FRANS
MOONEN
AS
MINORIAS CIGANAS:
DIREITOS
E REIVINDICAÇÕES
1.
Rom, Sinti e Calon: os assim chamados “ciganos
2.
Direitos ciganos no Brasil
3.
Os ciganos e a Organização das Nações Unidas
4.
O ciganos e o Conselho da Europa
5.
Os ciganos e a União Européia
6.
O Movimento Cigano: Direitos e Reivindicações
7.
Direitos culturais
8.
Direitos linguísticos
9.
Direitos educacionais
10.
Novos tempos, novas esperanças
11.
Considerações finais
Núcleo
de Estudos Ciganos
E-Texto
no. 3
Recife,
2000
1. Rom, Sinti e Calon: os assim chamados “ciganos”.
Por
volta do ano 1000, por motivos ainda ignorados, iniciou
uma migração de indianos em direção ao Ocidente. Nada
se sabe sobre estes primeiros migrantes, mas depois de
passarem pela Pérsia e pela Turquia, no Século XIII, sua
presença já é registrada na Grécia e em outros paises
balcânicos. A partir do início do Século XV migram para
a Europa Ocidental, onde geralmente dizem ser originários
do “Pequeno Egito”, então uma região da Grécia, mas pelos
europeus confundida com o Egito, na África.
Por isso, em vários países passaram a ser chamados
“egípcios” ou “egitanos” , de que derivam, p. ex., os
termos gypsy
(inglês), gitan (francês), gitano
(espanhol). Mas
sabemos que outros grupos se apresentaram como gregos
ou atsinganos,
como então eram chamados na Grécia, pelo que também ficaram
conhecidos como ciganos
(português), tsiganes
(francês), zigeuner (alemão e holandês), zingari
(italiano).
Hoje
os ciganos, no entanto, costumam usar autodenominações
completamente diferentes e distinguem pelo menos três
grandes grupos:
-
os Rom, ou Roma, que falam a língua romani;
são divididos em vários sub-grupos, com denominações próprias,
como os Kalderash, Matchuaia, Lovara, Curara, Ursari e.o.;
são predominantes nos países balcânicos, mas a partir
do Século XIX migraram também para outros países europeus
e para as Américas, inclusive para o Brasil;
-
os Sinti, que falam a língua sintó
e são mais encontrados na Alemanha, Itália e França, onde
também são chamados Manouch;
-
os Calon, ou Kalé, que falam a língua caló,
os “ciganos ibéricos”, que vivem principalmente em Portugal
e na Espanha, mas que no decorrer dos tempos se espalharam
também por outros países da Europa e foram deportados
ou migraram inclusive para a América do Sul.
Quase
nada sabemos sobre os ciganos brasileiros na atualidade.
As pesquisas até agora realizadas no Brasil provam a existência
de ciganos de pelo menos dois grupos diferentes: os Calon
que foram degredados ou migraram voluntariamente para
o país, já a partir do Século XVI, e os Rom que vieram
para o Brasil somente a partir de meados do Século XIX. Nenhuma publicação trata
de ciganos Sinti, mas que com certeza também devem ter
migrado para o Brasil, junto com os colonos alemães e
italianos, a partir do final do Século XIX.
Nada,
mas absolutamente nada, sabemos sobre o número de ciganos
nômades, semi-nômades e sedentários atualmente existentes
no Brasil, nem sobre sua distribuição geográfica. Há quem,
delirando e sem apresentar quaisquer provas, fala até
na existência de 800 mil ou 1 milhão de ciganos no Brasil.
No entanto, quaisquer estimativas sobre a população cigana
brasileira não passam de meras fantasias. No Brasil, até
hoje, nem o IBGE ou outra instituição de pesquisa demográfica,
nem cientista algum tem feito um levantamento da população
cigana.
Na
Europa, onde vive a maioria dos ciganos,
os dados demográficos são igualmente duvidosos,
mas de um modo geral estima-se que sua população está
em torno de 10 a 15 milhões de pessoas. Os países com
maiores populações ciganas são a Romênia (1.800 a 2.500.000), Bulgária (700 a 800.000), Espanha (650 a 800.000) e Hungria
(550 a 600.000).
Desde sua chegada
na Europa Ocidental, os ciganos têm sido vítimas de políticas
anti-ciganas, em todos os países por onde passaram. “Cigano”
virou palavrão;
ser “cigano” virou crime, o que em muitos países
significava a condenação à morte. Ainda em pleno Século
XX, os nazistas exterminaram cerca de 500.000 ciganos,
um holocausto que os historiadores preferem esquecer.
Somente
a partir da década de 60, com a crescente unificação da
Europa, começam a surgir as primeiras políticas pró-ciganas,
em documentos do Conselho da Europa e da União Européia.
E também os ciganos, pela primeira vez na história, começam
a reivindicar os seus direitos e a denunciar.
Ainda vai levar
algum tempo para estas novas idéias e políticas ciganas
e pró-ciganas conseguirem atravessar o Atlântico e ficarem
também amplamente conhecidas e discutidas no Brasil, não
apenas por políticos e juristas, mas também por antropólogos
e outros cientistas da área humanística.
Este ensaio
tenta apenas contribuir para uma maior divulgação, no
Brasil, das políticas pró-ciganas e das reivindicações
ciganas européias, quase sempre divulgadas em publicações
de difícil ou impossível acesso para os juristas e cientistas
sociais brasileiros, porque inexistentes em qualquer biblioteca
universitária ou biblioteca pública. Por este motivo,
vários documentos serão amplamente transcritos.
2. Direitos ciganos no Brasil.
O
Brasil talvez seja o único país do mundo no qual um cigano
chegou a ser Presidente da República (Juscelino Kubitschek,
1956-60).
Mesmo assim, todas as Constituições Federais sempre ignoraram
a existência de ciganos, e no Brasil não existem políticas
anti- ou pró-ciganas, nem leis que tratam especificamente
das minorias ciganas. Oficialmente, os Rom, Sinti e Calon
nem sequer são considerados minorias étnicas, e como tais
com direitos específicos, reconhecidos em diversas convenções
internacionais, várias das quais promulgadas também no
Brasil.
Após 1988, ocorreram
algumas mudanças. A Constituição Federal do Brasil de
1988 atribuiu ao Ministério Público Federal a defesa também
dos direitos e interesses indígenas (CF, Art. 232), antes
atribuição exclusiva da Fundação Nacional do Índio. Um
dos resultados práticos foi a criação, na Procuradoria
da República, da Coordenadoria de Defesa dos Direitos
e Interesses das Populações Indígenas/CDDIPI. Alguns anos
depois, a Lei Complementar 75, de 20.05.1993, ampliou
ainda mais a ação do MPF ao atribuí-lo também a proteção
e defesa dos interesses relativos às comunidades indígenas
e minorias étnicas (Art. 6, VII, “c”). Diante disto,
em abril de 1994, a CDDIPI foi substituida pela Câmara
de Coordenação e Revisão dos Direitos das Comunidades
Indígenas e Minorias, incluindo-se nestas também
as ‘comunidades negras isoladas’ (antigos quilombos) e
as minorias ciganas.
O
MPF reconheceu logo que, para poder defender os direitos
e interesses das minorias étnicas, precisava também da
perícia dos antropólogos, pelo que em 1993 abriu concurso,
pela primeira vez, para a contratação de dez antropólogos.
Para a defesa
das minorias indígenas, o MPF pode dispor de milhares
de publicações sobre povos indígenas, escritas por dezenas
de antropólogos brasileiros e estrangeiros que já realizaram
ou estão realizando pesquisas de campo entre povos indígenas.
Vários livros, ensaios e artigos tratam especificamente
dos direitos indígenas. O MPF pode contar ainda com a
colaboração voluntária de muitos destes antropólogos,
como também de umas duas ou três dezenas de organizações
não-governamentais de apoio aos povos indígenas, muitas
delas ONG’s estrangeiras. Além disto, existe um órgão
governamental – a FUNAI / Fundação Nacional do Índio –
que tem como incumbência cuidar da defesa dos interesses
indígenas, baseando-se na Lei no. 6.001/73, mais conhecida
como o Estatuto do Índio..
A defesa dos
direitos e interesses das minorias ciganas, no entanto,
é bem mais difícil e complexa, porque nas bibliotecas
universitários os interessados procurarão em vão uma bibliografia
nacional e estrangeira sobre ciganos, ou sobre direitos
ciganos. Os antropólogos, historiadores, geógrafos, juristas
e outros, quase sempre ignoraram a existência das minorias
ciganas no Brasil.
Direito
à não-discriminação:
“Art.3º
. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil:
I
– construir uma sociedade livre, justa e solidária;
IV
– promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
“Art.
5º . Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza , garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade ....
XLII
– a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos
da lei. “
Direito
à livre locomoção:
“Art.
5º . Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza ......
XV
– é livre a locomoção no território nacional em tempo
de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele
entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.
Direitos
culturais.
“Art.
215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional,
apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações
culturais.
#
1º -
O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes
do processo civilizatório brasileiro.
Art.
216. Constituem
patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material
e imaterial, tomados inividualmente ou em conjunto, portadores
de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem:
I
– as formas de expressão;
II
– os modos de criar, fazer e viver;
III
– as criações científicas, artísticas e tecnológicas ................
#
3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção
e o conhecimento de bens e valores culturais. “
A
Constituição Federal garante aos ciganos nascidos no Brasil
os mesmos direitos dos outros cidadãos, pelo menos em
teoria. Na prática, muitos destes direitos são constantemente
violados, o que se manifesta na existência de estereótipos
negativos, preconceitos e várias formas de discriminação
das minorias ciganas pela população majoritária nacional.
Porém, os ciganos, por constituirem minorias étnicas,
também têm direitos especiais, citados em vários documentos
internacionais, aprovados e promulgados também pelo Governo
Brasileiro. Desnecessário dizer que também estes direitos
especiais são constantemente ignorados e violados.
A seguir trataremos
apenas dos direitos e das reivindicações das minorias
ciganas na Europa Ocidental, porque trata-se de um tema
quase totalmente ignorado no Brasil, mesmo entre os assim
chamados “ciganólogos”. Em parte porque a bibliografia
sobre este assunto foi publicada em revistas e livros
que dificilmente os brasileiros têm condições de adquirir
ou de encontrar em qualquer biblioteca pública ou universitária.
Este ensaio
pode não agradar ao leitor que esperava encontrar informações
sobre magia cigana, tarô cigano, e outros assuntos esotéricos
supostamente ‘ciganos’, ou irresponsáveis generalizações
sobre uma suposta “cultura cigana”, mas esperamos que
possa servir de instrumento para futuras reflexões sobre
os direitos ciganos no Brasil, e estimular a realização
de pesquisas de campo por antropólogos e outros cientistas
sociais brasileiros. Esperamos, ainda, que estes documentos
ajudem também as organizações não-governamentais ciganas
e pró-ciganas a definir e expressar melhor suas reivindicações,
conforme o atual pensamento do movimento cigano internacional.
3. Os ciganos e a Organização das Nações Unidas.
Nos
anos 30 e 40, na Alemanha nazista foram exterminados não
apenas 6 milhões de judeus, como também cerca de 500.000
ciganos. Para evitar a repetição de atrocidades semelhantes,
a Organização das Nações Unidas (ONU), criada logo após
a guerra, elaborou
vários documentos genéricos sobre direitos humanos. O
documento mais famoso (e mais desrespeitado) certamente
é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948,
que no seu primeiro artigo solenemente afirma que: “Todos
os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
direitos ....”.
Vários documentos posteriores da ONU tratam de
discriminação e racismo. Em 1965, por exemplo, na Convenção
sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação
Racial, a ONU solicita mais uma vez que os Estados membros
se comprometam
“a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas as suas
formas e a garantir o direito de cada um à igualdade perante
a lei sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional
ou étnica, principalmente no gozo dos seguintes direitos:
a) direito a um tratamento igual perante os tribunais
ou qualquer outro órgão que administra justiça; b) direito
à segurança da pessoa ou à proteção do Estado contra violência
ou lesão corporal cometida, quer por funcionários do Governo,
quer por qualquer indivíduo, grupo ou instituição; ...
d) direito de circular livremente e de escolher residência
dentro das fronteiras do Estado.... ; e) direitos econômicos,
sociais e culturais, principalmente: direito ao trabalho,
à livre escolha de seu trabalho ...; direito à habitação...”.
A
Declaração de 1948, a Convenção de 1965 e vários outros
documentos da ONU, no entanto, apenas tratam genericamente
de direitos individuais,
mas não de direitos coletivos,
de direitos específicos de minorias nacionais, étnicas,
linguísticas ou religiosas. Quanto a estas e outras minorias,
em 1966, finalmente a Assembléia Geral da ONU aprovou
o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos que,
no Artigo 27, solenemente afirma que:
“Nos
Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou linguísticas,
as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser
privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros
de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar
e praticar sua própria religião e de usar sua própria
língua”.
Estas
poucas linhas tratam de um óbvio ululante, dos direitos
mínimos que qualquer pessoa sensata possa imaginar para
uma minoria. Mas mesmo assim, poucas minorias tiraram
algum proveito deste ainda hoje sempre citado Artigo 27
porque os diplomatas da ONU não chegaram a um acordo sobre
o que é uma minoria étnica, racial, nacional, religiosa,
linguística ou outra. Ou seja: antes definiram alguns
direitos básicos das minorias, mas depois nunca chegaram
a definir, e na realidade acharam melhor não definir,
o que é uma "minoria", apenas para não causar
problemas diplomáticos e constrangimentos para determinados
governos membros da ONU, renomados desrespeitadores dos
direitos de suas minorias. Porque, recusando-se a definir
objetivamente o que é uma "minoria" - mas desde
já exluindo imigrantes, operários estrangeiros, refugiados,
ciganos, índios e outros - não há como a ONU exigir que
um governo qualquer cumpra as obrigações para com suas
"minorias", ou então condenar e menos ainda
punir um governo por causa dos maus tratos de suas minorias.
Naturalmente, em momento algum se falou e nem sequer se
pensou nas minorias ciganas.
Acrescenta-se,
a título de curiosidade, que a ONU também não considerou
"minorias étnicas" os povos indígenas americanos
e outros povos nativos, cuja situação é tratada especificamente
pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), na sua
Convenção 107 de 1957, sobre a Proteção e Integração de
Populações Indígenas e Tribais, atualizada em 1989 pela
Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais.
Nos
documentos da ONU, os ciganos aparecem pela primeira vez
em 1977, numa Resolução que exorta os países nos quais
vivem ciganos a garantir-lhes os mesmos direitos dos outros
cidadãos não-ciganos, e nada mais. Em 1979 a ONU reconhece
a União Romani Internacional como organização não-governamental
que representa os ciganos, dando-lhe status consultativo
em 1993.
Em
1992 a Comissão de Direitos Humanos da ONU divulga a Resolução
65 sobre “A proteção dos Rom”, na qual, em algumas poucas
linhas, solicita estudos sobre os ciganos e medidas para
eliminar a discriminação anti-cigana. E nada mais.
Em resumo: a
ONU nunca teve muito interesse em ciganos, nunca financiou
pesquisas sobre ciganos, e nunca publicou qualquer livro
sobre a perseguição e discriminação dos ciganos, na Europa,
no Brasil, ou em outra parte do Mundo.
4.
Os ciganos e o Conselho da Europa.
O Conselho da Europa (CE) foi criado em 1949 e
hoje (1999) são membros cerca de 40 países. É formado
por uma Comissão de Ministros, que são os ministros de
relações exteriores dos países membros, e uma Assembléia
Parlamentar, com deputados nomeados pelos parlamentos
dos países membros.
Até
hoje o CE divulgou umas 150 “Convenções” que tratam de
direitos humanos, questões sociais e econômicas, educação,
cultura, saúde, etc. A mais conhecida talvez seja a Convenção
Européia de Direitos Humanos de 1950. De 1995 é uma Convenção
sobre os Direitos das Minorias.
Além
de Convenções, o Conselho da Europa produz também Recomendações
e Resoluções. Porém, não se trata de documentos jurídicos
– como leis e decretos – que obrigam os países membros
a determinadas atitudes ou ações, mas cada país é livre
de adotá-las ou não. Ou seja, são apenas documentos com
boas intenções, muitas vezes (quase sempre) sem qualquer
efeito prático. Principalmente quando tratam de ciganos.
O
primeiro documento do Conselho da Europa que trata especificamente
de ciganos, e que por isso merece ser amplamente transcrito,
é a Recomendação 563 de 1969:
A
Assembléia,
1.
Constatando que a situação da população cigana na Europa
é gravemente afetada pelas mudanças rápidas da sociedade
moderna que privam os ciganos e outros nômades de numerosas
possibilidades para o exercício de suas profissões tradicionais,
e que agravam suas desvantagens em matéria de instrução
e de formação profissional;
2.
Convencida que uma integração da população cigana na moderna
sociedade européia se impõe e que esta integração
exige uma ação combinada dos governos membros do Conselho
da Europa;
3.
Profundamente alarmada com o fato de que, muitas vezes,
os esforços que visam melhorar esta situação têm malogrado
por causa de uma discriminação contra os ciganos, devida
ao fato de pertencerem a um grupo étnico particular e
incompatível com os ideais da Convenção Européia dos Direitos
do Homem e da Declaração dos Direitos do Homem das Nações
Unidas;
4.
Consciente que a falta de terrenos para acampamento ou
de casas com boas acomodações, como também de zonas
de trabalho, de instalações escolares e de possibilidades
de trabalho para os ciganos e outros nômades tem provocado
frequentes fricções entre as famílias dos nômades e a
população sedentária;
5.
Considerando que residências permanentes são, para os
ciganos e outros nômades, condições quase necessárias
para a aquisição de uma boa instrução e para a adaptação
à sociedade moderna;
6.
Considerando que a falta de instrução, devida principalmente
ao modo de vida itinerante dos ciganos e outros nômades,
tem efeitos futuros, além dos fatores puramente materiais
e financeiros, sobre sua vida e sobre o clima social,
efeitos que arriscam prejudicar a longo prazo sua integração
na moderna sociedade européia e sua aceitação
como cidadãos com direitos iguais ;
7.
Considerando que os programas destinados a melhorar a
situação dos ciganos devem ser elaborados em colaboração
e consulta com seus representantes;
8.
Recomenda ao Conselho dos Ministros de incitar os governos
membros:
(I)
a tomar todas as medidas necessárias para por
fim à discriminação, nas leis ou nas práticas administrativas,
contra os ciganos e outros nômades;
(II)
no mínimo, a incentivar ativamente a construção, pelas
autoridades competentes e em benefício dos ciganos e outros
nômades, de um número suficiente de terrenos de acampamento
munidos de instalações sanitárias, eletricidade, telefone,
prédios comunitários e equipamentos contra incêndio,
como também de zonas de trabalho e situados perto de
escolas e de aldeias ou de cidades;
(III)
a fazer com que, na medida do possível, as autoridades
locais forneçam casas às famílias dos nômades, sobretudo
nas regiões onde o clima torna os trailers impróprios
para a residência permanente;
(IV)
a estimular, já que não é possível frequentar as escolas
existentes, a criação, perto dos terrenos de acampamento
ou de outros lugares onde grupos de nômades se reunem
regularmente, de classes especialmente destinadas a suas
crianças, a fim de facilitar sua integração nas escolas
públicas, e a estabelecer uma ligação satisfatória entre
os programas escolares das crianças nômades e os programas
do Ensino de Segundo Grau ou de outras formas de instrução
mais avançadas.
(V) a criar ou a melhorar as possibilidades de
formação profissional dos ciganos e dos nômades adultos
visando melhorar suas atividades profissionais;
(VI) a apoiar a criação de órgãos nacionais com
a participação de representantes dos governos, das comunidades
ciganas e nômades, como também de organizações voluntárias
que defendem os interesses dos ciganos e de outros nômades,
e a consultar estes órgãos quando da preparação de medidas
que visam melhorar a situação dos ciganos e de outros
nômades;
(VII)
a adaptar a legislação nacional em vigor para fazer com
que os ciganos e outros nômades tenham os mesmos direitos
da população sedentária em matéria de seguridade social
e de cuidados médicos.
Os
'considerandos' iniciais sobre a problemática dos ciganos
na Europa são corretos e não há como negar que as posteriores
recomendações são bem intencionadas. Mas trata-se apenas
de recomendações que um governo aceita ou rejeita, e não
de ordens a serem cumpridas. Por isso entende-se que,
seis anos depois, foi constatado que pouca coisa tinha
mudado, o que levou o Conselho da Europa a editar a Resolução
(75)13, que acrescenta já alguns detalhes práticos.
A
Resolução (75)13 fala apenas de "nômades", e
não mais de "ciganos". Tradicionalmente os ciganos
têm sido considerados nômades, mas há muito tempo a maioria
absoluta dos ciganos é sedentária. Os índices de sedentarismo
variam de país para país, mas alguns autores estimam que
na Europa atual, o índice de sedentarismo cigano é em
torno de 80-90%. Enquanto isto, sabe-se que o número de
nômades (ou talvez melhor: viajantes ou itinerantes) não-ciganos
em alguns países da Europa Ocidental, há séculos e ainda
hoje, é superior ao número de nômades (viajantes ou itinerantes)
ciganos.
Portanto,
os autores da Resolução (75)13 podem até ter pensado em
ciganos, mas a resolução trata dos nômades em geral, sejam
eles ciganos ou não-ciganos, e não da maioria absoluta
dos ciganos sedentários. Ou seja, o problema não eram
os ciganos, mas os nômades, entre os quais, embora minoritariamente,
também ciganos. A Resolução (75)13 lembra as preocupações
expressas na já citada Recomendação 563 e recomenda aos
governos as seguintes medidas:
A
- Política
geral.
1.
Devem ser tomadas todas as medidas necessárias, no quadro
das legislações nacionais, para por um fim a todas as
formas de discriminação contra as populações nômades.
2.
Os preconceitos que formam a base de certos comportamentos
e atitudes discriminatórias contra as populações nômades
devem ser combatidos, notadamente por uma melhor informação
das populações sedentárias sobre as origens, os modos
de vida, as condições de existência e as aspirações das
populações nômades.
3.
A participação das populações nômades na elaboração e
a implementação das medidas que lhes dizem respeito
deve ser favorecida e exercida nas condições previstas
pela legislação nacional.
4.
O patrimônio e a identidade culturais das populações nômades
devem ser salvaguardados. (...)
B
- Estacionamento e alojamento:
1.
O estacionamento e a permanência dos nômades em terrenos
equipados de maneira a garantir normas satisfatórias
de segurança, higiene e bem-estar devem ser facilitados
e encorajados.
2.
Como regra geral, estes terrenos devem ser localizados
próximos a cidades ou, no mínimo, de maneira a oferecer
facilidades de acesso às comunicações, o abastecimento,
a frequência escolar das crianças, o exercício de atividades
profissionais e outros contatos sociais.
3.
A instalação de nômades que desejam sedentarizar-se, em
alojamentos apropriados, deve ser facilitada.
C
- Educação,
orientação e
treinamento profissional.
1.
A escolarização dos filhos de
nômades deve ser encorajada pelos métodos mais
apropriados e visando a integração destas crianças no
sistema escolar normal.
2.
Ao mesmo tempo, a educação geral dos adultos, inclusive
a alfabetização, deve ser favorecida, se necessário.
3.
Os nômades e seus filhos devem efetivamente poder beneficiar-se
das diferentes possibilidades existentes de orientação,
de formação ou de reformação profissional.
4.
Em matéria de orientação e de formação profissional, convém
levar ao máximo em conta as aptidões e inclinações inatas
destas populações.
D
- Ação sanitária
e social:
1.
A ajuda dada às pessoas nômades no quadro dos sistemas
nacionais de ação sanitária e social deve ser a mais
completa possível, em cooperação com os serviços médicos
e sociais de qualquer tipo.
2.
Quando necessário, convém informar os trabalhadores sociais
sobre os problemas das populações nômades et de promover
a formação de trabalhadores sociais originários de famílias
nômades.
3. As intervenções destes serviços devem ser concebidos
de maneira que possam permitir a estas populações de integrar-se
às organizações educativas, culturais, profissionais
e recreativas abertas para a população em geral.
E.
Seguridade social.
1. Medidas apropriadas devem ser tomadas para evitar
na medida do possível, que o modo de vida dos nômades
não tenha como consequência de impedir, na prática, que
eles se beneficiem das vantagens às quais legalmente têm
direito em matéria de seguridade social;
estas medidas devem visar, em particular, facilitar
o cumprimento das formalidades administrativas necessárias
para receber os benefícios da seguridade social.
2.
Os interessados devem ter acesso a uma informação apropriada
sobre seus direitos e deveres em matéria de seguridade
social e convém ajudá-los a utilizar os serviços ofertados.
Mais
uma vez não faltam nobres intenções pró-nômades! Mas outra
vez passaram-se seis anos, e pouca coisa melhorou para
os ciganos, conforme admite o próprio Conselho da Europa,
na Resolução 125 de 1981, na qual lamenta que na maioria
dos países membros as autoridades locais e reginais não
foram plenamente informadas sobre a Recomendação 563 e
a Resolução 75(13) e nada fizeram para melhorar a situação
dos nômades e dos ciganos. Por isso, mais uma vez segue
uma longa lista de considerandos e bem intencionadas recomendações,
nas quais os ciganos novamente são citados ao lado dos
assim chamados "viajantes" não-ciganos. Vejamos
o documento a partir do ‘considerando’ número 8:
"8.
Notando que alguns destes problemas são devidos ao fato
de que está ficando sempre mais difícil manter uma vida
nômade na moderna sociedade européia na qual a maioria
dos direitos e das obrigações dos cidadãos está ligada
à sua residência num lugar fixo e na qual o uso intensivo
da terra, especialmente nas áreas urbanas mas também nas
áreas rurais, deixa pouca oportunidade para espaços abertos
tradicionalmente usados pelos viajantes, enquanto ao
mesmo tempo a industrialização acabou com o valor de suas
habilidades tradicionais que não são mais suficientes
para ganhar seu sustento;
9.
Notando, por outro lado, que pessoas de origem nômade
que foram mais ou menos forçadas a sedentarizar-se tem
uma tendência de causar problemas devido à perda de sua
identidade cultural e social, que muitas vezes está ligada
ao modo de vida nômade, e são incapazes de adotar de um
dia para outro os padrões sociais e culturais dos habitantes
sedentários da comunidade;
10.
Convencida que progresso notável será alcançado somente
quando for possível persuadir a opinião pública de que
aos grupos minoritários - muitas vezes de origem étnica
diferente e com um modo de vida diferente - deve ser
reconhecido o direito de viver entre nós em pé de igualdade
e que eles têm os mesmos direitos e obrigações como outros
cidadãos............;
11.
Notando que somente realizações materiais não irão melhorar
a situação enquanto os preconceitos persistem, e que
combater estes preconceitos cabe em especial às autoridades
locais e regionais como também aos próprios viajantes,
que devem se esforçar para informar outras pessoas sobre
si mesmos, sobre sua identidade cultural e social e sobre
os problemas por eles enfrentados;
13.
Recomenda ao Conselho de Ministros:
IV.
Estudar a viabilidade de se criar, no quadro do Conselho
da Europa, um fundo de solidariedade afim de financiar
as medidas gerais de assistência aos nômades, inclusive
medidas a serem tomadas para a promoção de sua identidade
cultural. As contribuições dos Estados membros para este
fundo devem ser proporcionais à sua população e sua renda
per capita, independente do número de viajantes (e ciganos),
já que o problema deve ser considerado uma herança comum
européia. O fundo deve cobrir, em particular, os gastos
feitos pelas municipalidades e regiões.
VI.
estudar a viabilidade de se criar, no quadro do Conselho
da Europa, um centro de informação sobre viajantes, como
uma contribuição européia para a luta contra os preconceitos
e as discriminações e para compensá-los pelas injustiças
sofridas no passado;
este objetivo, evidentemente,
deve ser perseguido em contato estreito com os
nômades; o Centro deve providenciar informação não somente
para os próprios nômades, como também para as municipalidades
e regiões envolvidas.
14.
Exorta os governos dos Estados membros: II. a reconhecer
os Rom (ciganos) e outros grupos nômades específicos tais
como os Sami, como minorias étnicas e, consequentemente,
garantir-lhes o mesmo status e as vantagens desfrutadas
por outras minorias; em especial quanto ao respeito
e a manutenção de sua própria língua e cultura;
16.
Exorta as autoridades locais e regionais: I . a tomar
todas as medidas necessárias para providenciar facilidades
de acampamento e de habitação........ II. a criar, quando
possível, associações entre as municipalidades envolvidas,
a fim de providenciar o equipamento necessário de maneira
mais eficiente; III. a procurar a participação e a colaboração
dos próprios nômades nestas medidas e a permitir que
participem ativamente na administração das facilidades
providenciadas; IV. a ajudar a superação de preconceitos,
providenciando plena informação aos cidadãos sobre
as origens, modos e condições de vida e aspirações dos
nômades ou, melhor ainda,
apoiar plenamente os viajantes (e ciganos) quando
eles próprios organizam este tipo de informação.
17.
Exorta os próprios viajantes (e ciganos): I. a procurar
dar
às outras pessoas plena informação sobre sua própria
identidade cultural e social, sendo esta informação a
melhor garantia contra discriminação e preconceito;
II. a cooperar na busca de caminhos e meios para
sua adaptação às inevitáveis mudanças na sociedade moderna,
sem sacrificar sua identidade tradicional e seus valores;
III. a aceitar um mínimo necessário de constrangimentos
administrativos
necessários para que possam manter seu próprio
modo de vida
nômade na nossa sociedade moderna.
18. Solicita ao Conselho de Cooperação Cultural:
I. providenciar um estudo completo sobre problemas educacionais
e de treinamento profissional para nômades........ II.
preparar, como parte de seu trabalho sobre educação
intercultural, informação sobre dossiês para professores
da história, cultura e vida familiar de povos de origem
nômade nos Estados membros, semelhantes aos dossiês
informativos para professores de crianças de
imigrantes; III.
estudar a possibilidade de elaborar, se possível
em cooperação com a Unesco, um programa específico de
treinamento para professores visando habilitá-los ao ensino
da língua rom (cigana).
20.
Solicita à Secretaria Geral do Conselho da Europa:
III. tomar as medidas necessárias para a elaboração de
um mapa europeu de acampamentos abertos para viajantes
(e ciganos), indicando claramente as facilidades localmente
disponíveis, e com a finalidade de orientar não somente
os próprios viajantes (ciganos), mas também (as autoridades)
municipais e regionais.
Ninguém pode negar que este documento trata de
temas importantes a serem pensados e repensados, e se
possível colocados em prática, também em outros países
nos quais vivem minorias ciganas, inclusive no Brasil.
Saber se alguma recomendação tenha se tornado realidade,
já é mais difícil. Parece que pelo menos na área da educação
foram obtidos alguns resultados. Seja como for, em 1993
o Conselho da Europa acha necessário editar dois novos
documentos sobre os ciganos: a Recomendação 1203 e a Resolução
249.
No
início de 1993 o CE aprova a Recomendação 1201, que trata
amplamente dos direitos das minorias, a serem incluídos
na Convenção Européia de Direitos Humanos.
Este documento, no entanto, trata de ‘minorias
nacionais’, conceito inclusive bem definido logo no Artigo
1, e que excluiria as minorias ciganas.
As
organizações ciganas devem ter reclamado, porque logo
depois, em fevereiro, o CE aprova a Recomendação 1203
que reconhece também os ciganos como minoria: “Os ciganos
ocupam um lugar especial entre as minorias. Ao viverem
dispersos pela Europa toda, sem poderem reivindicar uma
nação própria, constituem uma autêntica minoria européia
....” , e informa que, embora os ciganos não sejam uma
minoria nacional no sentido tradicional da palavra, todos
os textos sobre os direitos das minorias também se aplicam
aos ciganos.
Seguem
depois 23 recomendações práticas no âmbito da cultura,
da educação, da informação e da igualdade de direitos,
além de algumas medidas gerais. No final solicita que,
no Conselho da Europa, seja nomeado um defensor público,
indicado pelas organizações que representam os ciganos,
e cuja função seria verificar se as recomendações do Conselho
estão sendo colocadas em prática, estabelecer contatos
com os representantes dos ciganos, aconselhar os governos
em assuntos ciganos, aconselhar os diversos órgãos do
Conselho sobre assuntos ciganos, investigar as políticas
governamentais e as violações aos direitos ciganos, além
de investigar a situação dos ciganos apátridas ou de nacionalidade
indeterminada.
Em
março de 1993, a Resolução 249 convide mais uma vez as
autoridades locais e regionais: (1) a tomar todas as medidas
necessárias para facilitar a integração dos Rom / Ciganos
na comunidade local, providenciando habitação, áreas de
estacionamento, educação, saúde, respeitando-se sua identidade
e sua cultura; (2) promover a participação dos Rom / Ciganos
nos projetos que visam esta integração; (3) facilitar
e promover a comunicação entre ciganos e gadjé [nome genérico que os ciganos dão a todos os não-ciganos]
através da informação global sobre os preconceitos de
que os Rom / Ciganos são vítimas.
Seguem
ainda umas duas dezenas de outras recomendações. No final
solicita-se aos ciganos que dêem informações objetivas
sobre sua identidade cultural e social, que respeitem
as leis do país em que se encontram a fim de melhorar
as relações com os gadjé
e reduzir os conflitos interétnicos, que procurem cooperar
com as autoridades locais e, finalmente, que criem uma
associação européia que representa as comunidades ciganas
junto aos governos e instituições européias. Estas recomendações
fazem supor que, no fundo, os autores da Resolução 249
consideram, pelo menos em parte, os próprios ciganos culpados
pela situação deplorável em que se encontram.
Os
documentos acima citados – e vários outros não citados
- provam que nos países membros do Conselho da Europa
existe uma grande preocupação com os direitos ciganos
e interêsse na melhoria de suas condições de vida. O Conselho
da Europa, inclusive, edita livros e uma revista sobre
os ciganos na Europa.
Por outro lado, também deve ser reconhecido que até hoje
suas bem intencionadas Recomendações e Resoluções surtiram
poucos efeitos práticos.
5. Os ciganos e a União Européia.
A
Comunidade Econômica Européia foi fundada em 1957 por
seis países: Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Itália
e Luxemburgo, aos quais depois se juntaram Dinamarca,
Irlanda e o Reino Unido (1973), Grécia (1981), Espanha
e Portugal (1986), e Austria, Finländia e Suécia (1995).
A partir de 1993 passou a ser chamada União Européia,
fazendo hoje parte dela os quinze países acima citados.
Vários outros paises já solicitaram seu ingresso na UE,
que deve continuar a crescer também no futuro.
Embora
existam vários documentos da União Européia sobre racismo
e xenofobia, e sobre “nômades” e “minorias” em geral,
pouca atenção tem sido dada aos ciganos. Nos 28 documentos
normativos sobre racismo e xenofobia publicados pela União
Européia entre 1986 e 1996, apenas dois mencionam rapidamente
os ciganos. O primeiro, de 1991, solicita “programas de
ação específicos para os ciganos e outras comunidades
itinerantes” , lembra a existência de outro documento
sobre a educação de crianças ciganas e nômades, e solicita
respeito pela forma de vida tradicional dos ciganos e
outras comunidades nômades. O segundo, de 1995, comemorando
o Holocausto, lembra “o holocausto
dos judeus e o genocídio
dos ciganos” (grifos nossos). E nada mais.
Um
dos poucos documentos mais amplos da União Européia é
a Resolução sobre a Situação dos Ciganos na UE, de abril
de 1994, que repete muitos temas já vistos antes nos documentos
do Conselho da Europa, mas acrescenta algumas novidades
bem mais radicais, pelo menos no campo político. A Resolução
informa, por exemplo, que "o povo Rom constitue uma
das maiores minorias na União Européia" e recomenda
aos governos membros que, na Convenção Européia sobre
Direitos Humanos, os ciganos explicitamente sejam reconhecidos
como minorias, um status lhes negado em muitos países
da UE. Os ciganos devem ter ainda o direito de viajar
livremente por todos os países da UE, como qualquer outro
cidadão da UE.
A
Resolução reconhece que em muitos países da Europa Central
e Oriental os ciganos são perseguidos, e que portanto
merecem ser tratados como refugiados, pelo que condena
a política de repatriação compulsória praticada por alguns
governos membros
- em especial a Alemanha e a França, embora não
sejam citadas nominalmente - que tratam os ciganos como
objetos e os revendem aos seus países de origem. Um recado
direto para o governo alemão que pagou centenas de milhões
de marcos para repatriar dezenas de milhares de ciganos
romenos, (ex-)iugoslavos e outros para seus (supostos)
países de origem. Para isto não hesitou em separar famílias
inteiras, por exemplo, enviando o pai para a Macedônia
(porque nasceu na Macedónia), a mãe para a Bósnia (porque
nasceu na Bósnia), três filhos para a Sérvia (porque nasceram
na Sérvia) e duas filhas para a Albânia (porque nasceram
na Albânia). Qualquer semelhança com as antigas práticas
nazistas (não) é mera coincidência. O governo francês
preferiu pagar diretamente aos ciganos para voltar aos
seus países de origem.
Logo
a seguir a Resolução solicita aos países membros não expulsar
ciganos que fugiram da Romênia e da ex-Iugoslávia mas,
ao contrário disto, facilitar a sua entrada nos países
membros.
O
governo alemão, por sinal, não deve ter ficado nada contente,
porque a Resolução solicita também que a Alemanha indenize
"quaisquer ciganos e suas famílias vítimas da perseguição
nazista", algo que, ao contrário de muitos judeus,
até hoje só alguns poucos ciganos conseguiram. E no final
recomenda aos ciganos a criação de uma organização cigana
a nível europeu, e solicita aos governos membros dar apoio
financeiro a esta organização.
Em
maio de 1994 realizou-se em Sevilha, Espanha, com muita
pompa e circunstância, o I Congresso Cigano da União Européia,
que tratou principalmente de política educacional, política
social, liberdades públicas e minorias.
O mais importante talvez não sejam nem todas estas
recomendações, mas o fato de a problemática cigana, finalmente,
ter sido amplamente discutida também no Parlamento Europeu,
com 626 deputados eleitos nos países membros, um deles
o cigano espanhol Juan de Dios Ramírez-Heredia. Porém,
enquanto permanecer esta mentalidade burocrática e diplomática,
com belos discursos e documentos oficiais produzidos por
pessoas talvez até bem intencionadas, mas que provavelmente
nunca apertaram a mão de um cigano e não sabem absolutamente
nada sobre os problemas práticos enfrentados diariamente
pelas minorias ciganas, e enquanto tudo ficar apenas na
base de recomendações e convites às autoridades locais,
regionais ou nacionais, e não de ordens seguidas de sanções
contra os infratores, os ciganos obviamente não podem
esperar muitos resultados positivos, já que tudo depende
da boa ou má vontade da população local e de seus representantes
políticos, na quase totalidade dos casos declaradamente
e comprovadamente anti-ciganos.
6.
O Movimento Cigano: direitos e reivindicações.
Após a II Guerra Mundial surgiram na Europa várias
organizações ciganas, nacionais e internacionais. Algumas
destas organizações tiveram vida curta; outras eram ou
são compostas por apenas meia dúzia de ciganos e nenhuma
delas - por mais belas que sejam suas auto-denominações
- chegou até hoje a representar, de fato, todos os ciganos
de um determinado país, e menos ainda todos os ciganos
do Mundo.
Na Alemanha existem organizações ciganas pelo menos
desde 1952 quando foi fundada a Associação
dos Sinti na Alemanha, depois chamada Associação
dos Sinti Alemães. A mudança de nome não foi apenas
um capricho momentâneo qualquer, mas significa que os
Sinti (e outros ciganos) residindo na Alemanha, até então
muitas vezes considerados 'apátridas', ou seja pessoas
sem nacionalidade alguma (inúmeros ciganos perderam seus
documentos de identidade ou de nacionalidade durante a
II Guerra Mundial), e portanto "não-cidadãos",
e como tais sem direitos de qualquer espécie, queriam
ser reconhecidos e tratados como cidadãos alemães, e com
os mesmos direitos destes. Na década de 80, várias associações
regionais se uniram no Conselho
Central dos Sinti e Roma, e depois também na União dos Sinti e Rom.
Na
França surge a Associação
dos Ciganos da França (1962), a Organização
Nacional Cigana da França (1968), a
União dos Ciganos e Viajantes da França (1980), a
Federação Cigana
da França (1981), o Movimento
Federal Cigano (1992), além de outras mais.
Na
Holanda foram fundadas, a partir de 1978, nada menos do
que sete organizações ciganas (antes existiram ainda outras).
No entanto, segundo Hovens, em geral eram pequenas organizações
de uma pessoa ou uma família só, sem aceitação pelos ciganos
em geral, nem sequer a nível local, e menos ainda a nível
regional ou nacional. Em resumo: na prática não existe
uma organização que representa e fala em nome de todos
os ciganos holandeses. Muitas vezes os direitos reclamados
por determinada pessoa ou família não correspondem ao
que os outros ciganos desejam.
Também
em outros países da Europa nasceram inúmeras organizações
ciganas, mas sua importância, na maioria das vezes, foi
(e continua sendo) praticamente nula. Segundo estimativa
de Liégeois, existiam em 1993 na Europa cerca de mil organizações
políticas e culturais ciganas.
Portanto, não faltava quantidade, mas apenas qualidade.
Crowe calcula que depois de 1991 surgiram quase mil organizações
ciganas somente na Hungria, duzentas das quais registradas
oficialmente, mas a maioria não tinha mais do que dois
ou três membros e foi fundada somente para receber verbas
governamentais.
O mesmo vale para inúmeras outras organizações ciganas
(muitas vezes pseudo-ciganas) em outros países.
Os
problemas enfrentados por estas organizações não são poucos.
Em primeiro lugar existe a enorme diversidade linguística
que torna uma efetiva comunicação nacional ou internacional
entre os ciganos praticamente impossível. Mesmo a nível
nacional muitas vezes são falados vários dialetos ciganos
diferentes. Não é sem motivo que os intelectuais ciganos
estão preocupados com a unificação das inúmeras línguas
e dialetos ciganos, através da criação de um romani
estandardizado, uma espécie de "língua geral"
cigana.
Em
segundo lugar há a enorme variedade de problemas, aspirações
e interesses familiares, locais, regionais ou nacionais:
o que uma família ou grupo, ou os ciganos de determinado
país podem achar importante, pode não ter o mínimo interesse
para os outros, e os problemas de um não precisam ser,
e quase nunca são, também os problemas dos outros.
Acrescenta-se,
em terceiro lugar, que as estruturas políticas ciganas
ainda são inadequadas para este tipo de organização, que
sempre significa mudanças na cultura tradicional. As lideranças
ciganas sempre foram a nível familial ou grupal e nunca
tiveram uma organização política a nível regional, nacional,
e menos ainda internacional. Mesmo os folclóricos auto-proclamados
“reis” ciganos, que de vez em quando ainda teimam em aparecer,
nunca tiveram poder real algum e só costumam ser levados
a sério apenas pelos gadjé,
mas nunca pelos próprios ciganos. Os atuais novos líderes
ciganos, geralmente intelectuais com títulos universitários
ou até professores universitários, que se comunicam com
o Mundo cigano e não-cigano publicando artigos e livros,
ou através da Internet, constituem uma ameaça para os
líderes tradicionais, geralmente idosos analfabetos, pelo
que será comum estes novos e jovens líderes serem acusados
de trairem as ‘tradições’ ciganas.
Em
quarto lugar, conflitos internos ainda podem surgir, e
na realidade, sempre surgem, quando estas organizações
passam a receber recursos financeiros de entidades não-ciganas
civis, religiosas ou governamentais; acusações de apropriação
indevida ou de corrupção serão quase inevitáveis.
E
para terminar esta lista, em quinto lugar há o problema
universal e não exclusivamente cigano, de rivalidades,
ciúmes e competição entre as lideranças, conforme testemunha
o professor universitário cigano Hancock: “Já se disse
mais de uma vez que o maior problema é falta de gente
suficientemente educada entre nós para organizar as coisas.
Isso não é verdade; existem, sem dúvida, suficientes roma
educados e preocupados para realizar a tarefa. O problema
é [que] por alguma razão [somos levados] a querer atrapalhar
em vez de ajudar aqueles de nós que estão progredindo.
Como caranguejos dentro de um balde, quando alguém tenta
subir para fora, os outros o agarram e puxam para baixo”.
Apesar
de todas estas dificuldades práticas, financeiras, ideológicas
e outras, surgiram organizações ciganas também a nível
internacional. No início da década de 60 existia, em Paris,
a Comunidade Mundial
Cigana que, entre outras coisas, estava empenhada
em obter do governo alemão indenizações por perdas e danos
durante a II Guerra Mundial. A organização foi sumariamente
extinta e proibida pelo general e então presidente De
Gaulle que na época estava mais interessado numa reaproximação
com o governo alemão do que em reparar injustiças e atrocidades
cometidas contra os ciganos pelos alemães, e por sinal
também pelos próprios franceses, durante a II Guerra Mundial.
Apesar disto, já em 1965 foi criado, também em Paris,
o Comité Internacional
Cigano.
Em
1971 é realizado, em Londres, o Primeiro
Congresso Mundial Romani, com delegados de quatorze
países. Neste Congresso, o termo genérico cigano
é rejeitado e passa a ser substituído pelo termo Rom (adjetivo: romani).
E assim, o Comité
Internacional Cigano passa a partir de então a denominar-se
Comité Internacional
Rom; outras organizações nacionais e internacionais
seguem o exemplo. Além de uma bandeira [duas faixas horizontais
de tamanho igual, em cima azul (simbolizando o céu), em
baixo verde (simbolizando a terra), com uma roda de carroça
no meio (simbolizando o nomadismo)] e um hino internacional,
são criadas cinco comissões: de assuntos sociais, educação,
crimes de guerra, lingua e cultura.
O Segundo
Congresso Mundial Romani foi realizado em 1978, em
Genebra, com representantes de 26 países. Este Congresso
contou até com a presença de políticos da Índia, a partir
de então simbolicamente reconhecida como ‘a pátria-mãe’
de todos os Rom. Neste congresso é criada a União
Romani (atualmente União
Romani Internacional) que em 1979 é reconhecida como
organização não-governamental, hoje com estatuto consultativo
na Organização das Nações Unidas.
O
Terceiro Congresso foi realizado em Gottingen, Alemanha, em 1981,
com cerca de 300 delegados de 22 países, e o
Quarto Congresso em Serok, perto de Varsóvia, Polônia,
em 1990, com cerca de 250 delegados de 24 países.
Infelizmente não temos informações sobre o que foi discutido,
planejado e resolvido nestes congressos ciganos internacionais.
No
entanto, um importante documento trata amplamente de reivindicações
e direitos dos Rom europeus. Trata-se da Ata do Congresso
Internacional sobre Políticas Regionais e Locais Ciganas,
realizado em Roma, em 1991, intitulada "Estratégias
políticas para os Rom e Viajantes a nível mundial nos
anos 90", que será amplamente transcrita a seguir.
Inicialmente este documento apresenta algumas considerações
sobre direitos em geral'.
"Todas
as estratégias políticas dos rom têm de combinar: (1)
a abordagem dos direitos humanos; (2) a abordagem dos
direitos das minorias; (3) a abordagem do movimento
social e do desenvolvimento comunitário. Embora estreitamente
interrelacionadas, cada uma destas abordagens requer
atitudes distintas, técnicas de ação e diferentes redes
de alianças, que podem ser promovidas em conjunto ou
em separado por entidades governamentais, organizações
não-governamentais e por comunidades e associações rom.
A
ABORDAGEM DOS DIREITOS HUMANOS promovida pela União Romani
e pelas associações nacionais rom, combina a documentação,
caso a caso, de violações dos direitos humanos dos rom
com a atuação na defesa dos seus direitos civis e políticos,
a par dos direitos dos cidadãos dos territórios onde os
rom vivem. O direito ao nomadismo, por exemplo, é um direito
humano e não um direito étnico.
Todos
os programas e projetos respeitantes aos rom nos contextos
concretos, nacionais ou locais, têm de ser baseados,
de forma explícita, em leis e padrões internacionalmente
aceitos para os direitos humanos e liberdades básicas,
e conduzidos de forma cautelosa pelas autoridades locais
e nacionais, pelas ONG's (Organizações Não-Governamentais)
e pelas próprias associações e comunidades rom.
A
luta contra o racismo e a discriminação dos rom tem hoje
uma base política e legal mais específica definida por:
(a) a Resolução n.21 adotada pela 43.sessão (agosto de
1991) da ONU, Subcomissão para a Prevenção da Discriminação
e Proteção das Minorias; (b) o Artigo 40 do Documento
Final do Encontro de Copenhague, de junho de 1990, Conferência
sobre a Dimensão Humana, da Conferência de Segurança e
Cooperação na Europa (CSCE); (c) a recomendação referente
à solução dos problemas específicos dos rom incluída no
Relatório da Reunião dos Especialistas das Minorias Nacionais
da CSCE, de julho de 1991.
De
acordo com os compromissos assumidos pelos governos signatários
destes documentos, a administração da justiça não deve
ser discriminatória. Se não existir ainda legislação
específica contra a discriminação e a violência étnica
e racial, ela terá de ser adotada. Nesta questão pode
ser solicitada ajuda ao Centro dos Direitos Humanos das
Nações Unidas, ao Conselho da Europa e a outras organizações
que acumularam experiência na luta contra o racismo,
a segregação e a discriminação.
Devemos
consolidar e expandir a rede de cooperação entre as associações
rom e não rom de defensores dos direitos humanos, de especialistas
em organizações oficiais e/ou acadêmicas e de simpatizantes.
A comissão de Helsínquia da União Romani tem de desempenhar
um papel mais ativo neste contexto.
A
ABORDAGEM DOS DIREITOS DAS MINORIAS tem de examinar o
sentido para as comunidades e para o povo rom dos debates
frequentes sobre o estatuto das minorias no mundo e,
em especial, na Europa. Uma política tendente à promoção
étnica e da identidade cultural dos rom tem de ser posta
de forma adequada com as especificidades das comunidades
rom, com as suas próprias dinâmicas internas e com a
sua articulação e interação nos variados contextos culturais
e sociais do lugar onde vivem. (...)
A
aceitação da diversidade dos grupos rom é um requisito
prévio de qualquer política acertada, a ser adotada
nos casos locais e regionais, e das estratégias políticas
das próprias associações rom.
Um
programa de trabalhos específicos para a abordagem dos
direitos das minorias incluirá problemas como os direitos
dos rom a uma residência legal, à cidadania dos países
onde vivem e à proteção de sua própria identidade cultural
contra todas as formas de racismo, e os direitos à educação
e às atividades
culturais nos dialetos rom para a representação
coletiva, pública, política, etc. O quadro específico,
teórico e legal, para a promoção dos direitos das minorias
relativos aos rom há de modificar-se de acordo com as
especificidades políticas e sócio-culturais dos países
onde vivem os rom e de acordo com as variantes das suas
próprias comunidades.
O
fato de os rom não corresponderem ao tipo "padrão"
das minorias "nacionais" ou "históricas"
tem contribuído para a negligência, discriminação e perseguição
que os tem acompanhado há muito tempo. Do mesmo modo,
e de certa forma em paralelo com as realidades da variação
cultural e da diferenciação dos rom dentro e entre as
fronteiras dos países, os rom em toda parte, ou pelo
menos os que são dados à política, exprimem crescentemente
o sentimento de que são um só e distinto povo que partilha
traços culturais comuns e perenes, modelos similares
de interação com os ambientes multiculturais e problemas
comuns, resultantes da expansão de atitudes preconceituosas
contra os ciganos, hostilidade étnica, rejeição, ódio
racial e violência. (...)".
A
seguir são discutidos vários direitos específicos, destacando-se
os direitos culturais, os direitos linguísticos e os direitos
educacionais.
7.
Direitos culturais.
A Declaração Universal dos Direitos dos Povos,
de 1976, dedica uma seção ao "Direito à Cultura",
na qual afirma: "Art. 13 - Todo povo tem o direito
de falar sua língua, de preservar e desenvolver sua cultura,
contribuindo assim para o enriquecimento da cultura da
humanidade. Art. 14 - Todo povo tem direito às suas riquezas
artísticas, históricas e culturais. Art. 15 - Todo povo
tem direito a que se não lhe imponha uma cultura estrangeira".
Também
a Conferência sobre a Segurança e Cooperação na Europa,
em 1990, assim se pronunciou a respeito do assunto:
32. Pertencer a uma minoria nacional é assunto de escolha pessoal,
e esta escolha não pode resultar em danos. As pessoas
pertencentes a uma minoria nacional têm o direito de
de expressar, de preservar e de desenvolver em plena liberdade
sua identidade étnica, cultural, linguística ou religiosa,
e de manter e desenvolver sua cultura sob todas as formas,
salvos de qualquer tentativa de assimilação contra sua
vontade. Em particular, elas têm o direito de:
32.1.
Utilizar livremente sua língua materna, na vida privada
como também em público.
32.2.
Criar e manter suas próprias instituições, organizações
ou associações educativas, culturais e religiosas,
podendo solicitar ajudas financeiras sobretudo lucrativas,
e outras contribuições, inclusive ajuda pública, conforme
a legislação de cada país.
32.3.
Professar e praticar sua religião, inclusive possuir
e utilizar objetos religiosos, como também ministrar
ensino religioso em sua língua materna.
32.4.
Estabelecer e manter contatos entre si no seu país, como
também manter contatos extra-fronteiras com cidadãos
de outros Estados (da Comunidade Europeia), que têm em
comum uma origem étnica ou nacional, um patrimônio cultural
ou crenças religiosas.
32.5.
Corresponder e trocar informações
na sua língua materna e ter acesso a estas informações.
32.6. Criar e manter organizações ou associações
no seu país e participar de atividades de organizações
não-governamentais internacionais. (....)
33.
Os Estados participantes protegerão a identidade étnica,
cultural, linguística e religiosa das minorias nacionais
que vivem em seu território e criarão as condições necessárias
para promover esta identidade. Eles tomarão as medidas
necessárias a este respeito, após ter realizado as consultas
apropriadas, e especialmente após terem entrado em contato
com as organizações ou associações destas minorias, conforme
os processos de decisão de cada Estado. Estas medidas
deverão ser em conformidade com os princípios de igualdade
e de não-discriminação com respeito aos outros cidadãos
do Estado participante em questão.
Mais práticas são as medidas propostas pelos Rom
no Congresso Internacional sobre Políticas Ciganas, em
1991:
"A
única possibilidade de superar, desde já, a atitude hostil
da população maioritária para com os Rom e os Sinti passa
por uma informação imediata e objetiva que deve salientar
não apenas os aspectos negativos do seu modo de vida,
como sucede com frequência, mas sobretudo as origens,
a história, a cultura e as tradições deste povo.
Afim
de serem superados os problemas que inevitavelmente irão
surgir, é condição necessária considerar a cultura dos
Rom e dos Sinti igual à cultura de cada um dos outros
povos. Para realizar este desiderato é preciso:
1.
recolher o máximo possível da tradição oral popular e
conservá-lo, quer seja em forma literária quer seja em
quaisquer das outras formas existentes. Destaque para
contos, provérbios, fábulas, canções, poesia e música;
2.
criar um arquivo e um centro de documentação informativo
dos materiais relativos a todos os aspectos da cultura
e da história dos Rom e dos Sinti;
3.
promover condições sociais e medidas políticas para que
os Rom e Sinti possam proclamar livremente a sua identidade
e diversidade étnico-cultural e desenvolver a sua cultura
específica para poderem exprimi-la de forma concreta;
4.
possibilitar a inserção da cultura dos Rom e dos Sinti
no âmbito da cultura maioritária superando o particularismo
familiar onde se encontra hoje, utilizando para tanto
a rádio, a televisão, jornais, livros, música e espetáculos,
e se possível também a língua cigana;
5.
difundir conhecimentos sobre a história e a cultura dos
Rom e dos Sinti em todos os níveis a partir da escola;
6. promover a criação de associações e organismos
culturais ciganos, reconhecidos a nível local, nacional
e internacional, com os financiamentos apropriados;
7.
inserir os programas das organizações Rom e Sinti nos
programas da
UNESCO, em pé de igualdade com outras organizações, inclusive
quanto ao financiamento.
Na Terra há lugar para todos. Nenhum povo tem o
direito de oprimir e discriminar um outro apenas porque
este é diferente e vive em diáspora contínua. A única
possibilidade para uma convivência melhor consiste no
respeito recíproco de um pelo outro e, acima de tudo,
pelas tradições culturais que cada povo tem o direito
de conservar e desenvolver. Este princípio está, entre
outros, consignado na Declaração Universal dos Direitos
Humanos".
A
sociedade majoritária, no entanto, só pode desenvolver
respeito pela cultura daa minorias ciganas se conhecer
os valores e as manifestações culturais ciganas. Mesmo
na Europa são escassas monografias detalhadas e confiáveis
sobre as culturas ciganas, escritas por antropólogos ou
outros cientistas sociais, ciganos ou não-ciganos. No
Brasil, então, são praticamente inexistentes.
Em
parte isto é devido às dificuldades peculiares de pesquisa
de campo entre povos nômades, mas hoje, quando muito,
só uns 10% dos ciganos ainda são nômades, inclusive no
Brasil, e em boa parte também à falta de cooperação por
parte dos próprios ciganos que, por motivos diversos,
não costumam ser muito generosos quando se trata de fornecer
informações sobre o seu modo de vida. É por este motivo
que o Conselho da Europa, na Resolução 125/1981, exorta
os ciganos “I – a procurar dar às outras pessoas plena
informação sobre sua própria identidade cultural e social,
sendo esta informação a melhor garantia contra discriminação
e preconceito; II – a
cooperar na busca de caminhos e meios para sua
adaptação às inevitáveis mudanças na sociedade moderna,
sem sacrificar sua identidade tradicional e seus valores”.
Seria
ideal se os ciganos brasileiros fizessem a mesma coisa,
mas não é o que costuma acontecer. No Brasil, a cigana
Aristicth reconhece que
“algumas
vezes, fomos injustiçados; porém admito que esta culpa
cabe somente a nós. Se nossos ancestrais tivessem tido
a preocupação de informar e esclarecer as pessoas quanto
aos nossos hábitos e costumes e que não pretendíamos agredir
ninguém com a nossa maneira de ser, certamente muitas
destas injustiças não teriam ocorrido". Mais adiante,
no entanto, a autora está a favor de não revelar costumes
ciganos a estranhos e afirma que: "É inadmissível
que um não-cigano venha a conhecer mais as nossas tradições,
hábitos e costumes do que nós mesmos".
Ou
seja, a kalderash Aristicth é declaradamente contrária
a pesquisas realizadas por gadjé
não-ciganos, incluindo antropólogos. Derrubar estas e
outras barreiras que os ciganos, em defesa própria, no
decorrer dos séculos e ainda hoje, levantaram entre si
e a sociedade dominante, e que inclue o seu mutismo quando
se trata de informar sobre sua cultura,
seus valores culturais e sua língua, não é tarefa
fácil, mas também não é tarefa impossível.
8.
Direitos linguísticos.
O direito de falar uma língua própria é reconhecido
em muitos documentos internacionais e em praticamente
todas as constituições nacionais modernas. Se existem
países que proibem seus cidadãos de falarem línguas ou
dialetos diferentes da língua nacional oficial, serão
poucos. De qualquer modo, não há como proibir o uso de
línguas e dialetos diferentes e não-oficiais no uso diário,
em casa ou na rua. Por isso, hoje em todos os países europeus
os ciganos podem falar livremente suas línguas e seus
dialetos, em casa ou na rua, embora o ensino nas escolas
seja nas respectivas línguas nacionais, tanto na Europa
Ocidental quanto na Europa Oriental.
Na
Europa existem dezenas de línguas e centenas de dialetos
diferentes. Alguns países têm até mais de uma língua oficial.
E esta enorme diversidade linguística contaminou também
as línguas e os dialetos ciganos, que hoje são inúmeros.
Vejamos
a seguir algumas das conclusões
e reivindicações do já citado Congresso Internacional
sobre Políticas Ciganas e que são suficientemente claras
quanto à importância da realização de estudos linguísticos:
"A
língua é a expressão mais evidente da identidade de um
povo. Ainda que minoritária, toda etnia tem o direito
de exprimir , conservar e desenvolver a sua própria língua.
A perda da língua significa a perda da identidade cultural
de um povo. Os grupos maioritários tem a responsabilidade
e o dever moral de assegurar que este direito seja reconhecido
para todos e posto em prática de maneira concreta. Isto
não é somente uma questão de proteção dos direitos de
minorias, mas um meio de incrementar o respeito mútuo
e o diálogo, afim de evitar qualquer forma de conflito
social e cultural. Tudo isto serve, sobretudo, para enriquecer
o patrimônio cultural de cada comunidade.
Se
a língua é expressão da cultura de um povo, quando uma
língua não é considerada igual em dignidade à língua
maioritária de um país, persistirá a impossibilidade
de aquela cultura comunicar os seus valores positivos,
ficando assim favorecida a recusa racista. O caso dos
Rom é um exemplo que demonstra a validade desta lei social
geral.
Pelas
razões expostas a língua romani reclama o seu direito
de ser respeitada em pé de igualdade com todas as outras
línguas do mundo, julgando-se necessário para concretizar
este direito que seja favorecido o seu desenvolvimento
por todos os meios tendo na devida conta as condições
atuais do seu uso.
Estes
dois propósitos devem ser perseguidos segundo as condições
particulares de cada país, tendo em conta a situação
real dos Rom.
O
primeiro objetivo é fortalecer as diversas variantes étnicas
da língua romani, como o kalderari, o lovari, o romani
eslovaco, etc. através de uma elaboração programática
da língua e pelo seu uso numa gama sempre mais vasta de
funções sociais.
O
segundo objetivo é a criação gradual de uma língua padronizada
que possa servir como meio de comunicação para todos os
Rom do mundo, encontrando os meios adequados a sua difusão.
Ambos os propósitos não são contraditórios, mas complementares
e podem se desenvolver
em linhas paralelas.
Com
efeito, a língua romani apesar de ter uma longa história
que lhe permite remontar às suas origens indianas, foi
até há pouco tempo uma língua essencialmente oral, privada
de uma forma literária. Todavia, atalmente sempre mais
intelectuais rom e sinti sentem a necessidade de se exprimir
na língua romani, também por escrito.
Devido
a exigências literárias estes intelectuais, em geral,
optaram espontaneamente pelo uso do seu próprio dialeto.
Porém, por causa dos contatos internacionais mais frequentes
e amplos, vai-se
sentindo cada vez mais a necessidade e o interesse de
haver uma língua unitária de intercomunicação. A concretização
destes dois objetivos poderá realizar-se da seguinte
forma:
1.
Desenvolvimento das variedades étnicas, como um objetivo
em si mesmo, um meio para a criação gradual de uma língua
padrão:
a) Investigação: - estudo e catalogação dos dialetos
de cada país e a elaboração de um mapa dos dialetos romani,
sem levar em conta as fronteiras dos Estados; - coleta
do maior número possível de textos de todos os gêneros
já publicados (narrações, biografias, literatura, folclore,
dados linguísticos, etc.); - análise dos materiais obtidos.
Nota: este material tem uma importância fundamental não
só por motivos teóricos, mas também por poder servir
para fins didáticos e culturais. Nele se conserva a herança
cultural dos Rom sendo o ponto de partida para todo o
desenvolvimento futuro.
b)
Educação: - elaboração de livros de textos, de material
audiovisual e outros instrumentos educativos em língua
romani; - tentativa de uso da língua romani nas escolas
de primeiro grau, pelo menos como um meio auxiliar de
ensino; a língua romani como matéria facultativa; disciplinas
de estudos romani nas Universidades.
c)
Cultura: - acesso aos meios de comunicação; - publicação
de jornais, revistas, livros, etc.
2. Padronização da língua: - formação de uma comissão
de especialistas de vários países; - promoção da língua
padrão numa área mais ampla; - publicação de textos na
língua padrão (Boletim da União Romani, etc.) e de textos
bilingues (padrão-variante étnica), em revistas literárias,
na Enciclopédia Romani, etc.; - seminários de estudo de
Verão.
É indubitável que hoje existem cientistas ciganos
com títulos universitários, ou ensinando em universidades,
entre os quais também renomados linguistas. Por outro
lado sabe-se que a diversidade linguística entre os ciganos
é enorme, e muitas vezes num mesmo país são faladas dezenas
de dialetos ciganos. Na Bulgária, por exemplo, são falados
cerca de 50 dialetos romani.
Acrescenta-se a isto que, até há pouco tempo, praticamente
nada existia escrita e publicada em línguas ciganas. Livros,
jornais e revistas em romani
são um fenômeno muito recente e seus editores costumam
enfrentar as mais diversas dificulades.
Daí a necessidade da participação também de linguistas
não-ciganos. Mais uma vez, no entanto, os linguistas -
ciganos e não-ciganos - têm que enfrentar o mutismo, ou
até a aberta hostilidade dos tradicionalistas que quase
sempre ignoram as políticas linguísticas do movimento
cigano internacional. Como representante tradicionalista
pode ser citada, mais uma vez, a cigana brasileira Aristicht:
"Por
ser uma língua sem escrita (ágrafa), é passada de pais
para filhos, e esse direito é só nosso. Por isso, é extremamente
proibido ensinar o nosso idioma para pessoas não-ciganas.
Todo cigano autêntico conhece esta proibição" ....
"Estudiosos e até mesmo ciganos "ou pessoas
que se dizem de origem cigana" escreveram dicionários
do nosso idioma. O que me causa espanto é que estas pessoas
demonstraram não ter qualquer conhecimento de causa, pois,
se o tivessem, não o fariam. Mal sabem eles que
puseram em risco nossa segurança e até mesmo nossa sobrevivência.
Se pessoas não-ciganas aprenderem nosso idioma, como poderemos
identificar os verdadeiros ciganos? Pesquisaram ou se
informaram se nós estaríamos de acordo? Não! Simplesmente
apossaram-se da nossa cultura como se fossem os donos.
(...) Gostaríamos de informar aos desavisados e aos que,
por pura vaidade pessoal o fazem, que não publiquem "novos
dicionários". Digo e afirmo, não somente em meu nome,
mas em nome do povo cigano, que não queremos e nem é do
nosso interesse ter o nosso idioma popularizado"
.
A cigana brasileira – certamente sem saber, ou
ter como saber, o que se passa atualmente na Europa e
no Mundo - está remando na contra-mão da História, publicando
idéias totalmente contrárias às dos intelectuais e líderes
ciganos reunidos no já citado Congresso de 1991:
“Os
três grupos de trabalho (língua, cultura e escola, reunidos
conjuntamente) reconhecem que a língua é um ponto focal
de encontro e interesse comum que é, de certo modo, prioritário.
(...) Na verdade, todos estão de acordo sobre a necessidade
de se chegar, gradualmente, à criação de um padrão linguístico
através de um procedimento que não esqueça a riqueza das
variedades e respectiva validade nas utilizações imediatas
e individuais.
A
padronização pode também ser atingida com a passagem por
patamares intermediários que levam em conta as variantes
regionais.. Assim, por exemplo, entre as amplas diversidades
dialetais existentes na Itália, podem ser reconhecidas
variedades "regionais" cujas fronteiras extravasam
o território do país. De fato, os dialetos sinti estão
difundidos para além da Itália em vários países centro-europeus
e no leste constituindo-se numa espécie de denominador
comum de falares diversos, mas assaz similares. (...)
Um
primeiro projeto é o da compilação de um dicionário ilustrado,
com palavras comuns (palavras antigas) dos dialetos romani,
nas várias grafias até agora adotadas, que sirva de ponto
de partida para estudos ulteriores e, acima de tudo, para
fazer a língua alcançar dignidade a partir de seu uso
nas escolas. Um passo inicial será a elaboração de uma
primeira lista de palavras que se fará circular entre
estudiosos dos vários países no intúito de se alcançar
uma lista final, na qual se baseará o próprio dicionário.
Um segundo projeto prevé a experimentação de material
didático sobre a língua, em classes piloto de vários países,
de modo coordenado, com sucessivos encontros destinados
a avaliar os resultados conseguidos.
Muitos ciganos certamente subscreverão a opinião
de Aristicht, mas muitos outros não. Hovens informa que
também os "Sinti holandeses evitam cuidadosamente
que sua língua seja aprendido por estranhos, e menos ainda
que [nas escolas] esta seja ensinada por gadjé".
Por isso, os Sinti holandeses nunca pediram o ensino
de sua língua nas escolas, apesar de suas crianças reconhecidamente
sempre mais estarem esquecendo a sua língua, já que em
casa, na rua e na escola falam apenas o holandês.
Apesar
de tudo, pelo menos na Europa, os intelectuais ciganos
continuam incansavelmente seus estudos linguísticos, ignorando
as acusações dos tradicionalistas. Só falta mesmo a cigana
Aristicht (ex-Aristides) acusar de traidor o mundialmente
conhecido deputado cigano espanhol Juan de Dios Ramírez-Heredia,
autor de vários excelentes livros sobre ciganos, inclusive
de uma “Gramática Cigana”, que pode ser livremente consultada
por ciganos e não-ciganos, inclusive pela Internet.
E em hipótese alguma, e em parte alguma do mundo, o “povo
cigano” está ameaçado de extermínio por causa desta gramática!
Antes pelo contrário!
9.
Direitos educacionais.
Na
Convenção da Unesco, de 1960, relativa à luta contra a
discriminação no campo do ensino, os Estados membros convêm
que:
“Deve
ser reconhecido aos membros das minorias nacionais o direito
de exercer atividades educativas que lhe sejam próprias,
inclusive a direção das escolas e .... o uso ou ensino
de sua própria língua desde que, entretanto: (I) esse
direito não seja exercido de uma maneira que impeça aos
membros das minorias de compreender a cultura e a língua
da coletividade e de tomar parte em suas atividades ou
que comprometa a soberania nacional; (II) o nível de ensino
nessas escolas não seja inferior ao nível geral prescrito
ou aprovado pelas autoridades competentes; e (III) a frequência
a esses escolas seja facultativa”.
Na
Europa, o assunto já tem sido discutido há algum tempo,
e várias soluções práticas já foram sugeridas para o problemático
ensino de populações nômades. Apesar disto, o índice de
analfabetismo entre os nômades continua alto em praticamente
todos os países. Um dos primeiros documentos oficiais
sobre a educação de minorias é a a Recomendação 563/69,
na qual o Conselho da Europa:
“Considerando
que a falta de instrução, devida principalmente ao modo
de vida itinerante dos ciganos e outros nômades, tem efeitos
futuros, além dos fatores puramente materiais e financeiros,
sobre sua vida e sobre o clima social, efeitos que arriscam
prejudicar a longo prazo sua integração
na moderna sociedade européia e sua aceitação
como cidadãos com direitos iguais ;
- a estimular, já que não é possível frequentar
as escolas existentes, a criação, perto dos terrenos de
acampamento ou de outros lugares onde grupos de nômades
se reunem regularmente, de classes especialmente destinadas
a suas crianças, a fim de facilitar sua integração nas
escolas públicas, e a estabelecer uma ligação satisfatória
entre os programas escolares das crianças nômades e os
programas do Ensino de Segundo Grau ou de outras formas
de instrução mais avançadas.
-
a criar ou a melhorar as possibilidades de formação profissional
dos ciganos e dos nômades adultos visando melhorar suas
atividades profissionais” .
Anos
depois, na Resolução 75/13, o Conselho da Europa voltou
a tratar do assunto:
“O Conselho de Ministros .... consciente do fato
de que a baixa taxa de escolarização das crianças nômades
compromete gravemente suas possibilidades de promoção
social e profissional ... recomenda: Educação, orientação
e treinamento profissional.
1.
A escolarização dos filhos de
nômades deve ser encorajada pelos métodos mais
apropriados, visando
a integração destas crianças no sistema escolar normal.
2.
Ao mesmo tempo, a educação geral dos adultos, inclusive
a alfabetização, deve ser favorecida, se necessário.
3. Os nômades e seus filhos devem efetivamente
poder beneficiar-se das diferentes possibilidades existentes
de orientação, de formação ou de reformação profissional.
4.
Em matéria de orientação e de formação profissional, convém
levar ao máximo em conta as aptidões e inclinações inatas
destas populações”.
E
em 1981 o Conselho da Europa, na Resolução 125/81,
....“solicita ao Conselho de Cooperação Cultural: I. providenciar
um estudo completo sobre problemas educacionais e de
treinamento profissional para nômades.....; II. preparar,
como parte de seu trabalho sobre educação intercultural,
informação sobre dossiês para professores da história,
cultura e vida familiar de povos de origem nômade nos
Estados membros, semelhantes aos dossiês
informativos para professores de crianças de
imigrantes; III. estudar a possibilidade de elaborar,
se possível em cooperação com a Unesco, um programa específico
de treinamento para professores visando habilitá-los ao
ensino da língua rom (cigana)”.
Isto
é feito num “Seminário sobre o treinamento de professores
de crianças ciganas”, realizado em Donaueschingen, em
1983, que aprova a seguinte resolução:
"Considerando:
as precárias condições de atendimento escolar para crianças
ciganas e nômades;
a importância da educação escolar para o futuro
cultural, social e econômico destas crianças; as exigências legítimas dos ciganos e povos nômades, ansiosos
de que sua cultura e seu futuro sejam respeitados; as
exigências legítimas dos professores, em especial quanto
ao treinamento inicial e posterior e à informação adequada;
a natureza conflitual do contato entre povos ciganos e
nômades e a população envolvente; a magnitude e a importância
das imagens negativas a respeito destes povos, sobre
os quais ainda muitos conceitos errôneos prevalecem.
Recomenda:
que sejam tomadas todas as medidas apropriadas para assegurar
o treinamento inicial e posterior de professores afim
de habilitá-los com um método pedagógico adaptado a minorias
culturais; que
a matrícula de crianças ciganas e nômades em escolas
normais - a tendência atual de educação intercultural
- sempre seja acompanhada de treinamento adequado dos
professores e a adaptação dos currículos e das estruturas
escolares; que a língua e a cultura cigana sejam usadas
e respeitadas da mesma forma como as línguas e as culturas
regionais e aquelas de outras minorias; que sejam estabelecidos
vínculos entre as escolas e as famílias ciganas, no interesse
de uma participação genuina; que aos professores ciganos
seja garantida prioridade no ensino de crianças ciganas;
que em escolas com grande número de crianças ciganas,
a equipe de auxiliares inclua pessoas de cultura
cigana.
Recomenda,
ainda: que em cada Estado um grupo de ciganos e nômades
... prepare material apropriado para documentação e reflexão,
e o divulgue por todos os meios possíveis entre professores,
escolas, associações ciganas e não-ciganas, associações
familiares, assistentes sociais, autoridades locais,
etc. ; que sejam formados grupos locais, compostos de
ciganos, professores, assistentes sociais, representantes
das autoridades locais, etc.,
para mediar e planejar; estes grupos proporcionarão
um forum para
discussão e reflexão entre as várias partes envolvidas;
que, como regra geral, toda ação de natureza educacional
e informativa seja elaborada e implementada consultando-se
os próprios ciganos, e que seja baseada num conhecimento
exato da situação concreta.
O
Conselho da Europa volta a pronunciar-se na Resolução
153/89, após uma reunião com os Ministros de Educação
das Comunidades Européias, e que mostra claramente a gravidade
do problema:
“considerando que os ciganos e os viajantes constituem atualmente
na Comunidade uma população de mais de um milhão de pessoas
e que , depois de mais de 500 anos, sua cultura e sua
língua fazem parte do património cultural e linguístico
da Comunidade;
considerando
que a situação atual, de maneira geral e em particular
na setor educacional, é preocupante; que somente 30 a
40% das crianças ciganas e viajantes frequentam a escola
com alguma regularidade; que a metade jamais é escolarizada;
que uma percentagem muito pequena atinge e ultrapassa
o ensino de segundo grau;
.... que a taxa de analfabetismo entre os adultos
muitas vezes ultrapassa 50% e em certas regiões atinge
80% e mais;
considerando
que mais de 500.000 crianças estão envolvidas e que este
número constantemente deve ser revisado para cima em
razão da juventudade das comunidades dos ciganos e viajantes,
a metade dos quais tem menos de 16 anos;
considerando
que a escolarização, notadamente por causa dos instrumentos
que ela pode fornecer para a adaptação a um meio em transformação
e para a autonomia pessoal e profissional, é um passo
inícial fundamental para o futuro cultural, social e
econômico das comunidades ciganas; (...)
Adotam
a seguinte resolução:
Os Estados membros se esforçarão para promover:
a)
as estruturas: apoio aos estabelecimentos escolares, proporcionando-lhes
as facilidades necessárias para que possam acolher as
crianças de ciganos e viajantes; apoio aos professores,
aos alunos e aos pais;
b) a pedagogia e os materiais didáticos: experimentação
com ensino à distância, que possa responder melhor à realidade
do nomadismo; desenvolvimento de formas de acompanhamento
pedagógico; medidas
visando facilitar a passagem da escola à educação/formação
permanente; atenção para a história, a cultura e a língua
dos ciganos e viajantes; emprego de novos meios (educacionais)
eletrônicos e de vídeo; material didático para os estabelecimentos
escolares que se dedicam à escolarização de crianças
de ciganos e viajantes;
c) o recrutamento e a formação inicial e contínua
dos professores: formação contínua e complementar adaptada
para os docentes que trabalham com crianças de ciganos
e de viajantes; formação e emprego, quando possível, de
docentes originários da população cigana ou de viajantes;
d)
informação e pesquisa: intensificação de ações de documentação
e informação de escolas, docentes e pais, e
estímulo à pesquisa sobre a cultura, a história
e a língua dos ciganos e dos viajantes.
Um
ano depois, o tema é discutido na Conferência sobre a
Segurança e a Cooperação na Europa, quando se solicita
aos Estados-membros
“esforços
para garantir que as pessoas pertencentes às minorias
nacionais, independente do fato de que elas devem aprender
a língua ou as línguas oficiais do Estado em questão,
tenham a possibilidade de aprender sua língua materna
como também, se possível e necessário, de utilizá-la em
suas relações com os poderes públicos, de acordo com a
legislação nacional em vigor. Nos estabelecimentos escolares,
o ensino da história e da cultura
levará em conta também a história e a cultura das
minorias nacionais”.
Embora
em muitas publicações se afirme que os ciganos dão pouco
valor à educação formal, os participantes do Congresso
Internacional sobre Políticas Ciganas, realizado em 1991,
desmentem esta informação:
“É importante recordar que a educação é o meio fundamental
de promoção da cultura e da aquisição dos instrumentos
de adaptação ao meio; outrossim, é o instrumento principal
para o desenvolvimento da autonomia. Por conseguinte,
deve ser prestada a máxima atenção à educação bem como
às condições em que aquela se desenvolve.
O
grupo de trabalho sobre a escola viu-se obrigado a constatar
que, em toda a parte, a situação escolar das crianças
rom e sinti é sempre muito difícil. As análises e as conclusões
apresentadas durante os estudos e os encontros precedentes
continuam válidos, em particular os trabalhos conduzidos
no quadro das Comunidade Européia e do Conselho da Europa.
Remetemos para aqueles trabalhos e, especialmente, para
o primeiro seminário dos professores ciganos, organizado
na Espanha pela Comissão da Comunidade Européia e pelo
Ministério espanhol de Educação. Devem ser destacados
os seguintes fatos:
1.
que estamos numa situação com caráter de urgência sendo
necessário agir rapidamente para melhorar as condições
de escolarização em todos os níveis;
2.
a língua, a história e a cultura dos Rom e dos Sinti não
são suficientemente levadas em consideração na escola;
3.
as dificuldades resultantes da situação social e econômica
impedem inúmeras famílias de enviarem os seus filhos à
escola em condições aceitáveis;
4.
estereótipos e preconceitos influenciam negativamente
o comportamento dos responsáveis políticos, dos professores,
dos pais dos alunos, dos outros alunos, e a rejeição
continua a ser um componente importante da situação, constituindo
obstáculo de acesso à escolas das crianças Rom e Sinti;
5.
acrescenta-se que migrações constantes provocam a deslocação
de famílias ciganas da Europa Oriental para a Ocidental;
esta situação deve reforçar as ligações e as ações comuns
entre a Europa de Leste e do Oeste no sentido de que o
acolhimento escolar das crianças seja preparada nas melhores
condições. (....)
Os
programas da Comunidade Européia dirigidos aos Estados
do Leste devem, também eles, favorecer esta colaboração
citando, de modo explícito, os Rom e os Sinti entre outros
grupos considerados como prioritários. Entre as ações
prioritárias, o grupo salienta:
1.
a importância de um trabalho de harmonização da língua;
2.
a importância da compilação de textos sobre a história
dos Rom e dos Sinti destinados quer aos estudantes rom
quer a outros, no âmbito de uma pedagogia intercultural;
3.
a importância do ensino de língua materna às crianças
desde o seu primeiro ingresso na escola;
4.
a importância de uma escolarização intercultural das
crianças desde a mais tenra idade;
5.
a importância da formação inicial e da preparação dos
professores numa perspectiva intercultural com referência
à cultura romani;
6.
a importância da formação de monitores e mediadores rom
e sinti, que possam agir como intermediários entre os
pais dos alunos e os responsáveis da escola para a informação
e a coordenação das ações. Poder-se-á promover um centro
europeu para a formação destes mediadores rom e sinti.
7.
a importância da participação, sempre crescente, dos especialistas
rom e sinti na elaboração e na execução das medidas para
suas próprias comunidades”.
A questão, no entanto, não é tão simples e muitas
vezes as idéias dos intelectuais ciganos se chocam com
aquilo que pensam os ciganos em geral.
Na Romênia pós-comunista o ensino continuou sendo
obrigatório para todos, mas as crianças ciganas costumavam
ser discriminadas nas escolas. E isto não somente porque
muitas vezes não falavam direito a língua romena ou porque
eram pobres e não possuiam as roupas apropriadas, mas
apenas pelo fato de serem ciganos.
Em 1990/91 o Ministério da Educação iniciou o treinamento
de professores aptos a ensinarem em romani (língua cigana),
mas o programa teve pouco sucesso porque muitos pais ciganos
não gostaram da idéia: “muitos pais temiam que classes
ou escolas separadas somente marginalizariam ainda mais
os ciganos, e acreditavam que a melhor oportunidade para
seus filhos era esconder a sua origem étnica”. Nas palavras
de uma mãe: “Não estamos interessados em escolas ciganas.
Temos medo de sermos ainda mais marginalizados. Queremos
ser mais integrados, sem sermos identificados como ciganos”.
Ou conforme um líder cigano: “Não faz sentido existirem
escolas romani separadas. Estamos na Romênia, e [por isso]
devemos ser capazes de escrever e falar romeno. Na minha
opinião, se tivessemos escolas [exclusivamente para crianças
ciganas], teríamos somente conflitos. Seríamos marginalizados
ainda mais”.
Ou
seja, nem sempre aquilo que os intelectuais ciganos (e
não-ciganos) pensam corresponde àquilo que o “povão” cigano
pensa, o que os ciganos discriminados e marginalizados
pensam, aqueles ciganos que vivem em favelas, ou debaixo
de viadutos, na Espanha, em Portugal e em outros tantos
países.
10.
Novos tempos, novas esperanças.
Pelo menos na Europa, os direitos ciganos estão
sendo seriamente discutidos e vários países já têm legislações
pró-ciganas. Resta saber se, e quando, o exemplo será
seguido também no Brasil.
Por enquanto, nada está sendo feito. Numa carta
ao então Secretário Nacional de Direitos Humanos, José
Gregori, o cigano matchuaia Claudio Iovanovitch, presidente
da Associação de Preservação da Cultura Cigana, Curitiba
– Paraná, denuncia:
“
Na I Conferência
Nacional de Direitos
Humanos, que subsidiou o Programa Nacional de Direitos
Humanos, houve aprovação de uma emenda, que incluía os
ciganos, afirmando
da necessidade de sermos reconhecidos,
respeitados, e protegidos nos nossos direitos. Curiosamente,
essa emenda não constou do programa nacional, e até hoje
não conseguiram explicar direito porque.
Por
que queremos, também nós, os ciganos, ser lembrados no
Programa Nacional de Direitos Humanos? Primeiramente,
porque entendemos que é importante sermos reconhecidos pelo Governo, como uma minoria étnica merecedora de respeito e proteção. Segundo, porque,
já sendo tão discriminados no dia-a-dia, nos sentimos
mais discriminados ainda, com essa recusa do Governo,
em lembrar que nós existimos, como um grupo humano específico,
dentro do conjunto dos grupos que formam os brasileiros.
O
desconhecimento que as pessoas têm dos ciganos faz com
que sejamos tratados por estereótipos, com tratamento
assemelhado ao dispensado aos bandidos e ladrões.
A
partir mesmo da Constituição de 1988, em que os ciganos
estão abrangidos pela grande proteção dada pelos artigos
215 e 216, que manda preservar, proteger e respeitar o
patrimônio cultural brasileiro. Este patrimônio é
constituído pelos modos de ser, viver, se expressar, e
produzir de todos os segmentos que formam o processo civilizatório
nacional.
A
propósito, o Decreto Nº 1.494, DE 17 DE MAIO DE 1995 (DOU
18.05.1995), que regulamenta a Lei nº 8.313, de 23 de
dezembro de 1991, estabelece a sistemática de execução
do Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC, diz
no seu art. 3º que, para efeito da execução do Pronac,
consideram-se: VIII - patrimônio cultural: conjunto de
bens materiais e
imateriais de interesse para a
memória do Brasil e de suas correntes culturais formadoras,
abrangendo o patrimônio arqueológico, arquitetônico, arquivístico,
artístico, bibliográfico, científico, ecológico, etnográfico,
histórico, museológico, paisagístico, paleontológico e
urbanístico, entre outros”, e especifica como segmentos
culturais (XIII) a j) cultura negra; e l) cultura indígena.
Por que não m)
a cultura cigana? Porque, lamentavelmente, ainda falta
o reconhecimento do Governo do Brasil, e o tratamento
igualitário, entre
as minorias.
Com
efeito, sob a expressão geral de “cigano”, qualificam-se
minorias étnicas que a si mesmas chamam de calon, rom
ou sinti.
Somos
vítimas de muitos preconceitos. Para os citadinos, cigano
muitas vezes é sinônimo de esperto, de vagabundo, ou de
ladrão. Esse ranço histórico é cultivado, inclusive, pela
literatura em torno de estórias e histórias vividas ou
imaginadas. Assim como os judeus, ou os índios, ou os
negros, ou os pobres, os ciganos são discriminados na
sociedade.
Quais
são os problemas que mais nos afetam?
Não
temos acesso ao registro civil de nascimento, nem de óbito.
Nosso nomadismo serve de pretexto aos titulares dos cartórios
para dificultar e mesmo impedir sejam lançados os nascimentos
dos filhos e filhas de ciganos.
Não
temos direito de estacionar nossas caravanas, e estabelecermos
nossos acampamentos provisórios, sem sermos molestados
pelas polícias, e autoridades locais.
Nossas
crianças não têm direito de freqüentar escolas, por conta
da nossa maneira de viver. E quando nos sedentarizamos,
vemos nossos filhos serem tratados como cidadãos de segunda
classe, porque nossos valores culturais não são conhecidos
nem são respeitados. [...]
Por
que não aproveitar experiências avançadas de outros países,
no campo do respeito aos direitos das minorias, e entre
estas, dos ciganos? Portugal, por exemplo, já tem grandes
avanços, com a facilidade de ter tudo na mesma língua
materna que o Brasil, e com a possibilidade de utilização
de troca de experiência, que enriqueça o esforço do Brasil,
para respeitar efetivamente os direitos humanos de
todos.”
O
Procurador Luciano Maia, do MPF, acrescenta que “até hoje
a carta continua sem resposta prática do Governo Federal.
A questão dos ciganos ainda não entrou na agenda oficial.
[Além disto] não há uma entidade ou instituição de atuação
nacional que trate da questão cigana, o que agrava a luta
pelo reconhecimento dos seus direitos”.
Por
isso, para transformar todas as reivindicações ciganas
em realidade, reivindicações estas que incluem o reconhecimento
de seus direitos específicos como minorias étnicas, um
longo caminho ainda terá que ser percorrido. Mas o que
importa é que os próprios ciganos, após séculos de silêncio
e resignação, finalmente começaram a levantar a voz, a
reivindicar, a denunciar e a exigir os seus direitos.
Inclusive, como vimos, no Brasil.
11. Considerações finais.
No Brasil quase não existe bibliografia nacional
e estrangeira sobre os ciganos, nem nas livrarias, nem
nas bibliotecas. O cadastro da Associação Brasileira de
Antropologia menciona apenas duas dissertações de mestrado
sobre ciganos, ambas da década de 70; uma terceira foi
apresentada recentemente, em 1999. A situação é idêntica,
ou ainda pior, nas outras áreas das ciências humanas.
No Brasil, os cientistas sociais nunca deram a mínima
importância aos estudos ciganos. A ignorância dos brasileiros
sobre seus conterrâneos ciganos é estarrecedor, e até
criança sabe que ignorância gera medo, que gera preconceito,
que gera discriminação. Urge que os antropólogos iniciem
o quanto antes pesquisas sérias sobre a situação dos brasileiros
ciganos, sobre suas diversas culturas, sobre a discriminação
da qual constantemente são vítimas. Cabe aos antropólogos
acabar com a ignorância, porque enquanto esta persistir,
será impossível acabar com os preconceitos e com a discriminação.
Infelizmente,
nada é mais difícil de mudar do que idéias preconcebidas
sobre outros povos ou grupos de pessoas, por mais infundadas
que sejam. Enquanto as imagens anti-ciganas continuarem
a existir será difícil, quando não impossível, uma convivência
harmoniosa dos ciganos com a sociedade gadjé. Portanto, será necessário corrigir e eliminar, na medida do
possível, estas imagens negativas.
Rose observa que:
"Uma das causas que explicam que um grupo seja mal conhecido
é o isolamento social em que ele se encontra, mesmo se
está em contato permanente com o resto da população. (..)
O preconceito origina, muitas vezes, medidas de segregação
material e social que, por seu lado, favorecendo a ignorância,
contribuem para arraigar o preconceito. [Mas] a) a ignorância
provém tanto da ausência de conhecimentos, como da presença
de idéias falsas; b) a ignorância em si não faz nascer
o preconceito, mas condiciona ou favorece o seu desenvolvimento
em graus diversos conforme os grupos de que se trata.
Quando a ignorância representa um papel importante no
aparecimento dos preconceitos, estes poderão ser eficazmente
combatidos pela informação, que virá completar os conhecimentos
ou combater as idéias falsas" .
Daí porque uma das medidas propostas tem sido o
esclarecimento da opinião pública sobre os ciganos, suas
maneiras de viver e de pensar, seus valores culturais,
sua história. Rose, por exemplo, propõe: “Divulgar, a
respeito dos grupos que são vítimas dos preconceitos,
informações exatas de forma a destruir os estereótipos.
Fazer conhecer as causas das diferenças que existem entre
os grupos minoritários e o grupo dominante. Fazê-lo não
somente pelos livros, jornais e pela palavra, mas utilizando
também as relações pessoais e os contatos amigáveis”.
A questão é como fazer isto.
O
sociólogo Hendriks lembra que “um prejulgamento pode ser
corrigido por nova informação; um preconceito não”. A
seguir cita os resultados de uma série de sete documentários
na TV holandesa sobre operários-hóspedes turcos e imigrantes
molucanos e surinameses (imigrantes ou refugiados de ex-colônias
holandesas). Os documentários visavam diminuir os preconceitos
contra estes grupos fortemente marginalizados e discriminados
naquele país, mas as pesquisas revelaram que o resultado
foi justamente o contrário: após a exibição dos documentários
o preconceito até aumentou!
O
mesmo foi constatado por Banton: “A publicação da descoberta
de que muitas pessoas discriminam não precisa provocar
uma reação corretiva, mas pode ativar o ‘efeito reforço’
e encorajar os discriminadores a continuar discriminando,
confortados pela sabedoria que tantos outros fazem a mesma
coisa”.
Ou seja, um documentário ou um livro sobre ciganos - por
mais bem elaborado que seja - não garante automaticamente
também uma diminuição nos preconceitos contra os ciganos.
Finalmente
há quem defende medidas legislativas porque estas “diminuirão
o respeito que se dedica ao preconceito, suprimindo completamente
algumas das suas piores consequências. Este é um dos meios
mais eficazes para se lutar contra os preconceitos tradicionais".
A prática mostra que não é bem assim, nem na Europa Ocidental
nem na Europa do Leste. Em todos os países europeus, e
no Brasil, existem as mais belas leis que se possa imaginar
sobre direitos humanos, direitos civis, direitos políticos,
leis anti-discriminação, etc., mas que nada valem para
os ciganos. Trata-se apenas de belas palavras, e nada
mais. Portanto, não basta um eminente jurista elaborar,
o Congresso aprovar e o Presidente sancionar uma belíssima
legislação que condena a discriminação de minorias (inclusive
das sempre esquecidas minorias ciganas), mas deve-se lutar
também para que esta legislação seja, de fato, aplicada
na prática.
Além
disto, as leis anti-discriminação sempre existem porque,
de fato, a discriminação existe. Ou seja, como lembra
Allport, “as leis atacam sintomas, não causas”. Leis anti-discriminação
são necessárias e pelo menos ajudam a diminuir um pouco
a discriminação. Mas para acabar com o preconceito e a
discriminação, antes de tudo será necessário acabar com
a ignorância sobre os ciganos que existe, entre os gadjé
e também entre os próprios ciganos.
E esta é uma tarefa principalmente para os antropólogos.
Ser cigano,
pertencer a um povo cigano, não significa necessariamente
também conhecer a origem, a história, a cultura, a problemática
e a realidade atual deste povo, ou melhor dito, das diversas
minorias ciganas que existem no Mundo e no Brasil. Salvo
talvez umas poucas exceções, cada cigano costuma conhecer
e sabe informar tão somente, e quando muito, sobre o passado
recente ou a cultura apenas do grupo ao qual pertence.
E poucos ciganos devem saber que, além dos seus direitos
comuns como cidadãos, também têm direitos especiais como
membros de uma minoria étnica.
De
importância fundamental será informar melhor ciganos e
não-ciganos tanto sobre estes seus direitos especiais
quanto também sobre seus direitos comuns, sobre a sua
história, sobre a sua cultura e valores culturais, sobre
a problemática cigana mundial, sobre experiências feitas
para melhorar a situação cigana, sobre eventuais soluções
encontradas. Na luta contra o anti-ciganismo existe um
enorme campo de trabalho ainda inexplorado para cientistas
das mais diversas áreas. Porque a ciganologia, geral e
brasileira, está apenas dando seus primeiros passos, e
aparentemente sem qualquer orientáção teórica e prática.
A nossa ignorância ainda é enorme.
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