural da razão que logo é quase apagada pelas amas de leite, pelos preceptores, professores e pelos livros; Kant dissera que o lema da Ilustração ou do Iluminismo deveria ser : “ousa saber!”, a vitória da razão esclarecida contra a ignorância dos preconceitos. De modo geral, os filósofos sempre consideraram as paixões a causa principal dos preconceitos, mas foi o filósofo Espinosa quem melhor determinou essa causa e descreveu seus efeitos.  

Espinosa localizou a origem dos preconceitos em duas paixões: o medo e a esperança  - medo de que males ocorram e bens não aconteçam, esperança de que males não ocorram e bens aconteçam. Por que o medo e a esperança? Por que, de todas as nossas paixões, são essas duas as que mais profundamente exprimem nosso sentimento de desamparo diante do tempo e do mundo, nossa impossibilidade de controlar o curso dos acontecimentos e de dominar fatos e pessoas. A angústia diante do imprevisível e do inesperado, escreve Espinosa, leva os homens a desconfiar da razão e a confiar na superstição: começam acreditando em presságios e horóscopos, inventam deuses cuja vontade caprichosa rege arbitrariamente o curso do mundo, passam a adorar um único Deus que julgam ser legislador e bom monarca do universo, imaginam que os governantes são os representantes dessa divindade e se submetem ao poder e à vontade dos dominantes porque acreditam ser esta a vontade do deus que, vendo-os submissos e obedientes aos poderes da terra escolhidos por ele, beneficiará aos homens, diminuindo-lhes o medo e alimentado-lhes a esperança, se não nesta vida, pelo menos na outra. Dessa maneira, Espinosa articula preconceito e dominação sócio-política. Os homens aceitam servir para serem servidos. E combaterão até à morte na defesa das opiniões dos dominantes, passando ao ferro e ao fogo todos os que ousarem contradizê-las em nome de um conhecimento racional verdadeiro. Eles o fazem porque as opiniões dos dominantes formam um sistema explicativo para o mundo e as ações, livrando-os dos medos e dando-lhes esperanças de recompensas para o bons e castigos para os maus. Assim, o preconceito, que se origina em cada um de nós sob a forma de paixões, cristaliza-se em senso-comum social e em prática política. O preconceito é, pois, uma das armas mais potentes para o exercício da dominação, pois o dominado a deseja interiormente e não sabe viver sem ela porque ela se tornou a forma da segurança num mundo, enfim, tornado transparente. Tudo em seu devido lugar, com o devido respeito.  

A esse movimento de passagem do preconceito a senso-comum social e dominação política, Marx deu o nome de ideologia, indo buscar sua causa mais abaixo das paixões do medo e da esperança, nas formas assumidas pelas condições materiais de existência dos humanos, isto é, na divisão social do trabalho e na divisão social das classes. A ideologia é a maneira como os interesses dos dominantes organiza a realidade de maneira a tornar naturais e aceitáveis naturalmente a exploração econômica e a dominação política. Justamente porque a ideologia é o ponto de vista dos dominantes para a sociedade inteira, é que o preconceito só pode ser contraditório, como dissemos anteriormente. De fato, as pessoas vivem em suas classes sociais e estas, pelo seu modo de se relacionar com a realidade social, determinam idéias, opiniões, sentimentos específicos dessa classe; como, porém, as idéias, opiniões e sentimentos dominantes da sociedade são os de sua classe dominante, transmitidos por meio da educação e dos meios de informação e comunicação, é evidente que todos aceitam o ponto de vista dominante, entrando em contradição com as idéias e valores de sua própria classe social  -- a pluralidade de preconceitos das diferentes classes sociais é substituida por um único preconceito, isto é, por uma única ideologia, a da classe dominante.  

Eu gostaria, agora, de exemplificar o modo de operação do preconceito-ideologia tomando suas opiniões fortemente presentes na sociedade brasileira contemporânea: a idéia que nossa sociedade não é violenta e a idéia  que estamos, finalmente, nos tornando modernos.  

A violência do preconceito da não-violência  

Um dos preconceitos mais arraigados em nossa sociedade é o de que “o povo brasileiro é pacífico e não-violento por natureza”, preconceito cuja origem é antiquíssima, datando da época da descoberta da América, quando os descobridores julgaram haver encontrado o Paraíso Terrestre e descreveram as novas terras como primavera eterna e habitadas por homens e mulheres em estado de inocência. É dessa “Visão do Paraíso” que provém a imagem do Brasil como “país abençoado por Deus” e do povo brasileiro como cordial, generoso, pacífico, sem preconceitos de classe, raça e credo.  

Diante dessa imagem, como encarar a violência real existente no país? Exatamente não a encarando, mas absorvendo-a no preconceito da não-violência. Para isso, existem tres mecanismos diretos e tres procedimentos indiretos.  

Mecanismos diretos:  

1. mecanismo da exclusão: afirma-se que a nação brasileira é não-violenta e que os brasileiros não são violentos, portanto, se houver violência, é praticada por gente que não faz parte da nação, mesmo que nascida e registrada no Brasil. Em outras palavras, o preconceito produz a divisão entre “nós, brasileiros” e “eles, os violentos”, excluindo esses últimos, de direito, da nação pacífica;  

2. mecanismo da distinção entre o essencial e o acidental: por essência ou por natureza o povo brasileiro é não-violento, portanto, a violência é algo acidental, ou como se diz muito exatamente, é “um surto”, “uma onda”, “uma epidemia”. A violência é um acontecimento episódico na superfície do social que não afeta sua essência não-violenta;  

3. mecanismo das máscaras: como o preconceito da não-violência opera com a separação entre o “nós” e o “eles”, cada um do “nós” pode, acidentalmente, estar entre “eles”. Como toda violência está referida e reduzida a um aspecto episódico visível, e nunca às estruturas invisíveis da sociedade brasileira, todas essas manifestações episódicas são consideradas homogêneas, isto é, são generalizadas pelo preconceito, de maneira que são considerados iguais ou de mesmo sentido o quebra-quebra de tres e ônibus e um linchamento; o medo dos operários de serem mortos nas ruas e o executivo da multinacional que cerca a casa com fios elétricos, guardas, cães e aparelhos eletrônicos; a dissolução de uma passeata com gás lacrimogêneo e motoqueiros fazendo “cavalo de pau” numa avenida; levas de flagelados pela seca buscando alimento nas cidades e bandos de justiceiros pagos para eliminar supostos bandidos; a prostituição e escravização de meninas  e a ação policial exterminando crianças de rua  - em todos esses casos, “nós, não violentos” usamos a violência para combater “eles, os violentos”, mas o fazemos porque a violência é passageira. Além dessa primeira máscara, existem outras mais sutis: o paternalismo branco que mascara a discriminação racial, o elogio da fragilidade feminina para mascarar o machismo, a afirmação da caráter  natural e sagrado da família para mascarar torturas de crianças, estupros das filhas, surras nas esposas, violência física e psíquica contra os membros da família tidos como “desviantes” sexuais. E, finalmente, aquelas máscaras são o preconceito em seu estado puro: a favelada, mãe irresponsável que gera a criança de rua naturalmente delinqüente e perversa; a menina estuprada porque só há estupro se houver desejo dele; o migrante nordestino que só serve para destruir a ordem, beleza e limpeza das cidades; o sindicalista, que antes era o subversivo e hoje o corporatista; o desempregado que não é senão um preguiçoso. Enfim, todas formas estruturais de violência são mascaradas pela atribuição da culpa à vítima.  

A esse procedimentos, vem acrescentar os mecanismos indiretos de reforço ao preconceito da não-violência:  

1. mecanismo jurídico: a violência fica circunscrita ao crime e a um tipo fundamental de crime, aquele contra a propriedade: roubo, latrocínio e homicídio entendido como crime contra propriedade da vida. De modo geral, a violência fica circunscrita às formas mais visíveis da delinqüência, como é o caso do tráfico de drogas. Mas porque se refere primordialmente ao ataque à propriedade privada, as ocupações de terra pelos sem-terra recebe o nome de invasão e é tratada pelas “forças da ordem”. Assim, o mecanismo jurídico localiza a violência em duas personagens: o bandido e o pobre. Por esse motivo, toda política de Direitos Humanos no Brasil é vista como defesa do bandido contra a vítima e do delinqüente pobre contra as pessoas honestas.

2. mecanismo informativo: a violência é tratada como episódio de massa e recebe o nome de “chacina” e “massacre” porque o número de envolvidos é grande e o de mortos e feridos também. O mecanismo informativo localiza a violência como episódio sangrento na superfície do social e o atribui a abusos de autoridade por parte das “forças da ordem”, sem que nunca se examine a estrutura social que trouxe à tona, sob a forma do episódio sangrento, as causas sociais invisíveis que o explicam.  

3. mecanismo sociológico: a violência é explicada como um caso de anomia social (anomia, palavra grega que significa perda do poder da norma e da lei, ausência de norma social respeitada por todos). O sociólogo afirma que a sociedade é um conjunto harmônico de ações e funções integradas pelas normas e regras (que governam os costumes) e pelas leis (que arbitram valores éticos e políticos). A anomia é vista como um momento acidental no qual as antigas normas e leis perdem a força integradora e deixam vir à tona os conflitos sociais e políticos, as contradições econômicas e políticas. Esses conflitos e essas contradições não são considerados constitutivos do próprio social, mas uma anomalia que se expressa como violência passageira, até que novas normas e leis cumpram a função integradora e harmonizadora. Dessa maneira, o preconceito da não-violência, falando a linguagem da sociologia, diz que a violência é o momento de relação entre o arcaico e o moderno, cujo conflito será superado por  “as reformas” que modernizem os costumes sociais e políticos.  

O preconceito do moderno  

Vimos que uma das marcas do preconceito é a generalização e homogeneização de coisas, fatos, acontecimentos e pessoas diferentes, por vezes opostos e contraditórios. Vimos também que é próprio do preconceito “amarrar” as contradições, as aparências e o invisível, em sínteses imediatamente compreensíveis, como é o caso dos provérbios. Mas esse tipo de síntese também pode ser feita por palavras, que, como dizem os franceses, são “palavras valises”, isto é, servem para dizer tudo porque não dizem absolutamente nada. É o caso do uso, atualmente corrente no Brasil, da palavra mágica “Moderno”, empregada no lugar de uma série imensa de problemas e questões que não são discutidos porque se dá por estabelecido que a mera menção da palavra “moderno” as explica e determina a maneira de solucioná-los. Essa palavra, cujo uso é antigo, mas cujo significado político apareceu no século XVIII, na luta da Revolução Burguesa contra o Antigo Regime, é, hoje, no Brasil, empregada para reunir coisas que pouco tem em comum, senão o fato de serem ditas “modernas”: aviltamento de salários, privatização de serviços públicos, enfraquecimento do movimento sindical, eliminação de direitos sociais mínimos tidos como privilégios, justificar a eliminação dos chamados encargos sociais para diminuir o desemprego atribuindo a eles a culpa pelo desemprego.  

 No entanto, sob essa aparente miscelânea, a palavra “moderno” esconde o sentido principal no qual reside verdadeiramente o preconceito, qual seja, a crença quase religiosa na justiça e racionalidade do mercado capitalista. Em outras palavras, a idéia liberal, velha de 200 anos, de que a cidadania se define pela liberdade de mercado e não pelos direitos sociais e políticos. Esse preconceito, que, afinal,  data do século XVIII, explica porque, em nome da modernidade, entregam-se recursos estatais a banqueiros corruptos e falidos e aos latifundiários e usineiros, ao mesmo tempo em que a violência contra os sem-terra pode ser qualificada de conflito entre o arcaico e o moderno, o arcaico, evidentemente, sendo a reforma agrária, e o moderno os banqueiros,  latifundiários e usineiros. Ou seja, a modernidade política é pensada como afastamento dos conflitos distributivos do campo político, mas, no caso brasileiro, como inclusão, neste campo, do retorno ao capital daquilo que não foi realmente produzido pelo capital. Assim, o que impressiona, na versão brasileira do preconceito do moderno é a maneira como justifica o apoio às práticas mais retrógradas e violentas de nossa sociedade. Como se vê, o preconceito do moderno não é senão a forma mais nova do conservadorismo. Ou, como dissera Lampedusa em “O Leopardo”, é preciso mudar para que tudo fique como está.  

Percepção Aguda  

P: Qual deveria ser o papel das chamadas pessoas esclarecidas no combate ao moralismo do senso comum?  

Eu acho que há vários caminhos. Eu acho que há um caminho como esse, que é o da multiplicação. Simpósios como esse tem a função de serem multiplicadores, quer dizer, a expectativa é que cada um que participa possa multiplicar aquilo de que ele participa. Então essa é uma via.  

Outra é a atuação no interior dos movimentos sociais. Uma outra é a atuação no interior dos partidos políticos. Tem que se agir lá dentro. Mas a via que evidentemente eu considero prioritária é a educação. Tem que mexer na escola. É lá que você tem que mexer. Então você tem que mexer na formação dos professores de primeiro, segundo e terceiro grau. Você tem que mexer na produção do material didático, e você tem que mexer na relação dos alunos e das famílias com uma educação efetivamente voltada para a cidadania e para a liberdade. Eu acho que se não se mexer no sistema educacional brasileiro, você vai rodar, rodar, rodar em círculos. Esse sistema educacional tem que estar diretamente vinculado, em função das condições atuais, à uma mexida muito grande nas telecomunicações. Você tem que operar nos dois campos: tem que operar com a telecomunicação e com o sistema educacional. E a forma ideal será quando você puder fazer isso, operar de modo articulado, através da escola e através das telecomunicações.

 

Para você atingir um país, da proporção como é o nosso, uma sociedade numerosa como a nossa, e com os problemas que ela tem, você tem que atuar na base, portanto você tem que atuar na escola e você tem que atuar na maneira como a informação circula e a comunicação se realiza, e portanto no sistema de telecomunicações. Sem uma mudança nas leis da telecomunicação, sem uma mudança na forma de fazer televisão e rádio no Brasil, e sem na outra ponta, uma reforma da educação para valer, você não mexe em nenhum preconceito. Nenhum, nenhum, nenhum...

 

P: O que legitima o privilégio daqueles que ficam em prisão especial, simplesmente por possuir um diploma universitário? Esta é uma espécie de preconceito?

 

Isso é não uma espécie, é preconceito em estado puro e está ligado aqui ao que na minha exposição eu chamei a discriminação entre os instruídos e os não-instruídos, porque é exatamente uma discriminação de classe. No Brasil é uma discriminação de classe, na medida em que a escolaridade no Brasil é privilégio de classe. Então é evidente que a idéia da prisão especial para os diplomados é uma aberração, em qualquer parte do universo, menos aqui. Por que que aqui é natural? Porque aqui todo mundo é doutor, aqui é a terra do “Você sabe com quem você está falando?”. Então se é normal eu dizer" você sabe com quem está falando?", é claro que se eu for presa, eu vou para uma cela especial, eu sou doutora, economicamente, academicamente, eu tenho todos, mas todos os requisitos para não ser tratada como uma pessoa comum.

 

Eu tenho um amigo norte-americano que diz o seguinte: “quando você está numa briga para valer nos Estados Unidos, eu pergunto para o outro: "quem você pensa que você é?" Ou seja, nós somos iguais, nós somos cidadãos, temos os mesmos direitos, portanto você está fazendo isso que você está falando, portanto quem você pensa que você é? E nós não, nós somos “você sabe quem eu sou?” Quer dizer, é uma coisa autoritária, discriminadora e é interessante. Interessante porque nos lugares onde você devia ter alguns direitos garantidos por percepção da diferença, lá você não tem. Por exemplo, lugar para gestante no ônibus, no metrô, lugar para os idosos, todas as formas de garantir aos deficientes físicos o acesso à qualquer lugar, e a gente nem percebe. Nem percebe o jeito que as escadas são, do jeito que os elevadores são, do jeito que as guias das calçadas são, e do jeito que é o degrau do ônibus. Não há deficiente físico no Brasil que possa ser uma pessoa válida, quando os deficientes físicos são válidos no mundo inteiro. E a gente nem percebe. Então do mesmo modo que não há nenhuma garantia de direito ao deficiente físico, há o privilégio para o prisioneiro universitário.

 


Eu costumo dizer que uma das dificuldades maiores para que um dia se institua uma democracia no Brasil está no fato de que a divisão social no Brasil passa por um lugar que é anterior a formulação mesma da idéia de direito ou de direitos. Você tem num extremo a carência e no outro extremo o privilégio. A marca da carência é que ela é sempre específica. Eu tenho carência de escola, o outro tem carência de condução, outro tem carência de hospital, outro tem outras carências. É quase impossível transformar uma carência num interesse comum, generalizá-la num interesse comum, e é impossível fazer do privilégio um interesse comum. Ora o que é um direito? Um direito é algo que tem alcance universal. Se eu não universalizo alguma coisa, ela não é um direito. Ora no Brasil nós não atingimos o estágio ainda nem de generalizar carências para que elas sejam interesse comuns, que elas possam depois se universalizar em direitos. E também não quebramos os privilégios, para revelá-los como privilégios e portanto destruí-los como tais.

 

Se a democracia é a cidadania definida por direitos, não há democracia no país, porque o que você tem é de um lado a carência, e do outro lado o privilégio, aí está a esfera dos direitos que não conseguem se constituir. Não é uma brincadeira de mau gosto esse ataque aos poucos direitos sociais que o estado brasileiro garantia? De um estado que nunca chegou a ser um estado do bem-estar social, porque para ser um estado do bem-estar social teria sido preciso existência de garantia de direitos. Então eu diria que o caso do universitário com prisão especial equivale ao caso do deficiente físico sem nenhuma possibilidade de realizar os seus direitos, por exemplo. São os dois contrapontos, a ausência de direitos e a presença de privilégios. Esse é o país da não-violência?

 

P: Se o tema é preconceito, então eu quero saber qual o motivo que determina o racismo? Por que existe tanto preconceito racial?

 

No caso do Brasil o racismo é uma ideologia nascida no século dezenove. É a partir do século dezenove que é elaborada com pretensões científicas a noção de raça. Essa elaboração está ligada à consolidação do Império Britânico. É na hora que o Império Britânico tem que justificar ideologicamente o seu exercício imperialista que essa teoria é elaborada. Ela coincide com o instante também, em que você tem a abolição da escravatura nos Estados Unidos, e logo depois, em outras partes das Américas que significa, no caso específico, a entrada dos negros no mercado capitalista de trabalho. Então seja do lado da justificativa do Império Britânico, para ter o domínio sobre os hindus, sobre os africanos, sobre os asiáticos, enfim, todo o Império Britânico, a justificativa do Império é dada por seu caráter "civilizatório", na medida que a raça branca ocidental é superior às outras, e vai civilizá-las. E no caso das Américas, a ideologia racista, cientificamente elaborada, está ligada à maneira de impedir à entrada dos negros no mercado de trabalho e o uso de mão-de-obra exclusivamente branca.

 

No caso do Brasil está ligada à todo processo de imigração. Então, você não tem a origem do preconceito, sem condições sociais e condições materiais determinando a origem dele. O que as condições fazem é que elas se apresentam para os sujeitos sociais, sob a forma de sentimentos, sob a forma de paixões, de medos, de inseguranças, sob a forma de dominação e isto é que é elaborado para que haja uma explicação e uma justificativa. Então a explicação é o preconceito, e a justificativa é a ideologia. Você nunca tem um preconceito sem causa, e a causa, via de regra, é uma causa econômica e social, ou uma causa social e política

 

P: Estereótipo não é preconceito, ele é conhecido, sabido, manipulado. Então o preconceito é montado em cima de uma conhecida e bem conhecida pseudo-verdade. Então é um conceito, e não um pré-conceito. Está certo ou errado?

 

Olha, não é um conceito. Não é um conceito pelo seguinte: um conceito é uma elaboração teórica, racional, a partir de um conjunto de perguntas, eu vou dizer algumas delas, um certo


conjunto de perguntas, e o estabelecimento de um conjunto de critérios para avaliar a racionalidade, a coerência, a verdade da resposta encontrada à pergunta, e essa resposta é que é o conceito. Deixa eu dar um bom exemplo. Vamos pegar um exemplo simplérrimo, para não avançar muito na nossa hora. Eu vejo o Sol, menor do que a Terra, e eu vejo o Sol todos os dias fazer um movimento de leste para oeste. Dessa visão, eu elaboro um sistema, um sistema explicativo do mundo chamado Sistema Geocêntrico. Qual é o meu critério? O meu critério é o critério da minha percepção. Na minha percepção a Terra está imóvel, o Sol se move e como eu vejo que ele faz um arco no céu, eu deduzo que ele faz um movimento circular. Vejo também toda noite, constelações, estrelas, astros, fazendo movimentos e eu digo: estão todos, cada um num círculo, fazendo movimento circular em torno da Terra imóvel. Isso se cristaliza, isso se torna o senso comum social. Se você perguntar qual  é a comprovação que você tem de que o sistema é geocêntrico, eu tenho três constatações: eu vejo que estamos imóveis, eu vejo que o Sol se move e eu vejo que o movimento é um semicírculo, portanto a totalidade do movimento é circular. Aí aparecem Copérnico, Keppler, Galileu e começam a fazer perguntas. A primeira pergunta é se o movimento que o Sol realiza não poderia ser um movimento aparente, e aí eles vão estabelecer uma série de critérios para fazer essa afirmação. Depois eles fazem um estudo das variações das estações do ano: "olha é muito possível que a Terra gire em torno de um eixo, que ela esteja levemente inclinada". Cálculos matemáticos aqui, cálculos matemáticos lá, estudo da velocidade da luz, estudo do movimento uniformemente variado, estudo disso, estudo daquilo, cálculos, modelos. Depois vem o Keppler, ele diz: "olha, não, é evidente, a Terra se move em torno do Sol, o qual também se move, os outros planetas se movem, isto não tem uma forma circular, por tais e tais cálculos matemáticos, e por tais e tais e tais razões, têm uma forma elíptica". Para resumir a brincadeira: o sistema geocêntrico é um sistema inteirinho baseado na percepção direta que nós temos das coisas. O  Sistema Héliocêntrico não é baseado praticamente em nenhuma observação empírica, quase nenhuma. Ele é baseado em cálculos matemáticos, equações, que depois orientam o modo como a experiência vai ser feita. Então a diferença entre preconceito e o conceito é:  o preconceito é aquilo que se forma como conclusão da experiência direta e imediata que nós temos das coisas, o conceito é a idéia que se forma, a partir do momento em que nós questionamos as coisas, em que nós estabelecemos critérios para fazer perguntas, critérios para fazer as respostas, formas de conferir as respostas que foram oferecidas. O preconceito é portanto algo que não inclui o trabalho do pensamento. O pensamento simplesmente organiza, reúne, sintetiza os dados imediatos da experiência. O conceito é um trabalho intelectual, é um trabalho de pensamento. Ele é um trabalho que visa chegar à uma verdade. O preconceito parte da idéia de que ele é verdadeiro. Aqui é o contrário, é porque se procura a verdade, é necessário todo um caminho de interrogações, e de critérios de pensamento, para chegar a um conceito. Então não são a mesma coisa.

 

P: Gostaria que a Senhora abordasse o tema da tortura nas delegacias aos presos comuns, isto sob a conivência de autoridades e da sociedade, em prol da manutenção da ordem, sob dois aspectos: a do torturado e a do torturador.

 

Olha, eu faço parte da comissão Teotônio Vivela, que nasceu justamente na luta contra a tortura nas prisões, nos asilos, nos manicômios. A manutenção da tortura dos presos comuns está ligada de um lado, à falta, à inexistência de uma política efetiva de direitos humanos, que se consagre não apenas em leis, mas que se consagre em punições pela transgressão das leis. Você não chega nunca lá. Você não consegue instrumentos que sejam compreensíveis para o transgressor da punição que ele tem que receber. Como portanto não há nenhum instrumento legal, e há uma ideologia social, e toda a montagem feita pela mídia em torno do bandido, as torturas aos presos comuns não tem como serem evitadas. Você denuncia aqui, mudam-se as pessoas ali e se resolve o problema, tudo aquilo foi deslocado para outro lugar, e sobretudo porque, há uma conivência da sociedade com isso.

 


A sociedade acha que tem que haver a tortura, ela concorda, há um senso comum social à favor disso, e que é alimentado não só pela ideologia da defesa da vítima contra o bandido, mas peloo banho sistemático do fascismo do enlatado norte-americano. Toda a série Charles Bronson, toda a série Rambo, toda a série Van Dame, todas essas séries da justiça com as próprias mãos. São séries de afirmação do valor nenhum dos direitos, do valor nenhum da lei, do desastre que é o processo judiciário, lá e aqui. E a idéia de que você tem que resolver sozinho é o policial que tortura quem está resolvendo para mim. Está resolvendo, porque precisa levar em conta o seguinte: é obvio que no nível individual, cada um de nós tem o direito à vingança, não ponha a menor dúvida que cada um de nós, como indivíduo, tem o direito à vingança.

 

Só que cada um de nós como indivíduo não pode exercer a vingança. É para isso que se criou o Estado, é para isso que se criaram as leis, então em vez de nós querermos que essa vingança seja individualmente realizada, por nós ou para nós, nós temos que lutar pela mudança do Judiciário no Brasil, pela mudança de todas as coisas relativas à justiça. E em vez dessa luta, como a tortura do preso comum, por exemplo, como o caso do linchamento, como o caso do justiceiro, como o caso da morte das crianças pelas costas, com tudo isso que é o nosso cotidiano, aparece como solução imediata a resposta direta a um desejo natural e normal de vingança, que cada um de nós tem. Então as verdadeiras questões nunca são discutidas. Então a tortura ao preso comum se insere nesse campo mais amplo, de coisas não discutidas.

 

P: A Senhora expôs nas entrelinhas que existe o estado de violência latente no seio da sociedade brasileira. O que, na sua opinião, poderia ser feito, em linhas gerais, para reverter esta dramática situação, no sentido de restabelecer e resgatar os princípios fundamentais da humanidade?

 

Eu queria deixar claro que eu não falei de violência latente, o que eu estou tentando dizer, é uma violência presente. Presente. Deixa eu dar alguns exemplos do que eu estou chamando de violência, que talvez não tenha ficado muito claro. Eu considero uma violência, nos prédios que tem elevador, ter um elevador chamado social e um elevador chamado de serviço. Isso é uma violência. Isso é uma discriminação de classe. E em geral, o elevador de serviços é para os negros também. Eu considero isso uma violência. Eu considero o fato do motorista, parar em cima da faixa de pedestre, um ato de violência, e que ele atravessa a faixa no farol vermelho, um ato de violência. O modo como os motoristas de ônibus brecam é um ato de violência. Então não tem violência latente no Brasil. A violência está saltando em cada poro de cada ação cotidiana de cada um de nós. O que há é o preconceito da não-violência, que nos faz considerar que tudo isso é natural, é normal e que isso não é violência. Que a violência é a chacina. Que violência é a chacina e o massacre de massa. É aí que a gente coloca a violência. É o tráfico de drogas e morte em larga escala. "Morreram menos de vinte, não é violência". Precisa ter no mínimo vinte mortos e de preferência alguns pelas costas. Estou chamando de violência, dizer-se com a maior simplicidade de espírito: “um preto muito bom, porque ele tem alma branca”, “uma mulher formidável, doce, frágil, generosa, ai, tão feminina”. Mas dá uns tabefes em quem diz que você é tão “feminina”, porque isso que está sendo dito é de um machismo, de um sexismo absolutamente gigantesco, porque está dizendo que você é incapaz de pensar. Se você é sensitiva, e intuitiva porque você não raciocina, você sente e não pensa. É uma bruta discriminação, é um bruta preconceito, é uma violência enorme que é feita às mulheres, todo dia.  Todo dia, Então eu queria deixar claro que eu não falei em violência latente, eu estoe dizendo que a sociedade brasileira é uma das sociedades mais violentas que eu conheço. Esse é o primeiro ponto. Agora, por causa disso, foi que a minha ênfase foi na direção da luta por direitos. E de considerar de uma lado, a dramaticidade dessa luta, porque lutar por direitos pressupõe que carências e privilégios já foram superados, que você está na fase de interesses comuns, que tem que ser transformados em direitos universais. Mas nós não chegamos nem nos interesses comuns... É preciso fugir, como o diabo foge da cruz, da definição da cidadania pela liberdade como competição  

no mercado. Então, se você não definir a cidadania pelos direitos sociais e não investir nos direitos sociais, eu acho que a gente deixa a sociedade brasileira como o Conde de Lampeduza disse que era para ficar. Muda, muda, muda, para ficar como está.

 

Eu diria que o investimento maior, por um lado, como quebra dos preconceitos, em educação e telecomunicações. E do outro, como ação política, a luta pela cidadania, sob a forma dos direitos sociais. Obrigado

Desde 1995 © www.dhnet.org.br Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: enviardados@gmail.com Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Notícias de Direitos Humanos
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
História dos Direitos Humanos no Brasil - Projeto DHnet
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Memória e a Verdade
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multimídia Memória Histórica Potiguar