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 MÍDIA, CIVILIDADE, CIVISMO

   

Alberto Dines

Jornalista, escritor e professor

 

No princípio está o verbo, no princípio é o verbo. A palavra é crucial. Se a proposição das Escrituras é correta, antes de cuidarmos das idéias, tratemos dos vocábulos que as formarão e conformarão. Não somos etimologistas, muito menos filólogos, mas voces na profissão que escolheram e eu na minha, temos na palavra a matéria-prima essencial.  

Comecemos pela própria orígem do termo palavra. Vem do grego parabolé que, no latim deu parabola. Parábola é uma história simbólica, alegoria. Então, neste preâmbulo, façamos uma incursão parabólica sobre as palavras-chave que aqui nos reunem esta noite.  

 O carro-chefe deste simpósio  é o  Preconceito. Certamente alguns dos que me precederam já examinaram a etimologia e o sentido do termo. Se o fizeram, tanto melhor, o symposión grego era um banquete onde todos entravam com o seu quinhão e saíam com a soma dos aportes dos  outros.  

Preconceito, pré+conceito, o praeconceptu latino, é um julgamento prévio, sem ouvir as partes,  posição irrefletida, pre+concebida, irracional. Também pode ser entendido como um pré+juízo. Tanto que em espanhol diz-se prejuício, em francês é prejugé, em inglês prejudice e em alemão vorurteil. Em todos os casos, a mecânica etimológica é idêntica: o prefixo indicando antecipação e, o resto, significando julgamento.  

Fiquemos com o nosso idioma, o português, a última flor do Lácio, no qual o preconceito também significa dano, estrago, perda. Em outras palavras, a adoção sumária de uma opinião ou critério, antes de passar pelo filtro de um julgamento equânime, constitue um mal, ofensa moral.  

Examinado o aspecto filológico do preconceito vamos ao título ?? desta intervenção. É composta de três substantivos que também serão devidamente peneirados.  

 Mídia, vem do latim e deveria escrever-se media, plural de medium, mas como sempre macaqueamos os americanos, acabamos por roubar-lhes a pronúncia mas não a grafia. Escrevem media como os romanos o faziam e nós, descendentes diretos dos romanos, escrevemos mídia. Mas media ou mídia é plural. Em Portugal, onde se fala e escreve com mais propriedade o  nosso idioma comum, eles dizem os média enquanto nós dizemos a mídia, no singular.  

Não é a única e nem será a última impropriedade de usos e costumes legalizada por nós. (Aliás, permitam-me esta observação: se fossemos menos lenientes nas pequenas coisas, não seriamos transgressores nas coisas importantes).  

Medium é meio, modo, maneira, forma, via, caminho, condição em que se executa uma tarefa. Na  linguagem técnica da comunicação medium designa o canal através do qual o emissor passa a sua mensagem ao receptor, a audiência.  

E aqui partimos para uma conceituação importante para a função do jornalista. Se ele trabalha com diferentes meios, ou canais para chegar à sua audiência, ele é um mediador. A sua atividade é de mediação ou inter+mediação. Explico: o jornalista e a imprensa devem fazer o intercâmbio entre o fato, a realidade, e aqueles que a desconhecem. Mas, atenção, a imprensa não é apenas uma divulgadora ou irradiadora de notícias, informações e serviços. A Lista Telefônica faz isso maravilhosamente bem.  

O jornalista ao fazer a mediação entre as mudanças que acabam de ocorrer e aqueles para as quais estas mudanças importam, es??tá interpretando, refletindo, repercutindo, dimensionando, hierarquizando e, sobretudo, oferecendo subsídios para a formação dos juízos individuais.  

A mediação jornalística é, portanto, uma função social e política e visa, antes de tudo, evitar que a sociedade seja dominada pelos preconceitos ou pela ignorância (o que vem dar no mesmo). Explico a semelhança:  se preconceito é fruto de uma atitude de quem pensa que sabe, a ignorância resulta de quem não quer ou não pode saber. De onde se conclui -- e isto é vital para quem estuda as ciências jurídicas -- que a busca do saber é o caminho para atingir as condições de julgar.  

Não é por acaso que a função mediadora da imprensa está presente em várias passagens da Carta Magna seja para preservar a sua integridade, defendendo-a de quaisquer constrangimentos, seja para oferecer-lhe facilidades e privilégios para o seu exercício. A intenção dos legisladores ao proteger e estimular a imprensa -- e isto remonta ao século XVII na I??nglaterra -- é criar a indispensável pluralidade de versões, sem a qual a democracia não existe.  

Juntemos agora as duas palavras que antes analisamos separadamente, Preconceito e Mídia. Quando a imprensa se deixa impregnar pelo preconceito,  trai a sua função mediadora e assume-se autoritariamente como irradiadora de sentenças, arvorando-se em instância legal.  

Quando adota um preconceito, seja de forma consciente ou inconsciente, a imprensa, ao invés de ordenar e ponderar as circunstâncias para que o leitor forme o seu próprio juízo, antecipa-se e oferece-lhe um conceito fechado, impermeável, imponderável -- um pré+juízo. O leitor acostuma-se, resigna-se e, acaba por perder a sua faculdade de formar os próprios juízos.

Ora, não é para isto que a sociedade outorga  aos me??ios de comunicação uma série de vantagens e privilégios constitucionais. A sociedade para agir nesta ou naquela direção quer, ela própria, montar os seus conceitos e critérios. Se a imprensa limita-se a abastecê-la de informações isentas e equidistantes,  cumpre o seu papel de mediadora. Caso contrário, está prejulgando e substituindo-se aos poderes competentes.  

Mais ainda: ao deixar-se levar pelo preconceito, a mídia valoriza e reforça os mecanismos de exclusão e intolerância. Isto já se nota no próprio perfil do jornalista que milita na grande imprensa brasileira conforme pesquisa realizada no ano passado pelo CEBRAP.  

Nossas redações tornaram-se perigosamente homogêneas sob o ponto de vista etário, cultural e político. Os jornalistas que praticavam o jornalismo humanista foram sendo afastados e hoje são raros, substituidos pelo jornalistas yuppies e tecnocráticos. A exclusão do Outro é uma das características do processo descriminatório e uma das marcas do autoritarismo. Sem ?? diferenças de opinião dentro das redações deixamos de ter diversidade, um dos fundamentos do processo democrático.  

É evidente que um jornalista, ao deixar-se levar por preconceitos, não o faz premeditadamente com esta intenção. As justificativas para enganar o público oferecendo-lhe conclusões preconcebidas ocorrem gradual e sutilmente. A paixão por esta ou aquela posição acaba saindo camuflada por algum  obscuro  princípio moral de que, quando se trata do bem-público, os fins justificam os meios.  

Não é aqui o lugar para uma exegese dos vícios da nossa imprensa. Mas aqui é, sim, o lugar para fazer a desagradável constatação de que nunca -- ao menos nestes últimos 40 anos -- apareceram tantas queixas e polêmicas sobre os abusos da mídia. Nunca se fizeram tantos seminários sobre a Ética da Imprensa, nunca (fóra do âmbito profissional dos jornalistas) ficou tão evidente a falibilidade daqueles que se assumem como infalíveis em s??eus juízos e conceitos.  

O preconceito jornalístico obstrui a fluência do processo democrático porque é um rito sumaríssimo, sem possibilidades de defesa e argumentação. É uma interrupção do diálogo civil que as partes procuram manter para preservar o todo do tecido sócio-político. O preconceito jornalístico, porque sendo uma transgressão, estimula o revide e a agressão.  

Nossa imprensa está hoje manietada por um feixe de preconceitos vociferados que produzem uma clima de arrogância e insolência. Como a imprensa, mesmo não querendo, faz a mediação social, a linguagem desabrida passa a ser um paradigma de coragem e independência, subvertendo-se a civilidade e, logo depois, o civismo. Permeada por esta intolerância dos mediadores, a própria sociedade adota-a como padrão. Não é por casualidade que as últimas convenções partidárias terminaram em socos e ponta-pés.  

Pratica-se hoje em nossa mídia um cala-a-boca onde os inocentes são colocados no banco dos réus como se já fossem indiciados. Em certos momentos este preconceito avulta e, por mimetismo, estende-se à toda mídia de que resultam situações de autêntico linchamento.  

Por que isto? As razões são muitas e, também, não cabem neste colóquio. Mas uma delas é visível para qualquer leitor:  nossos jornais estão fragmentados e esta fragmentação começa com a proliferação das colunas opinativas que hoje se sobrepõem ao material reporterístico e informativo. Ora, a sociedade não quer dos jornais suas cadentes sentenças, quer do jornal um levantamento imparcial das circunstâncias.  

O preconceito, por sua conotação agressiva, é o adversário da civilidade. O que nos leva às duas outras palavras do título: civilidade e civismo. Originam-se da mesma árvore latina que deu civis, civilis, civitatas, civilitas, civilitatis. Referem-se ao ?? habitante da cidade, em contraposição ao agricultor menos polido. É o cidadão, obrigatoriamente urbano, educado, instruido e respeitoso para com os semelhantes. É a cidadania, sociedade de seres com os mesmos direitos e deveres. Civitas é o aquele centro de poder político, o cerne do Estado e da Pátria. Civilis é o direito que concerne ao indivíduo privado.  

Conclui-se assim que civilidade faz parte do processo de  civilização e que civilização não é apenas um conjunto de conquistas tecnológicas ou econômicas mas, antes de tudo, um estágio no relacionamento entre os homens. Urbanidade, responsabilidade e o respeito ao próximo, além do parentesco etimológico, tem conotações semânticas com civismo que é devoção ao Outro, materializada no interesse público e no bem-estar coletivo.  

O ?? cidadão integrado à sociedade é necessariamente um agente que trabalha  em benefício desta mesma sociedade respeitando a identidade dos demais, acatando os estatutos gerais e esforçando-se para o aprimoramento coletivo.  

Civismo também pode ser visto como patriotismo, embora as duas palavras, ao longo dos 21 anos de regime militar, tenham assumido conotações negativas. Se formos fugir das palavras que já foram abusadas e violentadas por regimes de força, nosso vocabulário estaria hoje bem reduzido. Reparem que nos campos de concentração nazistas o lema que encimava os sinistros portões dizia, Arbeit Macht Frei, o Trabalho Traz a Liberdade. Então, pergunto: por isso, devemos abandonar palavras preciosas como Trabalho e Liberdade ?  

 Não receiemos, portanto, a reutilização do conceito de pátria, terra natal. Mas cuidado com o patriotismo sem civilidade -- é o caso dos regimes autoritários, xenófobos e totalitários. A civilidade é obrigatoriamente cívica, ?? legitimando o respeito ao próximo em termos institucionais. Um movimento corporativo, onde os interesses de um grupo sobrepõem-se aos da sociedade, não é cívico nem promove a civilidade.

 

Entra aqui uma palavra que não está no programa -- Democracia -- mas que deve estar presente em todas as ocasiões em que se falar nos antídotos ao preconceito. A Democracia não se resume apenas à existência de um calendário eleitoral regular e à existência dos três poderes. A democracia, como sistema perene e contínuo, carece também do exercício cotidiano de um mínimo de regras de convivência e de tolerância para com o Outro. A democracia necessita, sobretudo, de uma imprensa plural e diferenciada, consciente de sua responsabilidade como mediadora.   

E aqui vamos buscar uma outra palavra que não está no programa e que a imensa maioria dos jovens infelizmente ?? quase desconhece. Chama-se Fascismo. Eric Hobsbawm na sua brilhante avaliação sobre o século XX que chama de "Era dos Extremos", designa as diversas irrupções fascistas como a ruptura da civilidade, compreendida esta como um sistema de capilarização da democracia.  

O fascismo -- qualquer fascismo e ele hoje multiplica-se com todos os disfarces -- é a supremacia do preconceito. O fascismo, como aqueles virus que se transformam e até trocam de identidade, voltou a ser o grande fantasma político. Justamente pela sua capacidade camaleônica de camuflar-se e adotar por mimetismo inocentes roupagens.

  O que se considerava como politicamente correto, justamente por causa da precariedade desta chancela, pode esconder tenebrosas aberrações. Veja-se o caso do Unabomber. Aparentemente é um ecologista radical disposto a levar às últimas consequências sua rejeição à maquina, ao progresso e sua defesa da Natureza. No entanto, seus atos terroristas contra inocentes nada o distingu??em dos nazistas da Alemanha.  

Brigite Bardot,  depois de ser o símbolo sexual dos anos 60, tornou-se o símbolo da defesa dos direitos dos animais. Sua recente manifestação contra o abate ritual dos carneiros por parte dos muçulmanos da França enquadra-a perfeitamente dentro do Front National, o partido ultra-direitista francês, ao qual pertence seu marido,  agremiação inequivocamente fascista.  

Os fundamentalistas islâmicos do Norte da Àfrica e do Oriente Médio pretendem preservar-se da decadência do Ocidente, preservando seus usos e costumes. Mas adotam a brutal e sanguinária pratica política daqueles que pretendem a eliminação em massa e a solução final.  

Há fascismos de viés direitista e fascismos de viés esquerdista. Aliás, tanto Hitler como Mussolini sempre tiveram inclinações sociais e se pretenderam socialistas, cada um à sua maneira. Eram de direita pensando serem de esquerda. Hoje há quem se considere esquerdista sendo, na realidade, enfezado direitista.  

Os judeus que há 100 anos (quando surgiu o fascismo dito moderno) sempre foram as suas vítimas prediletas tambem estão sendo infectados pelo agressivo culto ao preconceito. O assassinato do Primeiro Ministro Rabin por um fanático religioso da extrema-direita israelense tem todas as características de um ato fascista. A começar pelo clima de histeria política insuflado por algumas lideranças religiosas que tomou conta de Israel quando foram assinados os acordos de paz. E termina com a utilização pelo assassino das balas dumdum, destinadas a estraçalhar as vítimas.  

Trago à baila a ressurgência mundial do fascismo não apenas porque esta é a minha preocupação política dominante ?? mas porque, como jornalista,  percebo que a disseminação do preconceito na e pela imprensa -- mesmo os insignificantes e “justificados” --  leva ao totalitarismo e a uma perigosa situação de ruptura social e política.  

Nunca é demais repetir que o ser preconceituoso é basicamente um autoritário e que o fascismo nutre-se primordialmente dos pequenos preconceitos dos pequenos ditadores que, num crescendo, acabam convertendo-se em grandes preconceitos dos grandes ditadores. E, uma vez instalada a incapacidade para julgar com serenidade, acende-se o pavio que incendiará todas as reservas de civilidade.  

Se a imprensa não está advertida nem se mostra sensível aos perigos desta perigosa bola-de-neve acaba por produzir um clima propício à irracionalidade e à selvageria.  

Há dez ou onze anos atrás acabou-se a ditadura militar. Governo já não é mais sinônimo de vilania. Tudo o que se fez antes em matéria de resistência ao regime militar, hoje, numa democracia, precisa ser repensado e reavaliado. O vale-tudo da década passada já não se justifica. Mesmo a experiência do impeachment do Presidente Collor de Mello deve ser colocada numa redoma para ser estudada pelas próximas gerações. O papel do jornal e do jornalismo não é derrubar presidentes eleitos -- o que até pode acontecer ocasionalmente -- mas é de ajudar a sociedade a tomar as melhores decisões em seu benefício.  

O papel do jornalista como mediador é criar uma sociedade mais criteriosa e madura. Inclusive para impedir que viceje a irresponsabilidade da imprensa.  

Interêsses e preconceitos 

P: As empresas jornalísticas brasile??iras são de capital privado. Onde reside exatamente a responsabilidade social dessas empresas?  

Belisário dos Santos Jr.: Ocorre-me neste momento, a propósito, a lição do Professor Alberto Cañas Escalante, Embaixador da Costa Rica perante as Nações Unidas, no momento da aprovação da Declaração Universal de Direitos Humanos.  

A liberdade de expressão implica necessariamente uma possibilidade de expressão. Esta possibilidade só é "rousseaunianamente" assegurada aos oradores de praça.  

Em relação à liberdade de imprensa, nos termos em que constante da Declaração, é mais bem uma liberdade empresarial que liberdade individual ou direito humano, já que é concebida nos termos de declaraç??ões do século XVIII, sem contar a enorme quantidade de água que passou por baixo dessa ponte desde então... Hoje o exercício dessa liberdade é um negócio, e há que cuidar do negócio... Este necessita de capital e de entradas de capital.  

De empresas nem sempre éticas, depende o exercício da liberdade de expressão dos cidadãos. De anunciantes nem sempre éticos depende a liberdade de expressão das empresas de comunicação.  

Conclui o Professor Embaixador, numa autocrítica nostálgica:

"Os delegados de 1948 nos sentimos muito orgulhosos no momento da votação. Mas o século XVIII havia ficado para trás, e não nos demos conta disso!"  

Dines: Pois é. Eu acho que tem uma definição que pode dirimir essa pendência entre atividade privada e a função social. As empresas jornalísticas são privadas, em todo mundo hoje, com exceção talvez da China e de Cuba. Mas embora sejam empresas privadas, fazem um serviço público e sobretudo estão protegidas por uma série de preceitos constitucionais e privilégios constitucionais. Sendo assim, elas tem que estar compenetradas de que prestam esse serviço público e tem contas a prestar à sociedade.  

Isso não é o que acontece. Todas as tentativas que se fazem para o acompanhamento e a crítica da mídia pegam mal, como se diria na linguagem coloquial. O jornalista e o dono do jornal, e aí estão irmanados o trabalhador e o dono do capital, ambos rejeitam qualquer tipo de avaliação da sociedade.  

P: Gostaria que você falasse um pouco sobre a união entre os grupos mais poderosos dos diversos setores da imprensa e os interesses particulares de determinados grupos políticos brasileiros. ??  

Eu faço muitas críticas à atuação da mídia brasileira, sobretudo nesse período da construção democrática, mas eu não diria que a mídia brasileira está comprometida com partidos políticos. Ela tem suas posições independendo das posições dos partidos. O que a mídia brasileira tem por tradição, sempre teve e ela cultiva isso com certo gosto, diga-se, é uma aproximação com o poder político. É inevitável, mas mesmo assim nós encontramos sempre, em todas ocasiões, vozes discordantes que não concordam, ou fazem exceções ao coro geral de aprovação.  

Eu não acho que o problema da mídia brasileira seja a conjugação patronal-partidária. É o preconceito que está vigindo na feitura dos jornais, e na feitura dos jornais os patrões não interferem. O tom desabrido, desaforado, enfezado, agressivo, pouco cívico, não são os donos de jornais que dão o diapasão, isto é de uma geração que não está treinada na democracia, não está treinada no respeito ao outro e que está numa ?? posição de mando e assume-se arrogantemente como infalível. Portanto, eu acho que o problema maior não é a ligação do poder  da mídia com o poder político, é justamente o que está sendo feito debaixo do poder da mídia por aqueles que deviam estar zelando pelos interesses da sociedade.

 

P: Você deu ênfase maior à questão da imprensa escrita, como vê o monopólio estatal da mídia televisiva? O que seria uma mídia imparcial?  

Bem, eu dei preferência à mídia impressa, primeiro porque é aquela que eu conheço, em segundo lugar porque é aquela que deixa marcas. Um editorial seja do SBT, seja da TV Globo, ele  

não tem a força de um editorial ou de uma coluna opinativa de um jornal impresso. Essa é a força da palavra escrita, essa é a força e a perenidade do papel. Essa é a força que vai manter o jornalismo impresso, a despeito da tecnologia e dos sistemas on-line, permanentemente, eu espero pelo menos nos próximos duzentos anos ainda vitalmente importante. Então eu dou importância à mídia impressa, porque a palavra impressa vale muito mais do que a palavra falada. Eu não vejo um monopólio estatal na mídia eletrônica.  

O que me preocupa na mídia eletrônica não são os jornais, porque os jornais são uma parte ínfima com relação à programação como um todo. O que me preocupa é um país onde a educação tem tantas brechas e falhas e deixou de cumprir a tarefa de formar cidadãos conscientes, como já fez anteriormente, um país que carece dessas instituições formativas, a televisão, não apenas no seu jornalismo, mas a televisão como um todo, cria uma cidadania trivial, banalizada, sem profundidade, sem apego à cultur??a, e isto é extremamente lamentável. Mas isso é o regime da iniciativa privada, da livre concorrência, esperemos que com a pluralidade das opções com os canais dirigidos, sejam por satélites, sejam por cabos, nós possamos ter opções mais qualificadas para que a mídia eletrônica possa cumprir seu papel de ajudar, de auxiliar na formação cultural deste país.  

P: Por favor comente: mídia, religião e preconceito.

  Isso evidentemente exigiria um outro simpósio. Eu acho que no Brasil o problema de religião é que não tem sido muito considerado, e sobretudo nosso passado, por causa do nosso passado português nós estamos esquecendo do terror que foi a ligação da Igreja e do Estado. A Constituição de 46, que teoricamente deveria ser pior que a atual, a Constituição de 88, era muito mais secular, separava Igreja  e Estado e as coisas não convergiam e não ?? tangenciavam-se. Já na de 88 há uma série de injunções que me incomoda. O preâmbulo pedindo a graças de Deus, embora seja inofensivo, é uma irregularidade considerando que a sociedade brasileira tem que garantir o direito também de não crer, e logo a inclusão do preâmbulo da Constituição de uma cláusula religiosa, embora ampla e genérica, confronta esse princípio sagrado da separação das coisas do espírito das coisas do estado. A mídia nesta onda é extremamente majoritária, ela  acompanha o poder majoritário da Igreja Católica. Os quatro grandes jornais brasileiros, Jornal do Brasil, o Globo, o Estadão e a Folha, cada um deles tem em lugar de honra, um lugar reservado para uma autoridade eclesiástica e não tem o mesmo lugar reservado para autoridades de outros credos ou de não-credos. Então o Estado de São Paulo tem o Dom Lucas Moreira das Neves, cardeal primaz; a Folha de São Paulo tem Dom Luciano Mendes, que é o Bispo de Mariana; no Rio de Janeiro, é extremamente curioso que apesar da competição canibalesca entre dois jornais, Globo e Jornal do Brasil, os jornais publicam no sábado o Dom Eugênio Salles, Cardeal do Rio de Janeiro, já veterano. Isso demonstra como a imprensa não é imparcial, digamos, nessa questão da religião. E aí, a partir destes fatos básicos, nós podemos tirar uma série de ilações e verificar que ?? toda essa "guerra santa" sobre os evangélicos foi carregada de preconceito. Isto não quer dizer que o Edir Macedo não tenha lá suas culpas no cartório, mas o processo, como um todo, foi tratado com preconceito e com intolerância. Sou um estudioso amador da Inquisição portuguesa e da Inquisição brasileira que existiu praticamente no mesmo período de tempo, quase três séculos... Percebo que nós não nos livramos ainda da crença majoritária, isto é uma coisa que precisamos um dia corrigir.

 

P: Quais são os fatores que o senhor acredita terem sido determinantes para a extinção dos jornalistas humanistas?

 

Dines: Essa é uma outra história. Uma história que precisa ser um dia contada. É a história de uma gre??ve malfadada de jornalistas aqui em São Paulo em 1979, que provocou do patronato uma reação violentíssima, nunca feita antes, não imediata, levou um ano e meio para se articular. E os jornais passaram a agir, passaram pela primeira vez a sentar-se, porque eles não se sentavam, os donos não queriam tratar, não queriam se sentar na mesma mesa, então só os filhos dos donos passaram a sentar na mesma mesa e assumiram uma série de posturas e de estratégias de forma maciça. É por isso que eu insisti tanto quando falei que a imprensa tem de ser diferenciada, porque de uma forma geral, embora os logotipos sejam diferentes, e um puxa mais para o governo, outro puxa menos para o governo, certos pressupostos são idênticos.  

A troca do humanismo pelo tecnocracia yuppie tem a ver com um problema etário. Foi atribuído injustamente à greve dos jornalistas de 79, aos jornalistas dito humanitários, mais velhos, que justamente foram contra esta greve que seria absurda, que facilmente estava fadada a fracassar, como fracassou. Mas evidentemente, eram as figuras exponenciais, eram as figuras com uma participação política anterior à ditadura e fo??ram os bodes expiatórios que tinham de ser eliminados, porque eram os politizados que tinham criado esse clima. E a partir daí o processo ganhou uma grande velocidade, com uma distorção do processo jornalístico. A presença do marketing dentro da operação jornalística era uma coisa que qualquer jornalista da minha geração rejeitaria, porque o marketing é secundário.  

São as responsabilidades do jornalista perante à sociedade que devem comandar a postura do jornal a favor da sociedade, não um setor comercial. Mas esse fascínio pelo marketing permeia o Brasil inteiro, porque são essas as formas milagrosas... Isto é um modismo que começou na imprensa e permeou a sociedade brasileira, que vive em função da cosmética e abandona as questões fulcrais e primordiais da ação política ou jornalística. Então de uma forma geral a troca foi geracional e doutrinária, precisava-se de jornalistas capazes de atender a esses reclamos da competição, dos brindes, dos brindes que tornam o jornal descartável e secundário, as pessoas compram o jornal e jogam o jornal fora e ficam com o brinde, o que é uma subversão, tinham que ficar com o jornal, jogar o brinde fora. Mas isso tudo são coisas que vieram ocorrendo numa ??progressão imparável, eu não sei aonde vai acabar isso, e o jornal deixa de ser aquilo que é, o mediador da sociedade, o cimentador  da ação reflexiva da sociedade.  

P: Como criar rupturas na estrutura yuppie viciada e inócua das redações?  

Eu não sou a favor  de rupturas, sou a favor de evoluções. Acho que é muito simples. Uma redação deve representar, não digo estatisticamente, ela deve representar a sociedade para a qual é dirigido este veículo. Na maior parte dos jornais não há a experiência para filtrar possíveis erros, possíveis arrogâncias e possíveis preconceitos mesmo. Então o jornal é feito de uma forma, por uma equipe homogênea, sem diferenciação. A ruptura eu não aconselho, mas uma evolução, para fazer como acontece em todos os países do mundo, em que a imprensa reflete a composição e a estruturação da so??ciedade e não apenas um segmento dela.  

Julio: Uma outra pergunta, e esta é dirigida a mim, é uma crítica. Com o perdão da ousadia, não é um preconceito o processo de seleção das perguntas formuladas por escrito pelo público aqui presente?...  

Bem, eu tenho que receber isso com um sorriso. Em primeiro lugar não há censura. Na medida do possível eu tento agrupar perguntas de um mesmo assunto, de um mesmo gênero e realizá-las em seguida. Em segundo lugar, o único critério que elimina as questões é aquele que determina não formular perguntas que não dizem respeito ao tema tratado. Por exemplo: algumas solicitam o endereço da Internet e coisas do gênero... Finalmente, um outro critério que faz com que eu não formule certas perguntas é que infelizmente, dentro das minhas inúmeras limitações, ainda não domino a arte champoliônica de decifrar caracteres hieroglíficos. Infelizmente eu não entendo várias letras, se vocês puderem "traduzir" ??eu vou me sentir agradecido...  

Pergunta legível... A mídia plural apenas nascerá do crescimento do jornalismo reportagem. O jornalismo opinativo não pode colaborar com a democracia, afinal a imparcialidade absoluta é impossível e a reportagem pura é quase empirismo positivista?  

O jornalismo compõem-se de vários gêneros. Nós temos o gênero opinativo, o gênero informativo, nós temos a prestação de serviços, e assim por diante. Não vou dar uma aula de jornalismo comparado. Mas o que está acontecendo hoje é estatístico, por isso eu citei para vocês que vale a pena vocês comprovarem, peguem aí os grandes jornais de São Paulo verifiquem, se quiserem contem os centímetros nos primeiros cadernos, o espaço dedicado à opinião e o espaço designado para informação colhida por repórteres. A opinião está começando a ganhar. É claro que há razões econômicas, o espaço de um colunista é sempre mais barato do que o espaço de um repórter, porque o repórter não pode produzir todo dia?? uma matéria, ele às vezes passa  cinco dias ganhando para produzir uma matéria de cinco linhas. O opinionista facilmente preenche aquelas quarenta, cinquenta, sessenta, setenta linhas que lhe são designadas. E não tem fotógrafo, não precisa do carro de reportagem , não precisa viajar. Ele está ali, escreve, pode até escrever uma série de artigos, depois viajar. Economicamente, empresarialmente, mas anti-jornalisticamente, isto é mais fascinante, a opinião do que o trabalho de reportagem. Mas o jornalismo nasceu repórter. Mesmo com a falência da natureza humana, mesmo que no seu íntimo o jornalista mais isento sempre descambe para uma certa predileção, mas só esse esforço de ser isento, de ser  equidistante, já é muito bom , já é cívico, já é exemplar, porque faz com que ele se coloque  de uma forma mais discreta. Eu fico extremamente chocado quando leio essas violências que se cometem hoje no jornalismo opinativo brasileiro. No período imediatamente após a ditadura, onde se podia dizer uma série de coisas, eu não vi essa virulência empregada contra aqueles que foram sócios do regime militar, aqueles que foram responsáveis pelo regime militar.  

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