Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
 
 Direitos Humanos
 Desejos Humanos
 Educação EDH
 Cibercidadania
 Memória Histórica
 Arte e Cultura
 Central de Denúncias
 Banco de Dados
 MNDH Brasil
 ONGs Direitos Humanos
 ABC Militantes DH
 Rede Mercosul
 Rede Brasil DH
 Redes Estaduais
 Rede Estadual RN
 Mundo Comissões
 Brasil Nunca Mais
 Brasil Comissões
 Estados Comissões
 Comitês Verdade BR
 Comitê Verdade RN
 Rede Lusófona
 Rede Cabo Verde
 Rede Guiné-Bissau
 Rede Moçambique

Os Negros no Brasil: Estratégias para a Promoção de seus Direitos no Século XXI

Dulce Maria Pereira*

Introdução

As reflexões e celebrações em torno do cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos representam uma oportunidade para o debate sobre as estratégias para a inclusão dos negros brasileiros no processo de desenvolvimento nacional e, ainda, os caminhos da democracia na sociedade multicultural e desigual.

É impossível tratar da cidadania dos negros brasileiros e da promoção de seus direitos humanos sem que se faça uma leitura do passado. O melhor cenário futuro, entretanto, depende da promoção de uma ruptura com a ordem, com o medo e com os conceitos profundamente excludentes e preconceituosos sobre a identidade brasileira.

Se os conceitos de ampliação dos direitos são importantes nos vários países, certamente no Brasil são definitivos para a consolidação do processo democrático.

A realização da Declaração Universal dos Direitos Humanos está condicionada à sua ampliação sobretudo aos negros e aos povos indígenas.

Declaração Universal dos Direitos Humanos e os negros brasileiros

Em 1948, quando foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, então traduzida no Brasil como dos “Direitos do Homem”, nosso país vivia a Segunda República, a República populista (1946-1964) e os conceitos da “democracia racial brasileira” representavam um enorme esforço para conciliar os ideais republicanos de participação com a realidade de exclusão social, econômica e política dos negros.

Havia 60 anos que a escravidão fora abolida num contexto político e econômico extremamente desfavorável para os negros, após mais de 350 anos (de meados do século XVI ao final do século XIX) de consolidação de um Estado-Nação escravocrata, onde todas as relações sociais, culturais, políticas, pessoais e econômicas eram regidas pela escravidão, inclusive o imaginário social.

A República oligárquica (1891-1930) e depois a ditadura corporativista (1937-1945) deram continuidade ao processo de hierarquia racial e exclusão, gestados na escravidão e transformados através da história, apesar da intensa participação dos negros brasileiros na construção da defeituosa democracia brasileira.

O conceito de direitos humanos foi tratado segundo conceitos universalistas, mas excludentes. O universalismo no Brasil não se aplicava, e ainda não se aplica totalmente aos negros. Os conceitos universalistas foram relativizados por um profundo eurocentrismo, tornando-se excludentes em nosso país, nas diversas esferas do Estado, do conhecimento, das relações sociais. As particularidades de gênero, de origem étnica, diferenças regionais eram tratadas por poucos cientistas sociais, predominantemente pela ótica do perverso mito da democracia racial, às vezes sob a perspectiva de partidos políticos como questões conjunturais, e, na maioria das vezes consideradas implicâncias militantes ou questões menores, e até atrasadas ou contrárias aos interesses nacionais.

Até o final deste século XX, os conceitos de direitos humanos que, se aplicados aos povos indígenas, aos negros, às mulheres, teriam dado outro rumo ao processo democrático brasileiro, foram materializados de forma desigual.

Não trato aqui de referendar a particularização dos direitos humanos em nome de perspectivas nacionalistas, ou de possíveis referências culturais que acabam por justificar práticas genocidas e outras formas de construção de direitos intra-culturais, que justificam tratamentos desiguais ou atentados ao Estado de direito. Vale entretanto a observação de como a aplicação relativa do universalismo, de acordo com os interesses e visão de mundo de apenas parte do conjunto social, em nações multiculturais e estratificadas, tem criado referências incompletas de cidadania, como é o caso do Brasil.

A aplicação dos princípios dos direitos humanos estava condicionada, até a ditadura militar, nos anos 60, aos conceitos resultantes da nossa história: o poder privado, no império, do senhor sobre os seus escravos; dos homens sobre as mulheres de forma menos patrimonial; o catolicismo adotado como religião oficial, criando a desobrigação do poder público da tarefa de legislar sobre as relações; a abolição que atingiu os interesses dos fazendeiros do sudeste, cujo engajamento foi fundamental para a destruição da monarquia e proclamação da República; as alforrias em massa com vistas a garantir mão de obra barata; a posterior urbanização, mantendo as desigualdades e a pobreza negra rural.

O negro brasileiro era até então um ator Plutoniano da história, transformando os rumos da nação, gestando o ethos nacional, exigindo a firme ação dos eugenistas até mesmo na definição das relações interpessoais. Era ator político sem ser sujeito político formal. A escravidão foi a instituição econômica e política mais longa da nossa história, e a mais estável. Mesmo negros e mestiços sendo a maioria da população durante os anos finais da escravidão - afinal provavelmente mais de 5 milhões de africanos foram trazidos como escravos para o Brasil - os negros eram tratados como sub-humanos, não tinham o status de estrangeiros, nem os direitos de cidadãos brasileiros.

A diversidade entre os negros ao ser desconsiderada criou um obstáculo para se tratar a diferença de forma democrática, apesar da nossa grande miscigenação. O ponto de vista do negro brasileiro nunca fez parte da nossa expressão nacional legítima, exceto nos espaços guetizados ou fragmentados e descontextualizados. As transformações nas noções de direito individual, de cidadania, mesmo com a urbanização que transformou as relações entre negros e não negros, não produziram, na prática, conceitos de igualdade. Alguns ainda são considerados mais iguais e outros menos iguais.

O pós-guerra revelou à nação o profundo sentimento de pertencimento dos negros brasileiros, então chamados – segundo a linguagem não conscientemente desqualificatória- de pretos, mulatos e de pessoas de cor.

De forma contraditória, as teorias sobre a “civilização brasileira miscigenada com baixos níveis de preconceito racial”, por um lado, imobilizaram o negro nos patamares inferiores da pirâmide social brasileira, por outro, estabeleceram o conceito de brasileiro negro.

O desenvolvimento capitalista consolidou a hierarquia racial no Brasil. A sociedade moderna não reestruturou, a partir das relações de classe, as condições para que os afro-brasileiros pudessem participar do desenvolvimento em pé de igualdade. Nem lhe garantiu cidadania plena ou garantia dos direitos perante o Estado. A discriminação, as condições materiais desiguais, o acesso diferenciado aos benefícios do progresso material, a desqualificação por suas práticas culturais e cor da pele, incluindo as várias tonalidades, a desqualificação de sua história, a falta de instrumentos legais e de cultura legal para lidar com o racismo, a indiferença social, criaram espaços desiguais na escala dos direitos e da cidadania - inferior para os negros.

Os empregadores exploraram profundamente as divisões raciais na força de trabalho.

Durante o regime militar o conceito de direitos humanos foi utilizado pelos opositores do regime na tentativa de garantir direitos políticos. Foi a partir daí que o tema passou a fazer parte do cotidiano do vocabulário político brasileiro. Entretanto, quanto aos negros, as desigualdades e os mecanismos de exclusão no mercado do trabalho, a violência policial com características de brutalidade específicas quando se tratava dos afro-brasileiros, a esterilização de mulheres negras, a vulnerabilidade das comunidades organizadas para resistir à escravidão sem direito ao título da terra, eram temas, assim como a desigualdade de gênero, considerados particulares, questões de minorias, lutas específicas.

A inclusão dos afro-brasileiros no universo dos direitos humanos

O custo social e econômico do racismo, a quantificação e exposição numérica das desigualdades raciais, a ampliação do entendimento de que a população negra brasileira não é numericamente uma minoria, de que o Brasil é o país com a maior população negra fora da África e de que o desenvolvimento excludente é um problema nacional - não só dos negros ou de outros grupos sociais - têm, nos últimos anos, politizado e ampliado o tratamento das desigualdades raciais.

Ainda, as transformações do processo democrático têm exigido a compreensão do processo histórico a partir da ótica dos vários grupos humanos que compõem o todo social, incluindo a necessidade da avaliação do papel do Estado e dos vários atores sociais que gestam a história no cotidiano presente e o fizeram no passado.

O debate internacional sobre direitos humanos tem incluído setores relevantes da militância negra. As Conferências da ONU, da Mulher e a de Genebra, a aplicação dos conceitos de desenvolvimento humano, a necessidade dos brasileiros de lidar com a sua identidade no processo de globalização, trazem o negro brasileiro para o centro do debate sobre os direitos humanos.

As estratégias e os direitos segundo os afro-brasileiros

As estratégias para a promoção dos direitos dos negros no próximo século devem considerar:

§         O problema das desigualdades entre os grupos humanos no país é nacional e não só dos negros ou dos grupos excluídos. O negro é integrante formador da cultura brasileira. Não é minoria. Tem pouca representação política e está excluído do gerenciamento econômico por condições históricas.

§         A garantia de direitos para os negros resultará na potencialização das vantagens nacionais no contexto global e das melhores possibilidades de expressão positiva dos seres humanos no contexto mundial.

§         As particularidades históricas do Brasil, a miscigenação e o convívio sem ódio racial visível e sem um cotidiano de confrontos, não eliminaram o racismo e sua expressão, que mesmo diferenciada é perversa e inibidora do gozo da diversidade.

§         As experiências de políticas de ação afirmativa implantadas na Europa, nos EUA e em outras partes do mundo para promover mulheres, diferentes grupos étnicos, ou outros grupos excluídos, não devem ser simplesmente transpostas para o Brasil, mas devem ser consideradas referências e experiências importantes a serem observadas e adaptadas às nossas realidades.

§         O tratamento da questão racial não terá resultado se for polarizado entre negros e brancos no Brasil. Apesar das semelhanças conceituais e no resultado das desigualdades, também não é igual às realidades vividas pelos povos indígenas. Os direitos humanos dos negros para que se tornem um objetivo da coletividade dependerão da ruptura com a escala de valores sociais e de mudanças estruturais. A exclusão e a visão cultural unilateral de estabilidade e de normalidade política e econômica dos brasileiros deverá se transformar e, assim, criar bases para a democracia participativa. Deverá ser levado em consideração o quanto todos podem ganhar com as possíveis e necessárias mudanças estruturais.

§         É preciso que se considere a diversidade dos próprios africanos que vieram para o Brasil, as diversidades regionais e históricas, a importância da miscigenação, os efeitos da desqualificação sistemática do ser negro, a cultura brasileira permeada por negritudes ou africanidades, recriada a partir da cosmovisão de brasileiros de muitas origens, a dificuldade de se admitir conflitos mesmo quando visíveis, o medo dos negros de que qualquer solução seja pior do que a realidade, a descrença dos negros no Estado e nas instituições.

§         A população afro-brasileira não é uma " comunidade cultural" e não se deve esperar que se comporte como tal. Trata-se de um conjunto humano que sempre soube do seu poder cultural, que criou mecanismos de sobrevivência, por vezes fazendo contraponto com as maiores perversidades étnicas, que tem consciência de sua condição planetária desigual, e que, por isso, tem, com freqüência, um discurso "para dentro" e outro "para fora". Sobretudo acredita que tem um espaço definidor nos rumos do futuro.

§         Os afro-brasileiros foram submetidos a intenso processo de destruição de auto-estima. Buscam hoje seus heróis que não têm face, por vezes os substituem por líderes internacionais. Na relação com outros negros do mundo, sentem-se em desvantagem e questionam os resultados da opção brasileira da cordialidade formal. Falam das atrocidades raciais como se só pertencessem a outros universos mas com freqüência as associam às desigualdades internas. Sentem-se mais responsáveis, muito mais do que os não negros, pela ausência de ódio racial explícito. Valorizam profundamente suas ancestralidades negras referenciando-as nos antigos grupos nacionais mais do que em uma África mítica ou nas culturas africanas.

§         Submetem-se à desqualificação externa como opção de convivência pacífica - característica menos presente nos mais jovens -, mas têm profunda consciência do racismo em todas as suas formas sutis ou explícitas. Dão pouca importância interna a linhas de cor, reconhecem a invisibilidade política e social como um dano e uma derrota cultural das últimas gerações que não souberam criar alternativas para o mito da democracia racial.

§         Desaprovam a mobilidade social individualizada mas têm orgulho dos negros que conquistam espaços sociais e criam condições para que outros o façam. Não se iludem com a ascensão em maior número à classe média. Sabem que ainda é um fenômeno isolado e não famílias ou de grupo. Desaprovam com rigor o tokenismo.

§         A violência policial é reconhecidamente inibidora dos direitos de ir e vir dos afro-brasileiros e a pior expressão da violação dos direitos humanos dos negros no Brasil.



* Dulce Maria Pereira é arquiteta, documentarista, presidente da Fundação Cultural Palmares- MinC e integra o GTI para Valorização da População Negra, o Interamerican Dialogue e o Programa de Apoio a Liderança e Representação Feminina do BID.

As estratégias, enfim, devem incluir a priorização das relações raciais como tema na área dos direitos humanos. Os princípios universalistas devem ser universalizados e os direitos dos negros não podem ser diluídos nos conceitos gerais dos direitos humanos e dos direitos sociais.

O conjunto da sociedade brasileira precisa ter acesso e oportunidade de participar de tal processo como participa hoje, de forma crescente, das discussões gerais sobre direitos humanos. É importante que a nação perceba que não basta ser emergente no topo, que a pirâmide social foi criada por desigualdades históricas que imobilizam uma parte do conjunto social e que, se não houver investimentos específicos, destinados a reparar as desigualdades históricas, a população afro-brasileira continuará como uma maioria imobilizada, desmobilizada e indiferente. Perde o Estado, perde o conjunto social, perde a nação.

A população negra participará ativamente de um processo nacional que trate de seus direitos no contexto nacional. Não se interessará, entretanto, por processos que a desqualifiquem no imaginário social. Vale contextualizar suas noções de direito e descrever seus pontos de vista sobre os debates sobre políticas de ação afirmativa, que são referências importantes, o que pode ser resumido em poucos parágrafos:

A representação política é considerada fundamental, mas em qualquer esfera de poder deve ser digna e significar participação nas alternativas para a superação da pobreza e das desigualdades. A população negra brasileira não espera que seus representantes tratem apenas de criar melhores condições de vida para os negros. Os negros são exigentes quanto à atuação ética, ao combate à corrupção e aos privilégios - entendem que em um sistema justo suas oportunidades são maiores. Entendem que têm o direito e o dever de participar das decisões e dos rumos da nação. Entretanto a maioria não vê com simpatia a criação de um partido negro. Entende que seus direitos devem ser assegurados, com maior participação de negros nos espaços decisórios.

Mesmo constatando as profundas desigualdades no sistema educacional, quaisquer propostas que permitam desqualificação paternalista têm sido rejeitadas pela maioria dos próprios negros. Sistemas de cotas, dissociados de outros programas, têm sido preteridos por bolsas e cursos especiais de capacitação, que são considerados mais meritórios. O acesso universal à educação, com cursos em locais e horários adequados, com professores preparados para lidar com a diversidade racial, a inclusão da história do negro e da história da África, material didático que valorize os afro-brasileiros, escolas multiculturais de qualidade nas regiões suburbanas e rurais, transporte escolar adequado e alimentação na escola são propostas que constam do repertório dos negros de todos os espaços sociais. As cotas são vistas com desconfiança, se tratadas isoladamente.

No universo de trabalho, a reserva de vagas é vista com grande relutância. A representação proporcional dos vários grupos étnicos e isonomia no acesso e no sistema de promoção são desejos dos afro-brasileiros, mesmo sabendo que estão em desvantagem no que se refere a qualidade de vida. Programas para o cumprimento das recomendações da Convenção 111 da OIT foram incorporados pelo governo brasileiro a partir de demanda criada pela ação do movimento negro com setores sindicais e os ministérios da Justiça e do Trabalho. A visibilidade pública de negros atuando no Estado e na iniciativa privada, como bons profissionais, é considerada fundamental por pessoas de todas as idades.

Os setores organizados e os não organizados da população negra entendem que as comunidades rurais criadas como resistência à escravidão têm direito absoluto ao título das terras. Entendem que não são credores do Estado, que são mantenedores de territórios culturais e que esses remanescentes de quilombos criaram alternativas preservacionistas e à fome, à prostituição, à miséria urbana, portanto que representam “um orgulho dos negros”. Não precisam ser assentados porque não são populações sem terra, pelo contrário, habitam há séculos em seus territórios. Seus direitos devem ser assegurados, portanto.

A noção do direito ao resgate da história é profunda. Está associada à compreensão de que o melhor do seu povo foi roubado, expropriado e, se expressa em uma palavra que reflete o racismo de nosso imaginário: “denegrido”. Não há ilusão quanto às contradições: pais que venderam filhos, mulheres que traídas delataram e impediram levantes e revoltas, negros que participaram do comércio de escravos. Mas há a regeneração do mutilado saci-pererê, o brilhantismo e a dignidade de Luís Gama, a curiosidade sobre Chica da Silva e o desejo de saber tanto sobre Zumbi quanto se sabe sobre o bandeirante Domingos Jorge Velho. Não havia um negro que prestasse em quase quatrocentos anos? E Luiza Mahin? E a professora preta que lutou pelo direito de voto? E a produção de Machado de Assis? É como se a cidadania de hoje estivesse assegurada na história de ontem. Como se a excepcionalidade de alguns dignificasse a existência e devolvesse a dignidade, inclusive importante para os olhos dos "de fora".

A produção cultural foi uma saída, como em outros países, para os negros brasileiros. Espaço para a sobrevivência econômica, intelectual e espiritual. A indústria cultural, entretanto, limita os espaços de expressão. A ausência de uma dramaturgia afro-brasileira, de espaços de criação-exibição são traduzidos politicamente pelos artistas como cerceamento do direito de ir e vir cultural e intelectual. O mito da democracia racial fez parecer que os excluídos eram incompetentes históricos, aparentemente competiam em condições iguais e não conseguiram mudar sua história.

Artistas e produtores culturais pertencem a um setor que reivindica financiamentos específicos para compensar as desigualdades históricas e, sobretudo, para que sejam criadas condições de se expressar o imaginário afro- brasileiro.

A violência policial e a falta de cumprimento das leis anti-racistas aprofundam o sentimento de que o Estado não é confiável como defensor dos interesses dos negros, que a justiça é “branca” e que os direitos são privilégios dos poderosos.

Um último exemplo refere-se ao direito à visibilidade qualificada. A ausência na mídia, nos materiais didáticos tem mais e mais sido considerada um fator de negação do direito à legitimação no imaginário social. Não se trata do discurso acadêmico ou político, ou ainda militante. A invisibilidade incomoda e está associada ao vazio de história.

Conclusão

É preciso que sejam estabelecidas metas. Metas de governo e metas sociais com referência, sobretudo, na Declaração de Viena e nos Pactos Internacionais.

O processo democrático exige resultados e o Estado, cujo papel é relevante para produzir mudanças, começa a ser referência para a sociedade, formulando políticas que levarão à participação dos afro-brasileiros como sujeitos no processo de desenvolvimento. Apesar das recentes iniciativas do governo federal, os estados e municípios, entretanto, não têm ido além da criação de conselhos que têm pouco poder executivo, sendo mais consultivos.

O discurso do governo está aquém até mesmo de sua prática que, nos últimos três anos, começou a implantar políticas fundamentais para a superação dos efeitos das desigualdades. Os conceitos e o discurso ainda se limitam ao simbólico e ao eventual. A valorização da diversidade e a compreensão das vantagens do multiculturalismo, os direitos humanos dos negros, dos povos indígenas, ainda não se materializam com visibilidade no orçamento, nas metas da reforma do Estado, no planejamento do desenvolvimento regional, embora o Programa Nacional dos Direitos Humanos inclua iniciativas relevantes. As propostas de reformas do sistema político que estão ganhando espaço no cenário nacional, sobretudo com a implantação do voto distrital, haverão de potencializar essa inclusão.

As ações da iniciativa privada são referenciadas nos velhos conceitos discriminatórios. A exclusão cotidiana dos negros no mercado de trabalho, as diferenças salariais e as barreiras para a continuação da carreira são notáveis.

As estratégias para a promoção dos direitos dos afro-brasileiros para o para o século XXI têm por referência principalmente os conceitos da Declaração e Programa de Ação de Viena, que inclui o direito à apropriação dos resultados do desenvolvimento por todos aqueles que produzem riqueza econômica, social e cultural.

Incluem a implantação de políticas públicas específicas, com metas a superar as desigualdades nas áreas da educação, saúde, emprego, comunicação, desenvolvimento das regiões, titulação das terras das comunidades quilombolas e participação política. Ainda, a criação de leis específicas e sensibilização do judiciário e da polícia. O essencial é que ações sejam executadas pelo Estado em parceria com os movimentos sociais negros e outras organizações de cidadania do setor terciário.

Estão sendo criados espaços institucionais, como o Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra. O objetivo é sistematizar e difundir informações que levem o conjunto social a rever os conceitos racistas e as discriminações em relação ao negro e aos afro-brasileiros, de tal forma que a sua história seja referência para a estruturação de sua auto -estima e valorização dos seus direitos. E que a apropriação dessa história seja universal.

Enfim, precisa ser ressaltado que o cumprimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Pactos Internacionais das Nações Unidas, no que se refere aos afro-brasileiros, exige a elaboração de um relatório sobre a condição humana desse grupo social, incluindo as propostas do Estado e da sociedade para a realização integral de seus direitos. Essa é uma tarefa ainda para o final deste século, de modo que possamos cumprir o objetivo de, ao celebrarmos o V Centenário do Brasil, no início do ano 2000, apresentarmos como marco a decisão nacional de nos transformarmos em uma cultura baseada nos direitos humanos, oferecendo para a humanidade a melhor contribuição da nossa inteligência e sensibilidade multicultural.

Bibliografia

George Reid Andrews, 1998, “Negros e Brancos em São Paulo (1888 – 1988)”, EDUSC, São Paulo.

Sobre as campanhas anti-estrangeiros do final da década de 1910, ver Maram, Anarquistas, Imigrantes, pp. 68-89; Fausto, Trabalho urbano, pp. 233-243.

Human Rights Watch/Américas 1997, “Police Brutaly in Urban Brazil”.

Bresser Pereira, L.C., 1998 Cidadania e Res Publica: A Emergência dos Direitos Republicanos, Brasília.

História da Vida Privada no Brasil: Império, 1997, Cia da Letras, São Paulo

Lafer, C. 1998. A reconstrução dos direitos humanos. Um diálogo com pensamento de Hannah Arendt, Companhia da Letras, São Paulo.

Robinson, M. Human Rights are Universal, Indivisible and Independent. Terraviva, Julho 1998. N° 19.

Rachel Moreno, Cultura & Trabalho- pesquisa. Palmares em Revista 2,1998, Brasília

Programa Nacional de Direitos Humanos, Ministério da Justiça, 1996, Brasília.

Desde 1995 © www.dhnet.org.br Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: enviardados@gmail.com Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Notícias de Direitos Humanos
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
História dos Direitos Humanos no Brasil - Projeto DHnet
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Memória e a Verdade
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multimídia Memória Histórica Potiguar