(Diga-se
à margem que defendo a ratificação do TPI, com algum
cepticismo mas sem hesitação.)
O curioso nesta discussão tem sido que, quando se torna
evidente o choque entre o desejo de prevenir/punir um
genocídio e a necessidade de prescindir da humanidade
das penas portuguesas, venha à baila a eventualidade de
se realizar um referendo. Como se, confrontados por um
dilema que não passa pela facilidade da fracção ideológica,
os votos do povo pudessem servir de moeda ao ar.
Um preocupante corolário que se pode extrair desta
proposição é que os nossos representantes eleitos
parecem considerar-se as melhores pessoas para tomar as
decisões relativamente às quais os partidos têm posições
claras e opostas, mas já não para decidir questões de
maior profundidade filosófica. O que é perturbador
para aqueles (poucos) que se apressam a falar de
referendo não é o confronto nem as ideais em presença,
mas a dúvida.
Para
este tipo de questão, o referendo não pode ser uma
possibilidade. O referendo é adequado para que uma
população escolha entre duas possibilidades aceitáveis
(ambas) no plano dos princípios, mas não pode ser a
base da moral ou da política. Serve para ver de que
lado estão mais interesses - o que é legítimo e razoável
em muitos casos. Mas não pode ser um escape para a
pusilanimidade.
É precisamente neste tipo de questões que a democracia
representativa tem de mostrar a sua virtude. Esta
parece-nos um melhor sistema que a democracia directa não
só porque é mais eficaz, nem só porque nos permite
eleger os melhores de entre nós, mas também porque
obriga os eleitos a representar-nos de forma pública -
comprometendo-se a representar (há uma componente
teatral na política) o papel de políticos honestos,
competentes, corajosos e empenhados no interesse público.
Independentemente da qualidade da nossa escolha, a
visibilidade da representação garante de alguma forma
que os nossos eleitos serão melhores do que nós (ou se
esforçarão por sê-lo), ainda que o não fossem à
partida - numa espécie de profecia auto-realizadora
positiva.
__Comentário
Por JOSÉ VITOR MALHEIROS