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Proteção Internacional dos Direitos Humanos

Juan E. Mendez*

Introdução

Nesta breve apresentação, irei referir-me à parte do Direito que chamamos de Direito Internacional Humanitário e, dentro dele, vou tentar fazer uma análise da atual situação e as futuras prospeções de um de seus aspectos importantes: sua aplicação. Este corpo do Direito é recente e está evoluindo rapidamente. Desde apenas a II Guerra Mundial que reconhecemos um complexo sistema de normas, como parte do Direito Internacional Público, que regulamenta a maneira com que os governos devem agir em relação a todos os seres humanos sob sua jurisdição. É claro que o Direito Constitucional há séculos inclui restrições similares; neste sentido, o Direito Internacional Moderno determina um padrão mínimo que todos os governos devem seguir, respeitando a esfera de autonomia para o indivíduo. O que é novo depois da II Guerra Mundial é que estas normas e sua implementação são preocupações legítimas da comunidade internacional.

Parece necessário reafirmar esta simples premissa em um momento no qual nossa disciplina enfrenta renovados ataques de dois pólos relacionados, porém, separados. Por um lado, a universalidade dos direitos humanos sob a perspectiva do relativismo cultural. Por outro, a rejeição da legitimidade da preocupação da comunidade internacional está fundada no conceito de soberania nacional que seria um passo atrás para todo o Direito Internacional e não apenas os direitos humanos. Como lidar com esses ataques não é o propósito deste trabalho; ao analisar a atual situação do Direito Humanitário, entretanto, é importante manter esse histórico em mente. De toda forma, vale a pena ressaltar que não é verdade que até pouco tempo o Direito Internacional se ocupava, exclusivamente, com a relação entre os Estados. O Direito Consular e das Relações Diplomáticas, a Lei de Pirataria e de Guerra, por exemplo, têm uma tradição secular de regulamentar as ações do Estado em relação a certos indivíduos. Entretanto, o período pós-guerra faz crescer essa tradição, criando um corpo abrangente e sistemático de normas que afetam a relação entre o Estado e o indivíduo. Outra mudança significativa é que o interesse legítimo da comunidade internacional não faz parte da ligação do interesse de outro Estado baseado em relações internacionais tradicionais, mas baseado exclusivamente em uma visão compartilhada da dignidade inerente de cada indivíduo humano. É por estas duas razões que podemos diferenciar um corpo de leis chamado Direito Internacional Humanitário. Entretanto, devemos recordar-nos que este corpo de leis não é um conjunto de normas autônomas, separadas, mas uma parte integrante do Direito Internacional.

O desenvolvimento de normas substantivas corresponde ao período - entre o final da década de 40 e meados da década de 60 - quando um código abrangente foi esboçado e adotado, começando com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, suplementado e fortalecido mais tarde pelos tratados multilaterais, dos quais os mais importantes são as Convenções Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Este período de promoção ou de determinação de padrões não está de nenhuma forma finalizado, pois a ONU e os órgãos regionais continuam a esboçar instrumentos. Atualmente, entretanto, estes instrumentos tendem a regulamentar um fenômeno em particular (torturas, desaparecimentos), ou a ver os direitos humanos pela perspectiva particular de certos grupos sociais (mulheres, crianças, grupos indígenas). Com início na década de 70, entretanto, uma importante preocupação no desenvolvimento de normas tem sido a necessidade de encontrar formas eficientes de alcançar a efetiva implementação. Tornou-se claro, a essa altura, que dois problemas deveriam ser evitados: (a) aceitação dessas normas em má fé por estados que não tinham nenhuma intenção de usá-las seriamente em seu território; (b) deixar a aplicação aos caprichos de pressões unilaterais de certos estados poderosos, já que havia o verdadeiro perigo dos direitos humanos serem usados como ferramentas para obter outros interesses da política externa. Apesar do fato de a ênfase na implementação e na efetividade serem uma preocupação nossa há mais de vinte anos, o resultado até agora tem sido misturado. A fase de proteção do desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos continua portanto, apesar de não podermos dizer com certeza que o seu curso será sempre inconfundivelmente no sentido do desenvolvimento progressivo, a regressão é sempre uma possibilidade contra a qual devemos nos proteger.

Vamos nos concentrar nos mecanismos de proteção e seu estado atual durante o resto deste trabalho. Antes, porém, é importante notar um desenvolvimento bem-vindo: a criação de normas e mecanismos para sancionar a responsabilidade individual pelas violações mais sérias dos direitos humanos, via o estabelecimento de dois tribunais internacionais ad hoc para processar crimes de guerra, de genocídio e contra a humanidade na ex-Iugoslávia e em Ruanda e mais recentemente com a adoção do Estatuto de Roma para uma Corte Criminal Internacional de caráter permanente. É evidente que a responsabilidade do Estado por crimes terríveis cometidos pelos seus agentes será unilateral, apesar de limitada, quebrando o ciclo de impunidade e impedindo a sua futura repetição. O processo e punição de criminosos individuais é, entretanto, indispensável para obter responsabilidade e não pode ser obtida pelos mecanismos existentes de responsabilidade do Estado. Por outro lado, os tribunais penais internacionais só terão jurisdição em uma pequena faixa de violações dos direitos humanos, mesmos se são a mais graves; e mesmo nesses casos, só irão lidar com um pequeno número daqueles que são acusados de os cometerem. Por esta razão, os mecanismos para estabelecer a responsabilidade do Estado são ainda muito necessários e um esforço sustentado para melhorá-los é imperativo atualmente.

A Implementação e os Deveres Gerais do Estado

Os mecanismos de execução são úteis para a obtenção de sentença declaratória contra um ato ou prática de um Estado que viola os direitos. Dessa maneira, a situação da vítima é reconhecida e o direito defendido. Se este fosse o único resultado seria talvez suficiente para justificar esses mecanismos, sobre a máxima Talmudica que “aquele que salva uma vida, salva todo o universo”. No caso de violações maciças e consistentes, a estigmatização de um Estado e de seus dirigentes por tais práticas é também um resultado chave das ações dos órgãos de implementação. Mas o mais importante valor dos pronunciamentos dos órgãos internacionais é que eles botam em foco nítido o verdadeiro conteúdo das obrigações do Estado em relação aos direitos humanos, ao aplicar normas relativamente abstratas a problemas humanos muito concretos e ao explicar o que um governo deve fazer para estar à altura dessas obrigações.

Sob obrigações de tratado, os Estados tendem geralmente a agir de certa forma em relação aos padrões de direitos humanos. Estas obrigações gerais são três: (a) a obrigação de respeitar os direitos (deber de respeto) significa que as autoridades não devem agir de certas formas que possam violar os direitos das pessoas sob a sua jurisdição; (b) a obrigação de garantir os direitos (deber de garantía) significa que o Estado deve assegurar soluções efetivas a uma pessoa cujos direitos foram violados; (c) a terceira obrigação é a de adaptar a legislação doméstica de maneira a que esteja em conformidade com padrões internacionais.

Em conjunto, estas três obrigações significam que não é aceitável que os Estados simplesmente firmem e ratifiquem convenções, mesmo que, segundo as determinações de sua própria Constituição, elas nominalmente se tornem parte da legislação doméstica. Leis devem ser aprovadas para dar efeito aos padrões internacionais, e as cortes devem aplicá-las. Em Velasquez e em Godinez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu que estas obrigações representam nada menos que a reorganização de todo o aparato do poder estatal de maneira a que os direitos possam ser efetivamente gozados e a que soluções adequadas sejam concedidas em caso de violação.

Ao interpretar padrões e aplicá-los a casos, órgãos internacionais especificam as maneiras pelas quais os Estados devem cumprir estas três obrigações. Por exemplo, uma vez mais a Corte Interamericana esclareceu que o mandado de habeas corpus não pode ser suspenso, nem mesmo durante um estado de emergência; a Comissão Interamericana de Direitos Humanos declarou que certas leis de desacato são incompatíveis com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Estas são interpretações impositivas e devem ser consideradas quando os Estados, ao aplicar sua própria margem de avaliação, decidem sobre como dar efeito a padrões internacionais em sua própria jurisdição.

A Corte Suprema argentina chegou mesmo a decidir que as interpretações de órgãos competentes são vinculatórias sobre as cortes argentinas na mesma medida dos textos de instrumentos ratificados. Isto decorre do fato de que a Constituição de 1994 incorporou os tratados de direitos humanos em uma hierarquia constitucional especial de normas, “nas condições de sua efetividade” (uma cláusula que parece significar “como ratificado”). Na decisão Giroldi, a Corte Suprema ampliou o significado desta cláusula à interpretação dada às obrigações decorrentes de tratados por órgãos competentes. Esta é, reconhecidamente, uma doutrina de amplo alcance. Entretanto, acreditamos ser correta e tem o benefício adicional de pressionar os órgãos de tratados a emitirem boas decisões.

Mesmo sem adotar a doutrina Giroldi, todos os países seguem, pelo menos nominalmente, o princípio de que obrigações internacionais livremente contraídas são “a lei da terra”, parafraseando a famosa decisão Paquete Habana da Corte Suprema dos Estados Unidos. Na prática, contudo, muitas cortes internas consideram a legislação internacional como legislação estrangeira, sujeita a evidências sobre sua existência e, o que é pior, a ser livremente adotada ou rejeitada em qualquer caso. Em situações de aparente conflito com as normas domésticas - sejam elas constitucionais ou simplesmente legais em hierarquia -, os órgãos executivos, os legisladores e as cortes agirão como se a legislação internacional não existisse ou não se aplicasse a eles. Quando isso ocorre em casos sensíveis à opinião pública, como a pena de morte, essa interpretação superficial vem envolta por considerações de orgulho nacional e de soberania, o que torna os debates racionais e fundamentados praticamente impossíveis. Em realidade, o dever dos juristas não é o de ignorar a legislação internacional quando parece haver conflito com um padrão doméstico, mas o de buscar formas de harmonizar estas normas, da mesma maneira que o fariam se o conflito fosse entre normas puramente domésticas. Indo mais além, o juiz Harry Blackmun, ex-integrante da Corte Suprema dos Estados Unidos, disse que qualquer lei doméstica deve ser interpretada, no que for possível, de maneiras que não sejam incompatíveis com normas internacionais que sejam também aplicáveis. Uma vez que os padrões internacionais de direitos humanos são quase sempre relativamente vagos e abstratos, essa incorporação da legislação internacional à aplicação doméstica será auxiliada pela interpretação dada por seus órgãos mais competentes, aqueles criados por cada tratado justamente para dar significado e efeito a suas provisões.

Não é necessário dizer que aqui na América Latina estamos longe de entender nossos deveres para com a legislação internacional dessa forma. Por exemplo, além do já mencionado relatório da Comissão Interamericana sobre as leis de desacato cujo efeito é de reprimir a liberdade de expressão, muitos de nossos códigos penais ainda incluem o desacato de certas altas autoridades como ofensa punível. Isto é particularmente inaceitável na nossa região, porque ninguém pode dizer honestamente que os direitos humanos internacionalmente reconhecidos são imposições externas alheias a nossa tradição legal (mesmo que fossem, nosso respeito pela dignidade inerente e comum à pessoa humana leva-nos a examinar de perto as normas não tradicionais e a adaptá-las a nossa realidade). O oposto é na verdade correto. O que agora chamamos de padrões universais de direitos humanos foram a contribuição de várias culturas depois de serem testadas e provadas verdadeiras nas leis internas por várias gerações. Por exemplo, o art. 25 da Convenção Americana, chamado “o direito ao remédio”, tem uma semelhança claramente identificada com a própria instituição americana do amparo.

Isto tudo é para ratificar que o conceito de aplicação dos direitos humanos é primariamente uma obrigação de cada Estado que faz parte de um instrumento internacional. Os mecanismos internacionais de aplicação não são apenas complementares no sentido de que só podem ser acionadas quando os remédios domésticos falham. O princípio do subsidiário também significa que os Estados ainda determinam em grande parte o critério que utilizam para dar a melhor eficácia aos padrões internacionais, contanto que observem o fato de que as normas internacionais são um piso e não um teto. Em outras palavras, os Estados estão livres para oferecer mais proteção nas leis internas aos seus cidadãos, até além do que é exigido pelos padrões internacionais. O último se renderá à supremacia das leis domésticas exatamente quando ou se as leis internas puderem ser interpretadas como mais favoráveis ao exercício de um direito ou como a melhor maneira de protegê-lo. De forma a dar melhor sentido a esse princípio pro hominem de interpretação, o parecer de entidades internacionais especializadas pode ser extremamente útil. É de se esperar, é claro, que essas entidades também verão com interesse as experiências nacionais para encontrar meios de proteger os direitos. Dessa maneira, uma interação criativa entre as experiências domésticas e a interpretação por órgãos competentes pode assegurar o desenvolvimento criativo da legislação internacional dos direitos humanos.

Uma Visão Geral e Classificação dos Mecanismos

O que se segue não é um exame abrangente, tampouco descritivo, dos mecanismos existentes de proteção, mas uma visão geral com o objetivo de simplesmente ilustrar o nosso ponto principal: o de que os órgãos de tratados são mais eficientes em avançar com a legislação internacional dos direitos humanos, e que os órgãos que aplicam enfoques judiciais ou quase judiciais para solucionar problemas são preferíveis a todas as outras maneiras de dar proteção.

Mecanismos universais sem base em tratados

Começamos com os vários mecanismos criados ao longo dos anos pela Comissão de Direitos Humanos da ONU, órgão do ECOSOC. A Comissão é composta por representantes diplomáticos de 54 países, que se reúnem uma vez por ano por várias semanas. Nesse ínterim, recebe a ajuda de um Comitê de Peritos, que também se reúne uma vez por ano, e do secretariado do Centro de Direitos Humanos, agora sob o Escritório do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos. A composição da Comissão representa um importante foro político para algumas questões, e a complexa rede de peritos e funcionários tem, ao longo dos anos, criado um conjunto significativo de atividades promocionais. Quanto à efetiva proteção de direitos, contudo, a Comissão é mais uma fonte de frustração do que de esperança.

Em 1970, a Resolução 1503 tencionava permitir à Comissão receber reclamações contra países que alegadamente praticavam um padrão maciço e constante de violações dos direitos humanos. Entretanto, uma vez que se toma a decisão de considerar a situação de um país, o tratamento do assunto é inteiramente confidencial e os reclamantes jamais saberão o que foi feito de sua comunicação. A Resolução 1235, adotada em 1967, finalmente tornou os requerimentos de confidencialidade mais flexíveis, mas o alto padrão de práticas maciças e constantes de violações dos direitos humanos não foi alterado.

O problema com este padrão é que permite aos diplomatas jogar com as palavras com o que podem ser violações maciças dos direitos humanos, mas não “um padrão”, ou um padrão de violações maciças, mas não realmente “constantes”. De qualquer forma, o padrão é tão alto que mesmo a inclusão de um país na agenda é uma forma de estigmatização. Como é fácil de se imaginar, isso dá margem a todo tipo de disputas políticas e diplomáticas, tanto quanto à inclusão de um país na lista quanto de sua exclusão, e por fim as decisões são tomadas com base em fatores que pouco têm a ver com a real situação dos direitos humanos. Mesmo nas decisões mais transparentes dos últimos anos, a exclusão de um país da “lista” de violadores é vista como uma vitória diplomática (assim como a inclusão original foi vista como um revés diplomático) e não como o resultado de verdadeiras mudanças na situação. De fato, os países que estão listados respondem, na melhor das hipóteses, fazendo gestos sobre os direitos humanos, e geralmente não examinando honestamente o que está errado e corrigindo-o. E quando são tirados da lista, tendem a ver isto como um reconhecimento da sua posição política original, e razão para ser mais desafiador a todos os outros questionamentos de seu desempenho.

Em retrospectiva, talvez teria sido melhor não estabelecer um padrão tão alto para desengatilhar uma demonstração coletiva de interesse, mas antes agir sobre as violações cuja discussão os países não considerariam uma questão de vida ou morte ou uma afronta à dignidade nacional. Significativamente, uma outra importante limitação é a falta de uma base legal apropriada para estas expressões de preocupação, acoplada ao fato de que a decisão de listar um país não é tomada por um órgão independente usando critérios objetivos, mas por diplomatas seguindo instruções de seus governos. Pode estar na natureza das coisas que as decisões sobre os direitos humanos sejam tomadas através da troca de votos e do cálculo do seu efeito sobre outros interesses da política externa, e pode ser que não há nada particularmente escandaloso nisso. Mas não é uma forma muito eficiente de oferecer às vítimas de abusos a proteção necessária dos órgãos internacionais, e as decisões tomadas dessa forma quase nunca constituem um exercício convincente das genuínas preocupações da comunidade internacional.

No entanto, o trabalho das agências sediadas em Genebra tem seus pontos positivos. Durante muitos anos de experiência, a CDH logrou criar certas unidades que estão cuidadosamente protegidas de pressões políticas ou diplomáticas (embora não totalmente isoladas delas). Como parte de uma atividade de monitorização contínua de um certo país, a Comissão ocasionalmente designa Relatores Especiais que viajam àqueles países e preparam relatórios abrangentes sobre a situação dos direitos humanos. A avaliação destes Relatores Especiais por país é, na melhor das hipóteses desigual, dependendo da integridade e do profissionalismo do indivíduo designado, mas infelizmente também da disposição do respectivo país de cooperar. Mesmo com trabalho altamente profissional, o sistema foi incapaz de desenvolver um método para prevenir governos como o de Cuba ou do Congo de minarem o sistema por uma simples recusa a cooperar.

Um enfoque mais construtivo tem sido a designação de Relatores Especiais não para lidarem com um país específico, mas para examinarem certos temas de direitos humanos. Os Relatores Especiais sobre tortura, sobre reparações, sobre impunidade e sobre pessoas deslocadas, por exemplo, têm contribuído de forma positiva ao desenvolvimento de padrões. Os seus mandatos normalmente os permitem não apenas empreender estudos teóricos sobre a evolução dos padrões, mas também visitarem certos países e comentar suas práticas com relação ao seu mandato. Desta forma, um mandato que pareceria de início limitado estritamente a atividades promocionais, em realidade transforma-se também em uma oportunidade para formas específicas de estudos de caso e de proteção.

O mesmo pode ser dito de outro mecanismo criado pela CDH, os Grupos de Trabalhos temáticos, geralmente compostos de cinco membros (um de cada região do mundo). Alguns destes têm não apenas realizado estudos abrangentes de fenômenos como o desaparecimento forçado de pessoas, mas têm também ampliado criativamente os limites de seus mandatos de forma a desenvolver uma monitorização contínua do desempenho de países com relação a seu tema.

Em suma, o sistema sediado em Genebra tem sido contaminado pela politização excessiva e pelas manobras diplomáticas, e deixou de alcançar a credibilidade como um árbitro imparcial dos conflitos resultantes das violações dos direitos humanos. Neste sentido, sua capacidade de assegurar proteção adequada a vítimas específicas e de avançar no progressivo desenvolvimento dos padrões por meio da interpretação e da aplicação encontra-se gravemente prejudicada. O seu papel na esfera puramente promocional tem sido mais construtivo. Muitas idéias para a promoção de novos padrões e proteções encontram, em Genebra, um foro apropriado. Com a criação do Escritório do Alto Comissário, a posição e o prestígio de toda a máquina das Nações Unidas na área de direitos humanos têm sido realçados. Isto terá um impacto importante sobre a promoção; espera-se que também contribua a uma proteção mais efetiva de mecanismos não decorrentes de Tratados.

Os Mecanismos universais baseados em tratados

O Comitê de Direitos Humanos é um órgão de tratado da Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. De toda a máquina da ONU para a proteção dos direitos humanos, o Comitê se mostrou de longe o mais efetivo e respeitado ao longo dos anos. Para os países que firmam um Protocolo Opcional, o Comitê tem jurisdição para receber reclamações de indivíduos. Este mecanismo de reclamação é de natureza quase judicial, porque os processos consistem de nada mais que uma troca de sumários entre o reclamante e o governo, sem a apresentação de provas a não ser documentos anexos aos sumários, sem audiências, sem oportunidades para se interrogar as testemunhas, ou sem um verdadeiro debate das questões legais. A despeito disso o Comitê tem produzido decisões importantes com base em reclamações de indivíduos, e sua jurisprudência tem constituído precedente importante sobre como interpretar e aplicar os padrões da Convenção.

Além disso, e mesmo para os países que não aceitaram a jurisdição do Comitê para ouvir reclamações de indivíduos, a Convenção prevê que os Estados Partes devem comparecer perante o Comitê a cada cinco anos, em bases rotativas, para relatar as medidas adotadas para implementar a Convenção internamente. Este mecanismo de informação é cada vez mais útil, pois as organizações da sociedade civil de muitos países utilizam a oportunidade para apresentar submissões alternativas. Nas audiências públicas nas quais se discute o relatório do país, os membros do Comitê utilizam essa informação detalhada e outras pesquisas para questionar profundamente os representantes governamentais presentes. Ao final, o Comitê emite um relatório sobre os direitos humanos naquele país; em anos recentes este relatório periódico do país tem se tornado um meio importante pelo qual o Comitê promove salvaguardas gerais e também emite julgamentos sobre alguns casos importantes que são trazidos a sua atenção desta forma.

Há uma terceira maneira pela qual o Comitê de Direitos Humanos trabalha: emitindo “comentários” sobre artigos específicos da Convenção. Isto é, claramente, um meio estritamente promocional de fomentar os direitos humanos e não concede proteção direta a qualquer vítima potencial ou real. De qualquer forma, os comentários são geralmente tão repletos de autoridade e respeitados que fornecem uma visão muito útil do verdadeiro conteúdo de cada direito, e servem como orientação apropriada à interpretação doméstica. Em termos estritamente legais, aceita-se amplamente que apenas a primeira destas três atividades resultam em decisões que são obrigatórias para os Estados. Independentemente disto, mesmo os pareceres não obrigatórios mas altamente gabaritados do Comitê são de grande valor na proteção dos direitos e não apenas na sua promoção.


+ Traduzido por Ana Teresa Perez Costa.

* Diretor Executivo do Instituto Interamericano de Direitos Humanos, São José, Costa Rica.

 

Há diversos outros órgãos criados por trados de direitos humanos, como o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; o Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD); o Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW); o Comitê da Convenção dos Direitos da Criança; e o Comitê criado pela Convenção para a Abolição da Tortura (CAT). Infelizmente, nenhum desses órgãos aproxima-se do valor protetor ou promocional do trabalho do Comitê de Direitos Humanos. Uma razão importante é que seus respectivos instrumentos não estabelecem um mecanismo de reclamações individuais ou um Protocolo Opcional pelo qual os Estados poderiam, em bases voluntárias, conceder ao órgão jurisdição para receber casos (uma importante iniciativa está atualmente em curso para elaborar um Protocolo Opcional ao CEDAW para essa finalidade). Todos esses comitês trabalham essencialmente com base em relatórios periódicos por país, mas os Estados Partes não têm, em geral, considerado estes procedimentos importantes o suficiente para merecer respostas sérias ou outras formas de cooperação com cada comitê, e o resultado é que a prática de legislar por interpretação não se desenvolveu tanto quanto no Comitê de Direitos Humanos.

É verdade, também, que estes outros órgãos de tratado não existem há tanto tempo quanto o Comitê de Direitos Humanos e, portanto, o seu histórico em criar novos padrões é necessariamente menos importante. Um fator mais importante, entretanto, é que os Estados Partes têm eleito para esses comitês membros menos versados em direito internacional humanitário que os membros do Comitê de Direitos Humanos em geral, ou que não encaram suas funções com a mesma seriedade. Via de regra, tais órgãos têm tido um enfoque muito acanhado com relação a sua jurisdição, e têm preferido recusar jurisdição do que aparentar estar adotando uma concepção ampla de seu mandato. A Convenção para a Abolição da Tortura tem um mecanismo de reclamação do indivíduo, mas pelas razões que acabam de ser citadas a sua jurisprudência até o momento não tem sido particularmente destacada.

 Órgãos regionais

Os sistemas de proteção criados por organizações regionais (a Comunidade Européia, a Organização de Estados Americanos e a Organização de Unidade Africana) optaram por um enfoque que atribui grande importância à decisão judicial independente após uma análise factual das alegações de não cumprimento. Os sistemas são baseados em tratados, o que elimina as dúvidas sobre a natureza obrigatória das decisões. O problema é que grandes partes do mundo (a Ásia e o Oriente Médio) ficam sem qualquer sistema regional, assim como existe um enorme diferencial entre os sistemas existentes no que diz respeito a sua efetividade, seu alcance e sua aceitação.

O sistema europeu é de longe o mais avançado e bem estabelecido dos três. O africano é o de menor efetividade e credibilidade, e o Interamericano situa-se em posição intermediária: temos normas substantivas bem desenvolvidas e instituições que têm alcançado um desempenho importante; no entanto o sistema Interamericano é ainda frágil e cumpre a sua promessa apenas até certo ponto.

O sistema europeu é de natureza quase que exclusivamente judicial, e esta tendência foi fortalecida pelas últimas reformas que acabam de entrar em vigor. Consiste agora de uma única corte que trabalha em diversas câmaras; mesmo quando formado por uma Comissão e uma Corte, entretanto, os procedimentos em ambos os órgãos em muito se assemelhavam aos aspectos de julgamentos de fato. Por um longo período, o sistema tem permitido às vítimas uma posição autônoma; os Estados têm sempre respondido e cooperado com os órgãos; e quando confrontados com decisões adversas raramente têm ousado desobedecer. Muitos fatores contribuem para esse sucesso, mas citaremos aqueles que separam o sistema europeu do resto. Primeiramente, a aceitação da Convenção Européia de Direitos Humanos a da jurisdição obrigatória de seus órgãos é condição explícita para integrar a Comunidade Européia. Em segundo lugar, as decisões da Comissão e da Corte são incluídas na agenda do Conselho de Ministros até que o Estado afetado cumpra com elas, e o não cumprimento traz consigo a real possibilidade de suspensão da Comunidade. Em terceiro lugar, tendo em vista que todos os Estados Membros são democráticos, o objeto da atenção dos órgãos são pontos relativamente técnicos da lei e não eventos traumáticos e violações de fato que deixam feridas abertas na sociedade por gerações. Em quarto lugar, como conseqüência, os Estados que são trazidos perante a Corte Européia não encaram o fato como afetando a honra e a dignidade da Nação, portanto, embora o ajuste de suas leis e práticas domésticas segundo as determinações dos órgãos seja por vezes difícil de aceitar, ele não traz consigo nenhum estigma. Por estas razões, o sistema europeu de proteção dos direitos humanos tornou-se uma fonte importante de legislação no campo dos direitos humanos, principalmente através da aplicação dos padrões a casos específicos. Podemos discordar da sabedoria de algumas decisões, mas como um todo o sistema europeu provou que a maneira de se alcançar o desenvolvimento progressivo das normas de direitos humanos é através de decisões independentes dos processos judiciais.

No outro extremo, o sistema africano está direcionado principalmente para atividades promocionais, com um mecanismo de reclamações muito fraco. Consiste apenas de uma Comissão, que tem recebido um número muito reduzido de reclamações, refletindo a falta de confiança das vítimas na sua efetividade. Por muitos anos levou vagarosamente adiante as poucas reclamações; a essa altura já emitiu alguns julgamentos, e recentemente tem efetuado algumas missões em busca de fatos em alguns países africanos. Entretanto, o grosso do seu trabalho continua sendo dedicado à educação em direitos humanos e a outras formas de promoção. Por iniciativa da África do Sul, um projeto de protocolo foi recentemente aprovado para a criação de uma Corte Africana de Direitos Humanos ao lado da Comissão existente, mas é difícil prever quando entrará em vigor.

O sistema Interamericano evoluiu ao longo dos anos desde 1959, quando a Comissão foi criada por resolução. A Comissão posteriormente tornou-se órgão da Carta da OEA, e em 1979, foi transformada em órgão de tratado de direitos humanos pela sua incorporação à Convenção Americana de Direitos Humanos que entrou em vigor naquele ano. Simultaneamente, a Convenção criou a Corte Interamericana de Direitos Humanos como um órgão separado porém coordenado com a Comissão. O sistema combina a promoção e a decisão judicial, e esta por meios judiciais e quase judiciais. De maneira significativa, o sistema Interamericano é híbrido, incorporando todas as tendências que evoluíram na promoção e na proteção dos direitos humanos nos últimos cinqüenta anos.

A Comissão Interamericana atua na promoção elaborando declarações e convenções futuras, levando questões de direitos humanos à atenção dos órgãos políticos da OEA, respondendo a consultas de Estados quanto à consistência de leis e projetos de lei domésticos com normas internacionais, e oferecendo alguns cursos sobre o sistema para públicos alvo específicos nas Américas. As tarefas promocionais no sistema são muito potencializadas pela existência e atividade do Instituto Interamericano de Direitos Humanos, uma instituição acadêmica e de pesquisa criada pela Corte em 1980. Quanto à proteção, a Comissão tem um mandato muito amplo e uma diversidade de mecanismos efetivos; ela organiza visitas in loco a países e prepara relatórios abrangentes sobre a situação de direitos humanos. Esses relatórios são posteriormente publicados e submetidos à Assembléia Geral da OEA, onde, ao menos em teoria, estão sujeitos a debate. As visitas in loco e os relatórios têm um impacto decisivo sobre a situação de direitos humanos em um dado país, tanto pelo potencial de um debate político e diplomático de ampla divulgação, quanto pela longa e bem estabelecida tradição de precisão e de qualidade analítica séria do trabalho da Comissão.

A Comissão tem igualmente jurisdição para receber reclamações de indivíduos, sob a Convenção para aqueles Estados partes do tratado, e sob a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem para todos os membros da OEA. O procedimento é quase judicial, mas crescentemente inclui audiências orais e testemunhos de viva voz, e não apenas um intercâmbio de documentos. Os reclamantes e os representantes do Estado recebem oportunidades em geral equivalentes de participação no procedimento. A Comissão expede medidas precautórias em casos urgentes, pode oferecer seus serviços a ambas as partes com o objetivo de se alcançar um acordo amigável, e por fim emite um relatório como sua decisão final, que freqüentemente inclui recomendações específicas ao governo se a decisão for contra este. Se um Estado não as cumpre, a Comissão tem a capacidade discricionária para enviar o caso à Corte.

A Corte Interamericana tem tanto jurisdição contenciosa quanto recomendatória. Esta é exercida por meio de “pareceres recomendatórios” que não são obrigatórios, mas são interpretações altamente gabaritadas da Convenção e de outros tratados de direitos humanos. São emitidos a pedido de Estados Partes ou de algumas das agências inscritas na OEA. A jurisdição contenciosa consiste de um mecanismo de reclamação que pode ser ativado por Estados seja contra outro Estado Parte seja para recusar uma decisão da Comissão. Infelizmente, estes dois meios de acionamento da jurisdição da Corte jamais foram experimentados. A única outra maneira de chegar à Corte com um caso contencioso é por intermédio da Comissão, ao final de seu tratamento de uma petição. Por causa da natureza discricionária desta decisão da Comissão (em contraste com a Europa, onde a Comissão já enviou casos à Corte - em respeito ao direito de acesso do peticionário a ela - mesmo quando a sua maioria entendeu não ter havido violação), o número de casos da Corte permanece relativamente baixo. A Corte, no entanto, tem emitido algumas decisões importantes em anos recentes, e freqüentemente estas decisões têm estabelecido precedentes importantes que são amplamente citados dentro e fora das Américas.

Crítica

O sistema internacional de proteção deve continuar a ser diversificado e a contar com enfoques múltiplos. A preferência que temos expressado por mecanismos baseados em tratados e judiciais não deve ser interpretada como excluindo outras possibilidades. O estabelecimento de padrões e outras atividades promocionais são melhor realizados em foros que permitem aos representantes dos Estados manter debates doutrinários com especialistas, e onde a agenda não está limitada pelas exigências de uma controvérsia. De fato, as contribuições intelectuais que resultam do debate aberto e do trabalho de relatores especiais e de grupos de trabalho são ingredientes indispensáveis que membros bem informados dos órgãos de tratado devem utilizar para chegar a decisões em casos específicos. Nosso ponto de vista, contudo, é que no atual estágio de desenvolvimento de nossa área, as opiniões cuidadosamente elaboradas emitidas em processos judiciais são o meio mais importante de avançar no conteúdo do direito internacional por intermédio do desenvolvimento progressivo.

Na atual conjuntura, o desenvolvimento progressivo se vê tolhido pela atitude de Estados que julgam conveniente escapar a suas responsabilidades alegando que as decisões dos órgãos não têm valor obrigatório, mesmo em casos nos quais o Estado participou ativamente do procedimento. Tais alegações são impossíveis quando o órgão emitindo a decisão foi criado por um tratado multilateral e cuja competência para emitir tal decisão foi livremente acordada pelo Estado. Isto não assegura o cumprimento da decisão, mas certamente elimina o argumento ilusório para justificar o não cumprimento.

As decisões alcançadas após um procedimento que garante todos os direitos do processo legal a todas as partes será de mais fácil aceitação por estas. Os Estados que participam por meio de seus representantes em todas as etapas do procedimento relutarão menos no cumprimento se souberem que seus pontos de vista receberam uma audiência imparcial. Nada garante que a base factual da decisão representará a verdade do que realmente ocorreu, mas as chances de um erro judicial quando todos os testemunhos e demais provas estão sujeitos ao exame minucioso e a interrogatórios serão muito reduzidas. Pela mesma razão, uma decisão alcançada após um processo do contraditório com plenas garantias de processo legal sempre terá uma qualidade de persuasão e credibilidade perante a opinião pública que as torna virtualmente incontestáveis.

É claro que haverão más e boas decisões, como em todas as outras cortes e tribunais em todo o mundo. Porém, um sistema que tende cada vez mais aos processos judiciais baseados em tratados irá atrair mais atenção aos trabalhos dos órgãos judiciais e quase judiciais, cujos membros estarão mais atentos às necessidades de agir através da pesquisa e do trabalho profissional e confiável. Com o tempo, bons juristas serão quase que inevitavelmente atraídos aos órgãos que aumentem sua reputação e prestígio através de decisões de credibilidade e de rigor intelectual.

O caminho rumo aos órgãos e procedimentos baseados em tratados e judiciais é, evidentemente, o mais difícil. Não há nenhuma razão para otimismo com relação à perspectiva de países voluntariamente abrirem mão de parcelas de sua soberania e permitirem que órgãos externos decidam sobre assuntos de direitos humanos. É por isso que é importante manter sistemas de proteção que não dependam inteiramente do consentimento dos Estados, mesmo que o seu valor no desenvolvimento de padrões seja em muito diminuído. O objetivo é, contudo, defender e fazer lobby visando a obter tratados e protocolos opcionais com essas características, e fazê-lo intensivamente e de forma sustentada.

Ao mesmo tempo, deveríamos ser realistas e sinceros sobre as limitações dos modelos atuais de órgãos de tratado com mecanismos judiciais ou quase judiciais. Seria um erro silenciar nossas críticas de suas limitações - tanto em termos de falhas processuais, quanto da qualidade de sua jurisprudência - apenas para apresentá-los como modelos. De fato a crítica aberta e justa é a única maneira de ajudá-los a melhorar, e ao mesmo tempo essa crítica focaliza os modelos ideais de enfoques judiciais que queremos.

Nesse sentido, importa ressaltar que, entre os sucessos que superam suas limitações, todos os órgãos existentes têm coisas que deveriam ser criticadas. Para mencionar apenas alguns, os órgãos de tratados das Nações Unidas deveriam ser justamente criticados por terem uma visão excessivamente estreita de seus mandatos. Por exemplo, em uma de suas primeiras decisões a CAT recusou jurisdição em um caso onde a interpretação da obrigação de um Estado requeria ultrapassar ligeiramente a Convenção para Eliminar a Tortura para examinar a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, um instrumento que se considera, de qualquer forma, direito internacional consuetudinário.

A doutrina da Corte européia de “margem de consideração” tem sido justamente criticada por dar excessiva margem aos Estados Partes para decidirem sozinhos o que a Convenção exige deles. No sistema Interamericano, a Corte tem relutado em identificar violações de jure em legislações que são obviamente inconsistentes com a Convenção Americana, como as cortes militares que são quase por definição não independentes. O sistema Interamericano deveria ser melhorado em diversas maneiras processuais e institucionais também, embora uma análise abrangente daquilo que necessita de melhorias está além do alcance deste artigo.

Para as nossas finalidades, importa ressaltar que o sistema Interamericano ainda não concede plena igualdade de recursos a peticionários e a Estados. No final dos procedimentos, perante a Comissão (e por meio de uma interpretação equivocada da Corte sobre o que é exigido pelos Artigos 50 e 51 da Convenção), o relatório da Comissão com a decisão sobre a reclamação repentinamente se torna confidencial e ex parte durante três meses cruciais. As vítimas e os peticionários não têm acesso à Corte, e como os Estados jamais exercitam sua própria prerrogativa de submeter casos, seu único recurso reside em convencer a Comissão a fazê-lo. Esta limitação é agravada pelo fato de que a capacidade discricionária da Comissão de tomar tal decisão não é constrangida ou instruída por quaisquer critérios identificáveis - muito menos explícitos.

Em processos perante a Corte, os peticionários somente podem atuar como membros ad hoc da delegação da Comissão, uma metodologia que se assemelha àquela que se utilizava na Europa até 1982. Pode não ser razoável a expectativa de que os peticionários sejam permitidos a levar seus casos à Corte sem o “filtro” da Comissão; mas uma vez que o caso esteja devidamente perante a Corte, as vítimas deveriam ter locus standi autônomo como parte no processo quanto a objeções preliminares e ao mérito (atualmente elas têm posição autônoma somente na terceira e última etapa da compensação).

Uma importante fraqueza do sistema Interamericano encontra-se na execução das decisões dos órgãos. Alguns países têm a posição de que, mesmo agindo sob a Convenção, os relatórios da Comissão não são obrigatórios e possuem apenas o relativo poder de “recomendações”, que os Estados têm liberdade de descartar. Uma vez mais, a explicação do porquê esta teoria é incorreta estaria além do alcance deste artigo; basta dizer que tal argumentação teria maior peso se fosse feita de boa fé, e que tal boa fé seria demonstrada pelo Estado se, ao recusar atender à decisão da Comissão, buscasse uma revisão pela Corte, uma vez que é indiscutível prerrogativa do Estado submeter o caso ao órgão judicial do sistema. Além disso, as determinações da Convenção com relação à execução são, sem dúvida, fracas. Ambos os órgãos apresentam relatórios anuais à Assembléia Geral e poderiam, teoricamente, utilizar esta oportunidade para buscar apoio diplomático se um Estado está em situação de não cumprimento. Na prática, a Assembléia Geral não tem realizado um debate sério sobre os relatórios dos órgãos nos últimos anos, embora a possibilidade de tal debate tenha sido útil em convencer alguns Estados recalcitrantes ao cumprimento. De outra parte, a Convenção também afirma que as sentenças da Corte podem ser executadas (presumivelmente com relação a compensação) perante as cortes do Estado em situação de não cumprimento. Isto jamais foi tentado, e as perspectivas desta solução parecem realmente reduzidas. Dever-se-ia simplesmente comparar estes mecanismos de execução com aqueles do sistema europeu, explicados acima, para ver que muito poderia ser melhorado nas Américas nesse aspecto.

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