Dulce
Maria Pereira*
Introdução
As
reflexões e celebrações em torno do cinqüentenário
da Declaração Universal dos Direitos Humanos representam
uma oportunidade para o debate sobre as estratégias
para a inclusão dos negros brasileiros no processo
de desenvolvimento nacional e, ainda, os caminhos
da democracia na sociedade multicultural e desigual.
É
impossível tratar da cidadania dos negros brasileiros
e da promoção de seus direitos humanos sem que
se faça uma leitura do passado. O melhor cenário
futuro, entretanto, depende da promoção de uma
ruptura com a ordem, com o medo e com os conceitos
profundamente excludentes e preconceituosos sobre
a identidade brasileira.
Se
os conceitos de ampliação dos direitos são importantes
nos vários países, certamente no Brasil são definitivos
para a consolidação do processo democrático.
A
realização da Declaração Universal dos Direitos
Humanos está condicionada à sua ampliação sobretudo
aos negros e aos povos indígenas.
Declaração Universal
dos Direitos Humanos e os negros brasileiros
Em
1948, quando foi proclamada a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, então traduzida no Brasil
como dos “Direitos do Homem”, nosso país vivia
a Segunda República, a República populista (1946-1964)
e os conceitos da “democracia racial brasileira”
representavam um enorme esforço para conciliar
os ideais republicanos de participação com a realidade
de exclusão social, econômica e política dos negros.
Havia
60 anos que a escravidão fora abolida num contexto
político e econômico extremamente desfavorável
para os negros, após mais de 350 anos (de meados
do século XVI ao final do século XIX) de consolidação
de um Estado-Nação escravocrata, onde todas as
relações sociais, culturais, políticas, pessoais
e econômicas eram regidas pela escravidão, inclusive
o imaginário social.
A
República oligárquica (1891-1930) e depois a ditadura
corporativista (1937-1945) deram continuidade
ao processo de hierarquia racial e exclusão, gestados
na escravidão e transformados através da história,
apesar da intensa participação dos negros brasileiros
na construção da defeituosa democracia brasileira.
O
conceito de direitos humanos foi tratado segundo
conceitos universalistas, mas excludentes. O universalismo
no Brasil não se aplicava, e ainda não se aplica
totalmente aos negros. Os conceitos universalistas
foram relativizados por um profundo eurocentrismo,
tornando-se excludentes em nosso país, nas diversas
esferas do Estado, do conhecimento, das relações
sociais. As particularidades de gênero, de origem
étnica, diferenças regionais eram tratadas por
poucos cientistas sociais, predominantemente pela
ótica do perverso mito da democracia racial, às
vezes sob a perspectiva de partidos políticos
como questões conjunturais, e, na maioria das
vezes consideradas implicâncias militantes ou
questões menores, e até atrasadas ou contrárias
aos interesses nacionais.
Até
o final deste século XX, os conceitos de direitos
humanos que, se aplicados aos povos indígenas,
aos negros, às mulheres, teriam dado outro rumo
ao processo democrático brasileiro, foram materializados
de forma desigual.
Não
trato aqui de referendar a particularização dos
direitos humanos em nome de perspectivas nacionalistas,
ou de possíveis referências culturais que
acabam por justificar práticas genocidas e outras
formas de construção de direitos intra-culturais,
que justificam tratamentos desiguais ou atentados
ao Estado de direito. Vale entretanto a observação
de como a aplicação relativa do universalismo,
de acordo com os interesses e visão de mundo de
apenas parte do conjunto social, em nações multiculturais
e estratificadas, tem criado referências incompletas
de cidadania, como é o caso do Brasil.
A
aplicação dos princípios dos direitos humanos
estava condicionada, até a ditadura militar, nos
anos 60, aos conceitos resultantes da nossa história:
o poder privado, no império, do senhor sobre os
seus escravos; dos homens sobre as mulheres de
forma menos patrimonial; o catolicismo adotado
como religião oficial, criando a desobrigação
do poder público da tarefa de legislar sobre as
relações; a abolição que atingiu os interesses
dos fazendeiros do sudeste, cujo engajamento foi
fundamental para a destruição da monarquia e proclamação
da República; as alforrias em massa com vistas
a garantir mão de obra barata; a posterior urbanização,
mantendo as desigualdades e a pobreza negra rural.
O
negro brasileiro era até então um ator Plutoniano
da história, transformando os rumos da nação,
gestando o ethos nacional, exigindo a firme ação
dos eugenistas até mesmo na definição das relações
interpessoais. Era ator político sem ser sujeito
político formal. A escravidão foi a instituição
econômica e política mais longa da nossa história,
e a mais estável. Mesmo negros e mestiços sendo
a maioria da população durante os anos finais
da escravidão - afinal provavelmente mais de 5
milhões de africanos foram trazidos como escravos
para o Brasil - os negros eram tratados como sub-humanos,
não tinham o status de estrangeiros, nem os direitos
de cidadãos brasileiros.
A
diversidade entre os negros ao ser desconsiderada
criou um obstáculo para se tratar a diferença
de forma democrática, apesar da nossa grande miscigenação.
O ponto de vista do negro brasileiro nunca fez
parte da nossa expressão nacional legítima, exceto
nos espaços guetizados ou fragmentados e descontextualizados.
As transformações nas noções de direito individual,
de cidadania, mesmo com a urbanização que transformou
as relações entre negros e não negros, não produziram,
na prática, conceitos de igualdade. Alguns ainda
são considerados mais iguais e outros menos iguais.
O
pós-guerra revelou à nação o profundo sentimento
de pertencimento dos negros brasileiros, então
chamados – segundo a linguagem não conscientemente
desqualificatória- de pretos, mulatos e de pessoas
de cor.
De
forma contraditória, as teorias sobre a “civilização
brasileira miscigenada com baixos níveis de preconceito
racial”, por um lado, imobilizaram o negro nos
patamares inferiores da pirâmide social brasileira,
por outro, estabeleceram o conceito de brasileiro
negro.
O
desenvolvimento capitalista consolidou a hierarquia
racial no Brasil. A sociedade moderna não reestruturou,
a partir das relações de classe, as condições
para que os afro-brasileiros pudessem participar
do desenvolvimento em pé de igualdade. Nem lhe
garantiu cidadania plena ou garantia dos direitos
perante o Estado. A discriminação, as condições
materiais desiguais, o acesso diferenciado aos
benefícios do progresso material, a desqualificação
por suas práticas culturais e cor da pele, incluindo
as várias tonalidades, a desqualificação de sua
história, a falta de instrumentos legais e de
cultura legal para lidar com o racismo, a indiferença
social, criaram espaços desiguais na escala dos
direitos e da cidadania - inferior para os negros.
Os
empregadores exploraram profundamente as divisões
raciais na força de trabalho.
Durante
o regime militar o conceito de direitos humanos
foi utilizado pelos opositores do regime na tentativa
de garantir direitos políticos. Foi a partir daí
que o tema passou a fazer parte do cotidiano do
vocabulário político brasileiro. Entretanto, quanto
aos negros, as desigualdades e os mecanismos de
exclusão no mercado do trabalho, a violência policial
com características de brutalidade específicas
quando se tratava dos afro-brasileiros, a esterilização
de mulheres negras, a vulnerabilidade das comunidades
organizadas para resistir à escravidão sem direito
ao título da terra, eram temas, assim como a desigualdade
de gênero, considerados particulares, questões
de minorias, lutas específicas.
A inclusão dos afro-brasileiros
no universo dos direitos humanos
O
custo social e econômico do racismo, a quantificação
e exposição numérica das desigualdades raciais,
a ampliação do entendimento de que a população
negra brasileira não é numericamente uma minoria,
de que o Brasil é o país com a maior população
negra fora da África e de que o desenvolvimento
excludente é um problema nacional - não só dos
negros ou de outros grupos sociais - têm, nos
últimos anos, politizado e ampliado o tratamento
das desigualdades raciais.
Ainda,
as transformações do processo democrático têm
exigido a compreensão do processo histórico a
partir da ótica dos vários grupos humanos que
compõem o todo social, incluindo a necessidade
da avaliação do papel do Estado e dos vários atores
sociais que gestam a história no cotidiano presente
e o fizeram no passado.
O
debate internacional sobre direitos humanos tem
incluído setores relevantes da militância negra.
As Conferências da ONU, da Mulher e a de Genebra,
a aplicação dos conceitos de desenvolvimento humano,
a necessidade dos brasileiros de lidar com
a sua identidade no processo de globalização,
trazem o negro brasileiro para o centro do debate
sobre os direitos humanos.
As estratégias e
os direitos segundo os afro-brasileiros
As
estratégias para a promoção dos direitos dos negros
no próximo século devem considerar:
§
O problema das desigualdades entre os grupos
humanos no país é nacional e não só dos negros
ou dos grupos excluídos. O negro é integrante
formador da cultura brasileira. Não é minoria.
Tem pouca representação política e está excluído
do gerenciamento econômico por condições históricas.
§
A garantia de direitos para os negros
resultará na potencialização das vantagens nacionais
no contexto global e das melhores possibilidades
de expressão positiva dos seres humanos no contexto
mundial.
§
As particularidades históricas do Brasil,
a miscigenação e o convívio sem ódio racial visível
e sem um cotidiano de confrontos, não eliminaram
o racismo e sua expressão, que mesmo diferenciada
é perversa e inibidora do gozo da diversidade.
§
As experiências de políticas de ação afirmativa
implantadas na Europa, nos EUA e em outras partes
do mundo para promover mulheres, diferentes grupos
étnicos, ou outros grupos excluídos, não devem
ser simplesmente transpostas para o Brasil, mas
devem ser consideradas referências e experiências
importantes a serem observadas e adaptadas às
nossas realidades.
§
O tratamento da questão racial não terá
resultado se for polarizado entre negros e brancos
no Brasil. Apesar das semelhanças conceituais
e no resultado das desigualdades, também não é
igual às realidades vividas pelos povos indígenas.
Os direitos humanos dos negros para que se tornem
um objetivo da coletividade dependerão da ruptura
com a escala de valores sociais e de mudanças
estruturais. A exclusão e a visão cultural unilateral
de estabilidade e de normalidade política e econômica
dos brasileiros deverá se transformar e, assim,
criar bases para a democracia participativa. Deverá
ser levado em consideração o quanto todos podem
ganhar com as possíveis e necessárias mudanças
estruturais.
§
É preciso que se considere a diversidade
dos próprios africanos que vieram para o Brasil,
as diversidades regionais e históricas, a importância
da miscigenação, os efeitos da desqualificação
sistemática do ser negro, a cultura brasileira
permeada por negritudes ou africanidades, recriada
a partir da cosmovisão de brasileiros de muitas
origens, a dificuldade de se admitir conflitos
mesmo quando visíveis, o medo dos negros de que
qualquer solução seja pior do que a realidade,
a descrença dos negros no Estado e nas instituições.
§
A população afro-brasileira não é uma "
comunidade cultural" e não se deve esperar
que se comporte como tal. Trata-se de um conjunto
humano que sempre soube do seu poder cultural,
que criou mecanismos de sobrevivência, por vezes
fazendo contraponto com as maiores perversidades
étnicas, que tem consciência de sua condição planetária
desigual, e que, por isso, tem, com freqüência,
um discurso "para dentro" e outro "para
fora". Sobretudo acredita que tem um espaço
definidor nos rumos do futuro.
§
Os afro-brasileiros foram submetidos a
intenso processo de destruição de auto-estima.
Buscam hoje seus heróis que não têm face, por
vezes os substituem por líderes internacionais.
Na relação com outros negros do mundo, sentem-se
em desvantagem e questionam os resultados da opção
brasileira da cordialidade formal. Falam das atrocidades
raciais como se só pertencessem a outros universos
mas com freqüência as associam às desigualdades
internas. Sentem-se mais responsáveis, muito mais
do que os não negros, pela ausência de ódio racial
explícito. Valorizam profundamente suas ancestralidades
negras referenciando-as nos antigos grupos nacionais
mais do que em uma África mítica ou nas culturas
africanas.
§
Submetem-se à desqualificação externa como
opção de convivência pacífica - característica
menos presente nos mais jovens -, mas têm profunda
consciência do racismo em todas as suas formas
sutis ou explícitas. Dão pouca importância interna
a linhas de cor, reconhecem a invisibilidade política
e social como um dano e uma derrota cultural das
últimas gerações que não souberam criar alternativas
para o mito da democracia racial.
§
Desaprovam a mobilidade social individualizada
mas têm orgulho dos negros que conquistam espaços
sociais e criam condições para que outros o façam.
Não se iludem com a ascensão em maior número à
classe média. Sabem que ainda é um fenômeno isolado
e não famílias ou de grupo. Desaprovam com rigor
o tokenismo.
§
A violência policial é reconhecidamente
inibidora dos direitos de ir e vir dos afro-brasileiros
e a pior expressão da violação dos direitos humanos
dos negros no Brasil.
As
estratégias, enfim, devem incluir a priorização
das relações raciais como tema na área dos
direitos humanos. Os princípios universalistas
devem ser universalizados e os direitos dos
negros não podem ser diluídos nos conceitos
gerais dos direitos humanos e dos direitos
sociais.
O
conjunto da sociedade brasileira precisa ter
acesso e oportunidade de participar de tal
processo como participa hoje, de forma crescente,
das discussões gerais sobre direitos humanos.
É importante que a nação perceba que não
basta ser emergente no topo, que a pirâmide
social foi criada por desigualdades históricas
que imobilizam uma parte do conjunto social
e que, se não houver investimentos específicos,
destinados a reparar as desigualdades históricas,
a população afro-brasileira continuará como
uma maioria imobilizada, desmobilizada e indiferente.
Perde o Estado, perde o conjunto social, perde
a nação.
A
população negra participará ativamente de
um processo nacional que trate de seus direitos
no contexto nacional. Não se interessará,
entretanto, por processos que a desqualifiquem
no imaginário social. Vale contextualizar
suas noções de direito e descrever seus pontos
de vista sobre os debates sobre políticas
de ação afirmativa, que são referências importantes,
o que pode ser resumido em poucos parágrafos:
A
representação política é considerada fundamental,
mas em qualquer esfera de poder deve ser digna
e significar participação nas alternativas
para a superação da pobreza e das desigualdades.
A população negra brasileira não espera que
seus representantes tratem apenas de criar
melhores condições de vida para os negros.
Os negros são exigentes quanto à atuação ética,
ao combate à corrupção e aos privilégios -
entendem que em um sistema justo suas oportunidades
são maiores. Entendem que têm o direito e
o dever de participar das decisões e dos rumos
da nação. Entretanto a maioria não vê com
simpatia a criação de um partido negro. Entende
que seus direitos devem ser assegurados, com
maior participação de negros nos espaços decisórios.
Mesmo
constatando as profundas desigualdades no
sistema educacional, quaisquer propostas que
permitam desqualificação paternalista têm
sido rejeitadas pela maioria dos próprios
negros. Sistemas de cotas, dissociados de
outros programas, têm sido preteridos por
bolsas e cursos especiais de capacitação,
que são considerados mais meritórios. O acesso
universal à educação, com cursos em locais
e horários adequados, com professores preparados
para lidar com a diversidade racial, a inclusão
da história do negro e da história da África,
material didático que valorize os afro-brasileiros,
escolas multiculturais de qualidade nas regiões
suburbanas e rurais, transporte escolar adequado
e alimentação na escola são propostas que
constam do repertório dos negros de todos
os espaços sociais. As cotas são vistas com
desconfiança, se tratadas isoladamente.
No
universo de trabalho, a reserva de vagas é
vista com grande relutância. A representação
proporcional dos vários grupos étnicos e isonomia
no acesso e no sistema de promoção são desejos
dos afro-brasileiros, mesmo sabendo que estão
em desvantagem no que se refere a qualidade
de vida. Programas para o cumprimento das
recomendações da Convenção 111 da OIT foram
incorporados pelo governo brasileiro a partir
de demanda criada pela ação do movimento negro
com setores sindicais e os ministérios da
Justiça e do Trabalho. A visibilidade pública
de negros atuando no Estado e na iniciativa
privada, como bons profissionais, é considerada
fundamental por pessoas de todas as idades.
Os
setores organizados e os não organizados da
população negra entendem que as comunidades
rurais criadas como resistência à escravidão
têm direito absoluto ao título das terras.
Entendem que não são credores do Estado,
que são mantenedores de territórios culturais
e que esses remanescentes de quilombos criaram
alternativas preservacionistas e à fome, à
prostituição, à miséria urbana, portanto que
representam “um orgulho dos negros”. Não precisam
ser assentados porque não são populações sem
terra, pelo contrário, habitam há séculos
em seus territórios. Seus direitos devem ser
assegurados, portanto.
A
noção do direito ao resgate da história é
profunda. Está associada à compreensão de
que o melhor do seu povo foi roubado, expropriado
e, se expressa em uma palavra que reflete
o racismo de nosso imaginário: “denegrido”.
Não há ilusão quanto às contradições: pais
que venderam filhos, mulheres que traídas
delataram e impediram levantes e revoltas,
negros que participaram do comércio de escravos.
Mas há a regeneração do mutilado saci-pererê,
o brilhantismo e a dignidade de Luís Gama,
a curiosidade sobre Chica da Silva e o desejo
de saber tanto sobre Zumbi quanto se sabe
sobre o bandeirante Domingos Jorge Velho.
Não havia um negro que prestasse em quase
quatrocentos anos? E Luiza Mahin? E a professora
preta que lutou pelo direito de voto? E a
produção de Machado de Assis? É como se a
cidadania de hoje estivesse assegurada
na história de ontem. Como se a excepcionalidade
de alguns dignificasse a existência e devolvesse
a dignidade, inclusive importante para os
olhos dos "de fora".
A
produção cultural foi uma saída, como em outros
países, para os negros brasileiros. Espaço
para a sobrevivência econômica, intelectual
e espiritual. A indústria cultural, entretanto,
limita os espaços de expressão. A ausência
de uma dramaturgia afro-brasileira, de espaços
de criação-exibição são traduzidos politicamente
pelos artistas como cerceamento do direito
de ir e vir cultural e intelectual. O mito
da democracia racial fez parecer que os excluídos
eram incompetentes históricos, aparentemente
competiam em condições iguais e não conseguiram
mudar sua história.
Artistas
e produtores culturais pertencem a um setor
que reivindica financiamentos específicos
para compensar as desigualdades históricas
e, sobretudo, para que sejam criadas condições
de se expressar o imaginário afro- brasileiro.
A
violência policial e a falta de cumprimento
das leis anti-racistas aprofundam o sentimento
de que o Estado não é confiável como defensor
dos interesses dos negros, que a justiça é
“branca” e que os direitos são privilégios
dos poderosos.
Um
último exemplo refere-se ao direito à visibilidade
qualificada. A ausência na mídia, nos materiais
didáticos tem mais e mais sido considerada
um fator de negação do direito à legitimação
no imaginário social. Não se trata do discurso
acadêmico ou político, ou ainda militante.
A invisibilidade incomoda e está associada
ao vazio de história.
Conclusão
É
preciso que sejam estabelecidas metas. Metas
de governo e metas sociais com referência,
sobretudo, na Declaração de Viena e nos Pactos
Internacionais.
O
processo democrático exige resultados e o
Estado, cujo papel é relevante para produzir
mudanças, começa a ser referência para a sociedade,
formulando políticas que levarão à participação
dos afro-brasileiros como sujeitos no processo
de desenvolvimento. Apesar das recentes iniciativas
do governo federal, os estados e municípios,
entretanto, não têm ido além da criação de
conselhos que têm pouco poder executivo, sendo
mais consultivos.
O
discurso do governo está aquém até mesmo de
sua prática que, nos últimos três anos, começou
a implantar políticas fundamentais para a
superação dos efeitos das desigualdades. Os
conceitos e o discurso ainda se limitam ao
simbólico e ao eventual. A valorização da
diversidade e a compreensão das vantagens
do multiculturalismo, os direitos humanos
dos negros, dos povos indígenas, ainda não
se materializam com visibilidade no orçamento,
nas metas da reforma do Estado, no planejamento
do desenvolvimento regional, embora o Programa
Nacional dos Direitos Humanos inclua iniciativas
relevantes. As propostas de reformas do sistema
político que estão ganhando espaço no cenário
nacional, sobretudo com a implantação do voto
distrital, haverão de potencializar essa
inclusão.
As
ações da iniciativa privada são referenciadas
nos velhos conceitos discriminatórios. A exclusão
cotidiana dos negros no mercado de trabalho,
as diferenças salariais e as barreiras para
a continuação da carreira são notáveis.
As
estratégias para a promoção dos direitos dos
afro-brasileiros para o para o século XXI
têm por referência principalmente os conceitos
da Declaração e Programa de Ação de Viena,
que inclui o direito à apropriação dos resultados
do desenvolvimento por todos aqueles que produzem
riqueza econômica, social e cultural.
Incluem
a implantação de políticas públicas específicas,
com metas a superar as desigualdades nas áreas
da educação, saúde, emprego, comunicação,
desenvolvimento das regiões, titulação das
terras das comunidades quilombolas e participação
política. Ainda, a criação de leis específicas
e sensibilização do judiciário e da polícia.
O essencial é que ações sejam executadas pelo
Estado em parceria com os movimentos sociais
negros e outras organizações de cidadania
do setor terciário.
Estão
sendo criados espaços institucionais, como
o Centro Nacional de Informação e Referência
da Cultura Negra. O objetivo é sistematizar
e difundir informações que levem o conjunto
social a rever os conceitos racistas e as
discriminações em relação ao negro e aos afro-brasileiros,
de tal forma que a sua história seja referência
para a estruturação de sua auto -estima e
valorização dos seus direitos. E que a apropriação
dessa história seja universal.
Enfim,
precisa ser ressaltado que o cumprimento da
Declaração Universal dos Direitos Humanos
e dos Pactos Internacionais das Nações Unidas,
no que se refere aos afro-brasileiros, exige
a elaboração de um relatório sobre a condição
humana desse grupo social, incluindo as propostas
do Estado e da sociedade para a realização
integral de seus direitos. Essa é uma tarefa
ainda para o final deste século, de modo que
possamos cumprir o objetivo de, ao celebrarmos
o V Centenário do Brasil, no início do ano
2000, apresentarmos como marco a decisão nacional
de nos transformarmos em uma cultura baseada
nos direitos humanos, oferecendo para a humanidade
a melhor contribuição da nossa inteligência
e sensibilidade multicultural.
Bibliografia
George
Reid Andrews, 1998, “Negros e Brancos em São
Paulo (1888 – 1988)”, EDUSC, São Paulo.
Sobre
as campanhas anti-estrangeiros do final da
década de 1910, ver Maram, Anarquistas,
Imigrantes, pp. 68-89; Fausto, Trabalho
urbano, pp. 233-243.
Human
Rights Watch/Américas 1997, “Police Brutaly
in Urban Brazil”.
Bresser
Pereira, L.C., 1998 Cidadania e
Res Publica: A Emergência dos Direitos Republicanos,
Brasília.
História
da Vida Privada no Brasil: Império, 1997,
Cia da Letras, São Paulo
Lafer,
C. 1998. A reconstrução dos direitos humanos.
Um diálogo com pensamento de Hannah Arendt,
Companhia da Letras, São Paulo.
Robinson,
M. Human
Rights are Universal, Indivisible and Independent.
Terraviva, Julho 1998. N° 19.
Rachel
Moreno, Cultura & Trabalho- pesquisa.
Palmares em Revista 2,1998, Brasília
Programa
Nacional de Direitos Humanos, Ministério da
Justiça, 1996, Brasília.
|