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A convenção americana sobre direitos humanos e sua integração ao processo penal brasileiro

Sylvia Helena F. Steiner* 

* Dissertação de Mestrado em Direito Internacional apresentada junto à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em 21 de junho de 1999. Professor Orientador: Dr. João Grandino Rodas.

 

O trabalho foi desenvolvido com base na análise da evolução histórica dos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, com ênfase naqueles que maior impacto exerceram sobre a comunidade internacional. Sua origem situa-se nos primeiros tratados de repressão ao tráficos de escravos e de repressão à escravatura, seguidos pelos primeiros tratados de Direito humanitário, de meados do século passado, como marcos dessa nova visão que confere aos Estados a responsabilidade pela proteção das pessoas ou de grupos de pessoas sujeitas à violação de seus direitos por atos de outros Estados. Neste século, especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial, a adoção de um sistema internacional de proteção aos indivíduos ganhou especial impulso, como fruto das barbaridades perpetradas no período, proclamando-se ser a proteção aos direitos fundamentais matéria não mais do interesse doméstico dos Estados, mas do interesse da humanidade em seu todo.

Os tratados elaborados a partir da proclamação de direitos da Declaração Universal da 1948 vieram consagrar não só os direitos e garantias individuais, oponíveis contra os Estados, mas também direitos econômicos, sociais e culturais, albergados sob o princípio da universalidade e da indivisibilidade, exigíveis dos Estados e da comunidade internacional.

Além desse marco, a evolução do sistema de proteção a direitos fundamentais teve como grande avanço a consagração do indivíduo como sujeito de Direito Internacional, com legitimidade, portanto, para comparecer perante instâncias internacionais na busca de proteção e reparação contra a violação de seus direitos.

Essa evolução, chamada “generacional” por alguns doutrinadores, parte, portanto, da Declaração Universal, desenvolve-se com a produção dos Pactos de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, e se regionaliza, com a elaboração das Convenções Européia e Americana de Direitos Humanos. Dentro dessa linha de evolução, também surgem os tratados chamados de “proteção específica”, em razão de grupos especialmente vulneráveis, como, a exemplo, as crianças, as mulheres, os apátridas, os refugiados, dentre outros; ou de situações intoleráveis à vista dos preceitos da Declaração Universal, como o racismo, a tortura, o apartheid.

O trabalho analisa sinteticamente vários desses instrumentos, para deter-se, com maior ênfase, na Declaração Americana sobre Direitos Humanos, e na Convenção que a sucedeu.

A segunda parte do trabalho debruça-se sobre a discussão doutrinária que envolve a natureza do sistema normativo internacional, de suas formas de ingresso e interação com os sistemas normativos internos, e sobre as diversas abordagens possíveis na hipótese de conflitos entre ambos. A lição dos mais respeitados internacionalistas é trazida, juntamente com a de jusfilósofos como Kelsen, que adotava entendimento aliado ao dos chamados monistas internacionalistas. A partir da compreensão da matéria sob o prisma doutrinário internacional, fez-se uma análise do tratamento que a doutrina pátria conferiu à matéria, desde o início do século, passando pela lições de Clóvis Bevilacqua, Hildebrando Accioly e Pontes de Miranda, entre outros, até nossos dias, destacando-se os ensinamentos de Marotta Rangel e Celso D. de Albuquerque Mello, dentre outros mais.

A seguir, o trabalho traz a abordagem que vem sendo dada por diversos sistemas normativos às regras internacionais de proteção de direitos fundamentais, apontando-se para inúmeras Constituições que trazem expressa a previsão de prevalência destas sobre as normas de Direito interno. Em outros países, nos quais os textos constitucionais não trazem disposição expressa, seus mais modernos constitucionalistas tratam dos chamados “direitos materialmente constitucionais”, para significar que, em qualquer Estado democrático de Direito, as normas de proteção aos direitos humanos estão contidas, ainda que não formalmente, nas previsões de proteção e garantia de seus textos.

Partindo assim da premissa de que quaisquer normas de proteção a direitos fundamentais constituem normas materialmente constitucionais, e portanto oponíveis ao legislador interno, o trabalho analisa os precedentes do Supremo Tribunal Federal, a partir do leading case que alterou o posicionamento daquela Corte, o R.E. n. 80.004 (RTJ 83/809). A partir da radical mudança de entendimento da Suprema Corte, que colocou os tratados internacionais – genericamente considerados – no patamar das leis ordinárias, defende a autora o tratamento diferenciado que devem merecer os tratados específicos de proteção aos direitos fundamentais, não só em face da lição doutrinária dos constitucionalistas modernos, como acima mencionado, mas principalmente em face da disposição constitucional expressa pelo art. 5º, § 2º, que lhes confere esse status diferenciado.

A terceira parte do trabalho, seguindo a premissa assim fixada, analisa diversos dispositivos da Constituição atual, que em tese limitariam alguns dos direitos e garantias previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos e nos dois Pactos, incorporados à normativa interna por força de sua ratificação e promulgação. Nessa hipótese, o aparente conflito resolver-se-ia pelo princípio pro hominis, consagrado pela doutrina e jurisprudência internacionais, segundo o qual resolver-se-ia sempre pela prevalência da regra que melhor proteja os direitos da pessoa humana. A questão não implicaria, pois, negativa de vigência de norma constitucional, mas de recurso à hermenêutica para interpretação, já que o conflito, em matéria de direitos e garantias fundamentais, seria sempre aparente.

Já quanto à legislação ordinária, e mais especificamente às normas processuais penais, aponta o trabalho para uma série de confrontos com disposições expressas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Depois de tecer considerações acerca do modelo garantista de Direito Penal e Processual Penal agasalhado por nossa Constituição, o trabalho discorre sobre algumas previsões do Código de Processo Penal e da legislação processual penal esparsa para afirmar a sua revogação, como conseqüência de sua incompatibilidade com as normas convencionais, em si mesmas, e vistas como preceitos integrantes do rol de direitos e garantias fundamentais do art. 5º da Constituição. Mesmo sem propor-se a apreciar todos os dispositivos legais que estariam derrogados pela Convenção Americana, o trabalho estende-se sobre aqueles que se têm por mais flagrantemente incompatíveis, como, a exemplo, as disposições trazidas nos artigos 594 e 595 do Código de Processo Penal.

A conclusão do texto vem no sentido de que os Poderes do nosso País não estão acostumados a tratar com a normativa decorrente de tratados internacionais. O princípio cogente do pacta sunt servanda muitas vezes é desprezado pelo legislador ordinário e pela maioria de nossos tribunais.

Afirma que a evolução do sistema de proteção internacional de direitos humanos é um processo irreversível. Com a aceitação da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil está sujeito a ser demandado perante aquela Corte, pelo desrespeito às normas convencionais às quais se obrigou a cumprir e a dar cumprimento. A responsabilidade internacional pela violação de tratados internacionais na admite a escusa da incompatibilidade da norma convencional com o Direito interno. Nem interessa às cortes internacionais qual o órgão do Poder que violou o cumprimento dos tratados. A responsabilidade é do Estado, como sujeito de Direito Internacional. Assim, conclui o trabalho que, ao negar vigência à norma processual penal incorporada ao Direito interno pela ratificação da Convenção Americana, pode o País ser responsabilizado perante as cortes internacionais por descumprimento de tratados e por violação a direitos e garantias fundamentais reconhecidos e consagrados.

O trabalho acadêmico está sendo lançado pela Editora Revista dos Tribunais, com prefácio de Alberto Silva Franco, que traz uma abordagem de suas proposições sob o prisma do Direito Internacional e do processo chamado de globalização, para concluir que se deve ver a proteção dos direitos humanos perspectivados numa nova dimensão de mundo globalizado, tomando-se enfim a sério o Direito Internacional dos Direitos Humanos.

 

* Sylvia Helena Steiner é Juíza do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo-SP.

 

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