Convenção para a
Repressão do Tráfico de
Pessoas e do Lenocínio
Concluída em Nova Iorque, a 21 de março de 1950.
Assinada pelo Brasil, a 5 de outubro de 1951.
Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 6, de 1958.
Depósito do instrumento de ratificação na ONU, a 12 de setembro de
1958.
Promulgada pelo Decreto nº 46.981, de 8 de outubro de 1959.
Publicada no Diário Oficial de 13 de outubro de 1959.
PREÂMBULO
Considerando que a prostituição e o
mal que a acompanha, isto é, o tráfico de pessoas para fins de
prostituição, são incompatíveis com a dignidade e o valor de
pessoa humana e põem em perigo o bem-estar do indivíduo, da família
e da comunidade,
Considerando que, com relação à
repressão do tráfico de mulheres e crianças, estão em vigor os
seguintes instrumentos internacionais:
1º) Acôrdo internacional de 18 de
maio de 1904 para a repressão do tráfico de mulheres brancas,
emendado pelo Protocolo aprovado pela Assembléia Geral das Nações
Unidas a 3 de dezembro de 1948.
2º) Convenção Internacional de 4 de
maio de 1910, relativa à repressão do tráfico de mulheres brancas,
emendada pelo Protocolo acima mencionado.
3º) Convenção Internacional de 30 de
setembro de 1921 para a repressão do tráfico de mulheres e
crianças, emendada pelo Protocolo aprovado pela Assembléia Geral das
Nações Unidas a 20 de outubro de 1947.
4º) Convenção Internacional de 11 de
outubro de 1933 relativa à repressão do tráfico de mulheres
maiores, emendada pelo Protocolo acima referido,
Considerando que a Liga das Nações
havia elaborado em 1957 um projeto de Convenção para ampliar o campo
de ação dos aludidos instrumentos e
Considerando que a evolução ocorrida
depois de 1937 permite concluir uma convenção que uniforme os
instrumentos acima mencionados e inclua o essencial do projeto da
Convenção de 1937, com as emendas que se julgou conveniente
introduzir:
Em conseqüência
As partes contratantes
Convêm no seguinte:
Artigo 1º
As partes na presente Convenção
convêm em punir tôda pessoa que, para satisfazer às paixões de
outrem:
1º) aliciar, induzir ou desencaminhar,
para fins de prostituição, outra pessoa, ainda que com seu
consentimento;
2º) explorar a prostituição de outra
pessoa, ainda que com seu consentimento.
Artigo 2º
As partes na presente Convenção
convêm igualmente em punir tôda pessoa que:
1º) Mantiver, dirigir ou,
conscientemente, financiar uma casa de prostituição ou contribuir
para êsse financiamento.
2º) Conscientemente, dar ou tomar de
aluguel, total ou parcialmente, um imóvel ou outro local, para fins
de prostituição de outrem.
Artigo 3º
Deverão ser também punidos, na medida
permitida pela legislação nacional, tôda tentativa e ato
preparatório efetuado com o fim de cometer as infrações de que
tratam os Artigos 1º e 2º.
Artigo 4º
Será também na medida permitida pela
legislação nacional, a participação intencional nos atos de que
tratam os Artigos 1º e 2º acima.
Os atos de participação serão
considerados, na medida permitida pela legislação nacional, como
infrações distintas, em todos os casos em que fôr necessário assim
proceder para impedir a impunidade.
Artigo 5º
Em todos os casos em que uma pessoa
ofendida fôr autorizada pela legislação nacional a se constituir
parte civil por causa de qualquer das infrações de que trata a
presente Convenção, os estrangeiros estarão igualmente autorizados
a se constituir parte civil, em igualdade de condições, com os
nacionais.
Artigo 6º
Cada Parte na presente Convenção
convem em adotar tôdas as medidas necessárias para ab-rogar ou
abolir tôda lei, regulamento e prática administrativa que obriguem a
inscrever-se em registros especiais, possuir documentos especiais ou
conformar-se a condições excepcionais de vigilância ou de
notificação as pessoas que se entregam ou que se supõem entregar-se
à prostituição.
Artigo 7º
Qualquer condenação anterior,
pronunciada em Estado Estrangeiro por um dos atos de que trata a
Convenção, será, na medida permitida pela legislação nacional,
tomada em consideração:
1º) Para estabelecer a reincidência,
2º) Para declarar incapacidade, perda
ou interdição de direito público ou privado.
Artigo 8º
Os atos de que tratam os Artigos 1º e
2º da presente Convenção serão considerados como casos de
extradição em todos os tratados de extradição, concluídos ou por
concluir, entre Partes na presente Convenção.
As Partes na presente Convenção, que
não subordinem a extradição à existência de um tratado,
reconhecerão, de agora em diante, os atos de que tratam os Artigos
1º e 2º da presente Convenção como caso de extradição entre
elas.
A extradição será concedida de
acôrdo com o direito do Estado ao qual foi requerida.
Artigo 9º
Os nacionais de um Estado, cuja
legislação não admitir a extradição de nacionais que regressam a
êsse Estado após haverem cometido no estrangeiro qualquer dos atos
de que tratam os Artigos 1º e 2º da presente Convenção, deverão
ser julgados e punidos pelos tribunais de seu próprio Estado.
Esta disposição não será
obrigatória se, em caso análogo e que interessar à Parte na
presente Convenção, não puder ser concedida a extradição de um
estrangeiro.
Artigo 10
As disposições do Artigo 9º não se
aplicarão quando o réu tiver sido julgado em um Estado estrangeiro
e, em caso de condenação, se cumpriu a pena ou se gozou do
benefício de comutação ou redução da pena prevista pela lei do
referido Estado estrangeiro.
Artigo 11
Nenhuma das disposições da presente
Convenção poderá ser interpretada como prejudicial à situação de
uma Parte na Convenção com referência à questão geral da
competência da jurisdição penal em Direito Internacional.
Artigo 12
A presente Convenção não afeta o
princípio de que os atos a que se refere deverão, em cada Estado,
ser qualificados, processados e julgados de acôrdo com a legislação
nacional.
Artigo 13
As Partes na presente Convenção
serão obrigadas a executar as cartas rogatórias relativas às
infrações de que trata a Convenção, de acôrdo com as leis e
costumes nacionais.
A transmissão de cartas rogatórias
será efetuada:
1º) Por comunicação direta entre as
autoridades judiciárias;
2º) Por correspondência direta entre
Ministros da Justiça dos dois Estados, ou por comunicação direta de
outra autoridade competente do Estado requerente ao Ministro da
Justiça do Estado requerido;
3º) Por intermédio do representante
diplomático ou consular do Estado requerente no Estado requerido;
êsse representante enviará diretamente as cartas rogatórias à
autoridade judiciária competente ou à autoridade indicada pelo
Govêrno do Estado requerido e dela receberá diretamente os
documentos necessários à execução das cartas rogatórias.
Nos casos 1 e 3, uma cópia da carta
rogatória deverá ser, na mesma ocasião, encaminhada à autoridade
superior do Estado requerido.
Salvo acôrdo em contrário, a carta
rogatória deverá ser redigida no idioma da autoridade requerente,
ressalvando-se ao Estado requerido o direito de solicitar uma
tradução em seu próprio idioma, devidamente autenticada pela
autoridade requerente.
Cada Parte na presente Convenção
comunicará a cada uma das outras Partes Contratantes a forma ou
formas de transmissão dentre as acima mencionadas que admitirá para
as cartas rogatórias da referida Parte.
Até que um Estado faça tal
comunicação, o processo em vigor para cartas rogatórias será
mantido.
A execução das cartas rogatórias
não poderá ocasionar o reembôlso de quaisquer direitos ou despesas,
salvo as de perícia.
Nenhuma das disposições do presente
Artigo deverá ser interpretada como compromisso das Partes na
presente Convenção em admitir uma derrogação de suas leis, no que
se refere ao processo e aos métodos empregados para estabelecer a
prova em matéria penal.
Artigo 14
Cada uma das Partes na presente
Convenção deverá criar ou manter um serviço encarregado de
coordenar e centralizar os resultados das investigações relativas
às infrações de que trata a presente Convenção.
Êsses serviços deverão reunir tôdas
as informações que possam facilitar a prevenção e a repressão das
infrações de que trata a presente Convenção e deverão manter
estreitas relações com os serviços correspondentes dos demais
Estados.
Artigo 15
As autoridades encarregadas dos
serviços mencionados no Artigo 14 fornecerão às autoridades
encarregadas dos serviços correspondentes nos demais Estados, na
medida permitida pela legislação nacional e, quando julgarem útil,
as seguintes informações:
1ª) dados pormenorizados relativos a
qualquer infração ou tentativa de infrações de que trata a
presente Convenção;
2ª) dados pormenorizados relativos a
investigações, processos, detenções, condenações, recusas e
admissão ou expulsões de pessoas culpadas de quaisquer das
infrações de que trata a presente Convenção, bem como aos
deslocamentos dessas pessoas e quaisquer informações úteis a
respeito das mesmas.
As informações que serão fornecidas
compreenderão notadamente a descrição dos delinqüentes, suas
impressões digitais e fotografia, indicações sôbre os métodos
habituais, autos policiais e registros criminais.
Artigo 16
As Partes na presente Convenção se
comprometem a adotar medidas para a prevenção da prostituição e
para assegurar a reeducação e readaptação social das vítimas da
prostituição e das infrações de que trata a presente Convenção,
bem como a estimular a adoção dessas medidas por seus serviços
públicos ou privados de caráter educativo, sanitário, social,
econômico e outros serviços conexos.
Artigo 17
No que se refere à imigração, as
Partes na presente Convenção convêm em adotar ou manter em vigor,
nos limites de suas obrigações definidas pela presente Convenção,
as medidas destinadas a combater o tráfico de pessoas de um ou outro
sexo para fins de prostituição:
Comprometem-se principalmente:
1º) a promulgar os regulamentos
necessários para a proteção dos imigrantes ou emigrantes, em
particular das mulheres e crianças, quer nos lugares de partida e
chegada, quer durante a viagem;
2º) a adotar disposições para
organizar uma propaganda apropriada destinada a advertir o público
contra os perigos dêsse tráfico;
3º) a adotar medidas apropriadas para
manter a vigilância nas estações ferroviárias, aeroportos, portos
marítimos, em viagens e lugares públicos a fim de impedir o tráfico
internacional de pessoas para fins de prostituição;
4º) a adotar as medidas apropriadas
para que as autoridades competentes estejam ao corrente da chegada de
pessoas que pareçam "prima facie" culpadas, co-autoras ou
vítimas dêsse tráfico.
Artigo 18
As Partes na presente Convenção
convêm em tomar, de acôrdo com as condições estipuladas pelas
respectivas legislações nacionais, as declarações das pessoas de
nacionalidade estrangeira que se entregam à prostituição, a fim de
estabelecer sua identidade e estado civil e procurar quem as induziu a
deixar seu Estado. Tais informações serão comunicadas às
autoridades do Estado de origem das referidas pessoas para eventual
repatriação.
Artigo 19
As Partes na presente Convenção se
comprometem, conforme as condições estipuladas pela respectiva
legislação nacional, e sem prejuízo de processos ou de qualquer
outra ação motivada por infrações a suas disposições, e tanto
quanto possível:
1º) A tomar as medidas apropriadas
para prover as necessidades e assegurar a manutenção,
provisòriamente, das vítimas do tráfico internacional para fins de
prostituição, quando destituídas de recursos, até que sejam
tomadas tôdas as providências para repatriação.
2º) A repatriar as pessoas de que
trata o Artigo 18, que o desejarem ou que forem reclamadas por pessoas
que sôbre elas tenham autoridade e aquelas cuja expulsão foi
decretada conforme a lei. A repatriação não será efetuada senão
depois de entendimento com o Estado de destino, sôbre a identidade e
a nacionalidade, assim como sôbre o lugar e a data da chegada às
fronteiras. Cada uma das Partes na presente Convenção facilitará o
trânsito das pessoas em aprêço no seu território. Quando as
pessoas de que trata a alínea precedente não puderem pessoalmente
arcar com as despesas de repatriação e quando não tiverem cônjuge,
nem parentes, nem tutor que pague por elas, as despesas de
repatriação estarão a cargo do Estado onde elas se encontram, até
a fronteira, pôrto de embarque ou aeroporto mais próximo na
direção do Estado de origem, e, em seguida, a cargo do Estado de
origem.
Artigo 20
As partes na presente Convenção,
convêm, se já não o fizeram, em adotar as medidas necessárias para
exercer vigilância nos escritórios ou agências de colocação, para
evitar que as pessoas que procuram emprêgo, especialmente as mulheres
e crianças, fiquem sujeitas ao perigo da prostituição.
Artigo 21
As Partes na presente Convenção
comunicarão ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas
suas leis e regulamentos relativos à matéria da presente
Convenção, assim como tôdas as medidas que tomarem para aplicar a
Convenção. As informações recebidas serão publicadas
periòdicamente pelo Secretário Geral e enviadas a todos os membros
da Organização das Nações Unidas e aos Estados não membros aos
quais a presente Convenção tiver sido oficialmente comunicada, de
acôrdo com as disposições do Artigo 23.
Artigo 22
Se surgir entre as Partes na presente
Convenção qualquer dúvida relativa à sua interpretação ou
aplicação, e se esta dúvida não puder ser resolvida por outros
meios, será, a pedido de qualquer das Partes em litígio, submetida
à Côrte Internacional de Justiça.
Artigo 23
A presente Convenção será aberta à
assinatura de todos os Estados membros da Organização das Nações
Unidas e de qualquer outro Estado convidado, para êsse fim, pelo
Conselho Econômico e Social. Ela será ratificada e os instrumentos
de ratificação serão depositados junto ao Secretário Geral da
Organização das Nações Unidas.
Os Estados mencionados no parágrafo
primeiro, que não assinaram a Convenção, poderão a ela aderir. A
adesão se fará com o depósito de um instrumento de adesão, junto
ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas.
Para os fins da presente Convenção, a
palavra "Estado" designará também as colônias e
territórios sob tutela, dependentes do Estado que assina ou ratifica
a Convenção, ou que a ela adere, assim como todos os territórios
que êste Estado represente no plano internacional.
Artigo 24
A presente Convenção entrará em
vigor noventa dias depois da data do depósito do segundo instrumento
de ratificação ou de adesão.
Para cada um dos Estados que
ratificarem ou aderirem depois do depósito do segundo instrumento de
ratificação ou adesão, ela entrará em vigor noventa dias depois do
depósito, por êste Estado, de seu instrumento de ratificação ou de
adesão.
Artigo 25
Ao término do prazo de cinco anos a
partir da entrada em vigor da presente Convenção, qualquer Parte na
Convenção pode denunciá-la por notificação escrita endereçada ao
Secretário Geral da Organização das Nações Unidas.
A denúncia produzirá efeitos, para a
Parte interessada, um ano depois de recebida pelo Secretário Geral da
Organização das Nações Unidas.
Artigo 26
O Secretário Geral da Organização
das Nações Unidas notificará a todos os Estados Membros da
Organização das Nações Unidas e aos Estados não membros
mencionados no Artigo 23:
- As assinaturas, ratificações e
adesões recebidas nos têrmos do artigo 23;
- A data da entrada em vigor da
presente Convenção nos têrmos do artigo 24;
- As denúncias recebidas nos têrmos
do artigo 25.
Artigo 27
Cada uma das Partes na presente
Convenção se compromete a tomar, conforme sua Constituição, as
medidas legislativas ou outras necessárias a assegurar a aplicação
da Convenção.
Artigo 28
As disposições da presente
Convenção anulam e substituem, entre as Partes, as disposições dos
instrumentos internacionais nas alíneas 1, 2, 3, e 4 do segundo
parágrafo do preâmbulo; cada um dêles será considerado caduco,
quando tôdas as Partes neste instrumento se tornarem Partes na
presente Convenção.
Em fé do que, os abaixo-assinados,
devidamente autorizados por seus Governos, assinaram a presente
Convenção, aberta à assinatura em Lake Success, Nova Iorque, aos
vinte e um de março de mil novecentos e cinqüenta, uma cópia da
qual, devidamente autenticada, será enviada pelo Secretário Geral a
todos os Estados Membros da Organização das Nações Unidas e aos
Estados não membros de que trata no artigo 23.
PROTOCOLO
FINAL
Nenhuma das disposições da presente
Convenção poderá ser interpretada em detrimento de qualquer
legislação que, para a aplicação das disposições destinadas à
supressão do tráfico internacional de pessoas e do lenocínio,
preveja condições mais rigorosas do que as estipuladas na presente
Convenção.
As disposições dos artigos 23 a 26,
inclusive, da Convenção aplicar-se-ão ao presente Protocolo.
CONGRESSO
NACIONAL
Faço saber que o Congresso Nacional
aprovou, nos têrmos do artigo ......, da Constituição Federal, e eu
promulgo o seguinte:
DECRETO
LEGISLATIVO
Nº 6, de 1958
Aprova a Convenção para a Repressão
do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, concluída em Lake Success,
Estados Unidos da América do Norte, a 21 de março de 1950, e firmada
pelo Brasil a 5 de outubro de 1951.
Art. 1º É aprovada a Convenção para
a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, concluída em
Lake Success, Estados Unidos da América do Norte, a 21 de março de
1950, e firmada pelo Brasil a 5 de outubro de 1951, bem como o seu
Protocolo Final.
Art. 2º Êste decreto legislativo
entrará em vigor na data de sua publicação, revogada as
disposições em contrário.
Senado Federal, em 11 de junho de 1958
Apolônio Salles
Vice-Presidente do Senado Federal,
no exercício da Presidência
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