Um tribunal que
ainda não saiu do papel
Por EUNICE LOURENÇO
O Tribunal Penal Internacional (TPI)
não existe. Só passará a existir quando 60 países ratificarem
o Estatuto de Roma, aprovado por 120 países, na capital italiana,
em Julho de 1998.
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A reunião de Roma, promovida pela ONU, durou cinco semanas, mas
até ao último dia - 18 de Julho de 1998 - a criação de um
tribunal para julgar crimes contra a humanidade esteve em causa.
Um grupo de 60 países, entre os quais Portugal, bateu-se pela
criação de um tribunal independente e com largos poderes,
enquanto países como a China, a França, a Rússia e os Estados
Unidos da América tentavam esvaziar os poderes da instância a
criar e colocá-la sob a alçada do Conselho de Segurança da ONU,
do qual são todos membros.
Com a pressão das 250
organizações não governamentais presentes em Roma e do
secretário-geral da ONU, o estatuto do TPI acabou por ser
aprovado por 120 países. Vinte e um dos países abstiveram-se e
sete votaram contra. Esses sete foram os EUA, a China, Israel,
Índia, Filipinas, Sri Lanka e Turquia.
A aprovação do estatuto foi vista mesmo como uma derrota dos
EUA. Este país defendia que o tribunal não deveria ter
jurisdição sobre cidadãos de países que não ratifiquem o
tratado, pois teme que um órgão destes exponha os seus soldados
pelo mundo a acções penais.
O que acabou por ser consagrado é que o tribunal só tem
jurisdição nos países que o ratifiquem. Contudo, nos crimes de
guerra, por proposta da França, os estados signatários podem
não reconhecer a tutela do TPI por um período de sete anos.
Além disso, o Conselho de Segurança da ONU, embora não possa
vetar uma acção do TPI, pode adiá-la por um ano, com o
argumento de prosseguir uma negociação política com o país ou
países em causa.
Bill Clinton acabou por assinar o
Tratado de Roma nas vésperas de sair da Casa Branca, mas o
Congresso e o Senado ameaçam não o ratificar. Israel e o Irão
também já assinaram o tratado. Mas, dos 139 estados que o
assinaram, até agora só 27 países o ratificaram.
Na cimeira de Nice, no final do ano passado, os países da União
Europeia comprometeram-se a dar um novo impulso à criação do
TPI, resolvendo os problemas de legislação nacional que entrem
em contradição com o estatuto do TPI. É o que a França já
fez, alterando a sua Constituição, segundo a qual o Presidente e
os membros do governo só podiam ser julgados por Supremo Tribunal
de Justiça.
Em Espanha colocou-se também um problema constitucional
semelhante, porque o rei é inviolável, mas o governo espanhol
considerou desnecessária a revisão da lei fundamental porque se
o rei cometesse um acto julgável pelo TPI, também teria violado
a constituição.
Um dos principais argumentos usados
em favor deste tribunal que continua sem sair do papel é que
terá, sobretudo, um efeito dissuasor e que sendo um tribunal
permanente - ao contrário dos tribunais "ad-hoc" para o
Ruanda e a ex-Jugoslávia, ou os tribunais de Tóquio e Nuremberga
- poderá fugir à lógica política e de aplicação da lei dos
vencedores que têm sido as grandes críticas feitas aos tribunais
internacionais para julgar crimes de guerra.
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