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Convenção Sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher e Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher

 

Helena Omena Lopes de Faria*

Mônica de Melo**

* Procuradora do Estado Chefe da Procuradoria de Assistência Judiciária Criminal , membro do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

** Procuradora do Estado, membro do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, Mestre em Direito Constitucional, Professora de Direito Constitucional da PUC/SP, Diretora do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública e Coordenadora da ONG "Oficina


1. Introdução

Gostaríamos de iniciar este trabalho ressaltando o lema levado, pelo Movimento de Mulheres, à Conferencia Mundial de Direitos Humanos de Viena (1993): "os direitos da mulher também são direitos humanos".

É inegável, historicamente, que a construção legal e conceitual dos direitos humanos se deu, inicialmente, com a exclusão da mulher.

Embora os principais documentos internacionais de direitos humanos e praticamente todas as Constituições da era moderna proclamem a igualdade de todos, essa igualdade, infelizmente, continua sendo compreendida em seu aspecto formal e estamos ainda longe de alcançar a igualdade real, substancial entre mulheres e homens.

A Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher foi, dentre as Convenções da ONU, a que mais recebeu reservas por parte dos países que a ratificaram.

E em virtude da grande pressão das entidades não governamentais é que houve o reconhecimento de que os direitos da mulher também são direitos humanos ficando consignado na Declaração e Programa de Ação de Viena (item 18) que:

"Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais".

Também por essa razão é que agora se renova essa reflexão por ocasião do quinquagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).

No plano jurídico nacional a Constituição de 1988 significou um marco no tocante aos novos direitos da mulher e à ampliação da cidadania. Fato este que se deveu, principalmente, à articulação das próprias mulheres na Assembléia Nacional Constituinte com a apresentação de emendas populares garantidoras de seus direitos.

A Constituição como documento jurídico e político das cidadãs e cidadãos brasileiros buscou romper com um sistema legal fortemente discriminatório negativamente em relação ao gênero feminino.

Foi assim constitucionalizado como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (não só do homem ou da mulher). Um dos objetivos fundamentais em nosso país é a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Para reforçar ainda mais, a Constituição de 1988 prevê como direito constitucional a igualdade de todos perante a lei sem distinção de qualquer natureza e a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações.

No tocante ao exercício do trabalho ficou proibida a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

No capítulo que trata da família mais uma vez foi destacado que os direitos e deveres devem ser exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. O Estado deve criar mecanismos para coibir a violência doméstica e propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício do direito do planejamento familiar, que é de livre decisão do casal.

Finalmente no plano de proteção internacional no qual o Brasil também se insere, uma vez que a própria Constituição estabelece (§ 2o do art. 5º) que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados e dos tratados internacionais de que o Brasil seja parte, temos dois Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil que tratam especificamente dos direitos das mulheres: Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, ratificada em 1984 e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ratificada em 1995. Os Tratados Internacionais que o Brasil ratifica além de criarem obrigações para o Brasil perante a Comunidade Internacional, também criam obrigações internas gerando novos direitos para as mulheres que passam a contar com uma última instância internacional de decisão quando todos os recursos disponíveis no Brasil falharem na realização da justiça.

Portanto, atualmente é possível peticionar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, apresentando denúncias e queixas no que se refere a prática de violência contra a mulher. Para que possamos também recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos é necessário que se reconheça a sua competência no Brasil, ato que até hoje não foi realizado, embora as pressões de diversas ONGs sejam fortes neste sentido, tendo sido realizada uma recente campanha com coleta de assinaturas em todo o Brasil requerendo sua adesão.

A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, trouxe de forma inovadora a possibilidade da existência da discriminação positiva, ou seja, a possibilidade de adoção, nos países partes, de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher.

Nossa Constituição, neste tema, prevê a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos (art. 7º , XX) e há alguns projetos de lei tramitando no Congresso Nacional objetivando a regulamentação desse artigo. Com esse mesmo objetivo — de acelerar a igualdade de fato entre homem e mulher — temos a recente aprovação da legislação determinando que um determinado número de candidaturas sejam reservadas às mulheres.

Como é possível observar a partir de 1988 houve (e ainda está havendo) um grande avanço na legislação protetiva dos direitos da mulher e ampliativa de sua cidadania. Finalmente, de forma gradual, mas constante, a mulher vai conquistando a almejada igualdade de direitos e a inclusão social.

Entretanto, não podemos perder de vista que o avanço legislativo não é suficiente para a transformação da realidade. Embora tenhamos uma das Constituições mais avançadas do mundo relativamente à proteção dos direitos da mulher, embora tenhamos ratificado os Tratados Internacionais de Proteção da Mulher não podemos pensar que a lei é a única solução para todos os problemas. A realidade é muito mais complexa e as soluções passam pelo direito, pela política, pela educação, pela cultura, pela economia etc., por mais avançada que seja uma legislação, sua aplicação depende dos operadores do direito. A interpretação legislativa efetivada pelo judiciário, pelos advogados e advogadas, procuradoras e procuradores, promotoras e promotores é fundamental para a devida aplicação dos novos direitos da mulher. A aplicação da lei ao caso concreto é intermediada pela ação e interpretação de todos esses atores jurídicos. Para estes atos concorrem necessariamente valores individuais e sociais. Não há neutralidade. Portanto é absolutamente imprescindível que se desenvolva capacidade crítica em relação à valores estratificados, estereótipos, sexismos e preconceitos. A ideologia dominante é patriarcal admitindo a subalternidade social e política das mulheres. Romper com o conservadorismo jurídico reinante é um dos caminhos para que os novos direitos da mulher possam ser aplicados.

Dentro deste quadro o objetivo deste trabalho é modesto, pois objetivamos apenas realizar uma abordagem jurídica dos dois tratados internacionais ratificados pelo Brasil, de promoção e proteção dos direitos da mulher.

Nossa contribuição se volta principalmente aos operadores do direito no sentido de trazer subsídios para uma melhor compreensão desses textos normativos, para que possamos colaborar na construção de uma sociedade mais igualitária, garantidora da democracia e da paz.

 

2. CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER(1)

Antes de enfocarmos o tema central, "Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher", cabe mencionar que a proteção internacional dos direitos das mulheres situa-se no âmbito do chamado "Direito Internacional dos Direitos Humanos" e por isto urge a necessidade de tecermos breves comentários acerca destes direitos, bem como do impacto causado por este movimento no cenário internacional.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos constitui um movimento bastante recente na história mundial, surgindo à partir do Pós Guerra, em decorrência das terríveis violações cometidas durante o nazismo e a crença de que, ao menos parte dessas violações poderiam ter sido evitadas se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse. Surge a certeza de que a proteção dos direitos humanos não deve se reduzir ao âmbito reservado de um Estado, não mais ser concebida como uma questão de jurisdição doméstica, porque revela tema de legítimo interesse internacional.

Neste cenário, o Tribunal de Nuremberg, de 1945-1946, significou um poderoso impulso ao movimento de internacionalização dos direitos humanos, pois reconheceu a idéia da necessária limitação da soberania nacional, eis que os indivíduos têm direitos protegidos pelo Direito Internacional., na condição de sujeitos de direito. A Declaração de 1948 vem a inovar, quando em seu § 5º, afirma que : "Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase".

A concepção universal dos direitos humanos, demarcada pela Declaração sofreu e sofre fortes resistências dos adeptos do movimento do relativismo cultural, no qual a noção de direitos está estritamente relacionada ao sistema político, econômico, cultural, social e moral vigente em determinada sociedade, o que impede a formação de uma moral universal, sendo necessário que se respeitem as diferenças culturais apresentadas por cada sociedade. Entretanto, a contingência histórica e a particularidade de direitos humanos é perfeitamente compatível com a concepção de direitos humanos como direitos morais universais, de modo que não se permite aceitar fortes reivindicações do relativismo cultural.

Pode-se citar as diferenças de padrões morais e culturais entre o islamismo e o hinduísmo e o mundo ocidental , no que tange ao movimento de direitos humanos; exemplificando-se com a prática da clitorectomia e mutilação feminina por muitas sociedades da cultura não ocidental. Entretanto, não se pode tolerar atos de violência, tortura e mutilações, em nome da diversidade ou respeito a tradições culturais ou religiosas que regem o ordenamento secular dessas sociedades. Não se admite nenhuma concessão que implique em violação de direitos humanos, ainda que acobertada pela diversidade cultural. A posição relativista revela o esforço em justificar graves casos de violação dos direitos humanos, que ficariam imunes ao controle da comunidade internacional. Independentemente do sistema político, econômico e cultural, é obrigação dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. A universalidade é enriquecida pela diversidade cultural, a qual jamais pode ser invocada para justificar a denegação ou violação dos direitos humanos.

A partir da Declaração Universal de 1948, o Direito Internacional dos Direitos Humanos começou a desenvolver-se, implicando nos processos de universalização e internacionalização desses mesmos direitos, adotando-se inúmeros tratados internacionais voltados a proteção de direitos fundamentais. Forma-se assim um sistema normativo internacional de proteção dos direitos humanos, no âmbito das Nações Unidas.

Esse sistema normativo é integrado por instrumentos de alcance geral, como os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 e por instrumentos de alcance específico, as Convenções Internacionais que visam responder a determinadas violações de direitos humanos, como por exemplo a discriminação racial, a discriminação contra as mulheres, a tortura e a violação dos direitos da criança.

O sistema geral de proteção tem por endereçado toda e qualquer pessoa, concebida em sua abstração e generalidade. Por sua vez, o sistema especial de proteção realça o processo de especificação do sujeito de direito, que passa a ser visto de forma concreta e específica, pois determinados sujeitos de direitos, ou certas violações de direitos exigem uma resposta diferenciada. Importa o respeito à diversidade e a diferença, assegurando-se um tratamento especial.

Ao lado do sistema normativo global, surge o sistema normativo regional de proteção, que busca internacionalizar os direitos humanos no plano regional, particularmente na Europa, América e África. Ambos os sistemas são complementares e diante deste complexo universo de instrumentos internacionais, cabe a vítima a escolha do aparato mais favorável, pois eventualmente direitos idênticos são tutelados por dois ou mais instrumentos de alcance global ou regional, ou ainda de alcance especial.

É certo que ao adotar-se o valor da primazia da pessoa humana, esses sistemas se complementam, visando a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos fundamentais, constituindo a sistemática internacional como garantia adicional de proteção, instituindo mecanismos de responsabilização e controle internacional, acionáveis quando o Estado se mostra falho ou omisso na tarefa de implementar direitos e liberdades fundamentais.

Ao acolher o aparato internacional de proteção, bem como as obrigações internacionais dela decorrentes, o Estado passa a aceitar o monitoramento internacional no que se refere ao modo pelo qual os direitos fundamentais são respeitados em seu território. Como já mencionado, a ação internacional é sempre uma ação suplementar, constituindo uma garantia adicional de proteção aos direitos humanos.

Essas transformações decorrentes do movimento de internacionalização dos direitos humanos contribuíram para o processo de democratização do próprio cenário internacional, eis que novos sujeitos de direito passaram a participar do cenário internacional. É patente a relação entre democracia e direitos humanos, pois estes inovam a ordem jurídica e reforçam a sistemática de proteção de direitos, permitindo o aperfeiçoamento do próprio regime democrático.

Foi neste cenário que as Nações Unidas aprovaram em 1979 a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, ratificada pelo Brasil em 1984.

A Convenção fundamenta-se na dupla obrigação de eliminar/erradicar a discriminação e a de assegurar/garantir a igualdade. Trata do princípio da igualdade, seja como uma obrigação vinculante, seja como um objetivo.

Para a Convenção, a discriminação contra a mulher significa "toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objetivo ou resultado, prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo"(art. 1º).

Diversas previsões da Convenção também incorporam a preocupação de que os direitos reprodutivos das mulheres devem estar sob seus próprios controles, assegurando que suas decisões sejam livres e benéficas no tocante ao acesso às oportunidades sociais e econômicas. Reconhece-se que mulheres são submetidas a abusos, que precisam ser eliminados (estupro, assédio sexual, exploração sexual...).

Dentre suas previsões, está a urgência em se erradicar todas as formas de discriminação contra as mulheres, a fim de que se garanta o pleno exercício de seus direitos civis , políticos, econômicos e culturais.

Ao ratificar a Convenção, os Estados-partes assumem o compromisso de, progressivamente, eliminar todas as formas de discriminação no tange ao gênero, assegurando efetiva igualdade entre eles. Trata-se de obrigação internacional assumida pelo Estado, ao ratificar, dentre outras, a necessidade de adoção de políticas e legislação igualitária.

A Convenção reflete a visão de que habilidades e necessidades que decorrem de diferenças biológicas entre os gêneros devem também ser reconhecidas e ajustadas , mas sem eliminar a titularidade das mulheres à igualdade de direitos e oportunidades.

Para tanto, a Convenção prevê a possibilidade de adoção de medidas afirmativas ("ações afirmativas"), como importantes medidas a serem adotadas pelos Estados para acelerar o processo de obtenção da igualdade. Permite-se a "discriminação positiva", pela qual os Estados podem adotar medidas especiais temporárias, visando acelerar o processo de igualização de status entre homens e mulheres. Tais medidas cessarão quando alcançado o seu objetivo. São medidas compensatórias que visam remediar as desvantagens históricas, consequências de um passado discriminatório, buscando a pluralidade e diversidade social.

Existe a previsão de instituição de determinado órgão, denominado "Comitê", que é responsável pelo monitoramento dos direitos constantes na Convenção. Esta ainda estabelece, como mecanismo de implementação dos direitos que enuncia, a sistemática dos relatórios. Os Estados-partes têm que encaminhar relatórios ao Comitê das Nações Unidas para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher. Nestes relatórios devem evidenciar o modo pelo qual estão implementando a Convenção e quais as medidas legislativas, administrativas e judiciárias adotadas para este fim. É a primeira vez que os Estados têm que prestar contas a organismos internacionais da forma pela qual protegem os direitos das mulheres, permitindo o monitoramento e fiscalização internacional.

Em que pese o Comitê não ter quase poderes judiciais que o habilitem a sancionar um Estado-parte responsável por violação à Convenção, nem tampouco deter poderes para prever um remédio apropriado em caso de violação, pode oferecer recomendações a Estados específicos, ou a Estados-partes em geral, no sentido de indicar as medidas apropriadas para o cumprimento da Convenção. Entretanto, o meio mais eficaz de exercer pressão em Estados, para que cumpram com suas obrigações, se atém à revisão pública de relatórios específicos submetidos por Estados. Muitos governos se preocupam com a publicidade positiva ou negativa acerca de suas políticas de direitos humanos.

Novos procedimentos devem ser adotados para fortalecer a implementação da igualdade das mulheres, bem como de seus direitos humanos. O comitê deve examinar a possibilidade de introduzir o direito de petição mediante a elaboração de um Protocolo Optativo à Convenção, na medida em que tal mecanismo constitui o sistema mais eficiente de monitoramento dos direitos humanos internacionalmente enunciados. Importante também a introdução de comunicação interestadual que permitiria a um Estado-parte denunciar outro Estado-parte quando este violasse dispositivos da Convenção.

Cabe ressaltar que em que pese diversos Estados terem ratificado esta Convenção, o alcance e a extensão da ratificação são comprometidos em face das reservas, que atingem a essência de seus valores. Esta Convenção é o instrumento internacional que mais fortemente recebeu reservas, dentre as Convenções Internacionais de Direitos Humanos, considerando que ao menos 23 dos 100 Estados-partes, fizeram no total 88 reservas substanciais. Vale dizer que esta Convenção maximizou sua aplicação universal ao custo de ter comprometido sua integridade.

No cenário internacional, a Conferência de Viena, em 1993, reafirmou a importância do reconhecimento universal do direito à igualdade relativa ao gênero, clamando, nos termos do artigo 39, pela ratificação universal da Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, que visa a erradicação de todas as formas de discriminação contra a mulher, tanto implícitas como explícitas, bem como o encorajamento de ações e medidas para reduzir o amplo número de reservas à Convenção. Preceitua ainda no artigo 40 que "os órgãos de monitoramento devem disseminar informações necessárias que permitam às mulheres fazerem um uso mais efetivo dos procedimentos de implementação existentes, com o objetivo do pleno e equânime exercício dos direitos humanos e da não discriminação. Novos procedimentos devem também ser adotados para fortalecer a implementação da igualdade das mulheres, bem como de seus direitos humanos. A Comissão relativa ao Status da Mulher e o Comitê de Eliminação da Discriminação contra as Mulheres devem rapidamente examinar a possibilidade de introduzir o direito de petição mediante a preparação de um Protocolo Optativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres".

Cabe acrescentar que a plataforma mundial dos direitos humanos das mulheres foi reforçada com a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, de 1995, que enfatizou que os direitos das mulheres são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais.

No cenário nacional, a Constituição brasileira de 1988, constitui um marco jurídico de institucionalização dos direitos humanos e da transição democrática no país, ineditamente consagrando o primado do respeito aos direitos humanos como paradigma propugnado para a ordem internacional.

A Constituição Federal de 1988 estabelece ao fim da extensa Declaração de Direitos por ela prevista, que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte" (art. 5º, § 2º). Inova ao incluir dentre os direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais de que o Brasil seja signatário, atribuindo aos direitos internacionais, uma natureza especial e diferenciada, qual seja, de norma constitucional.

Como consequência do processo de democratização iniciado em 1985, o país procurou alinhar-se ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, o que exige uma nova interpretação de princípios tradicionais, como a soberania nacional e a não intervenção, impondo a flexibilização e relativação destes valores. É sem dúvida o documento mais avançado sobre a matéria, na história constitucional do país.

Quanto ao impacto jurídico do Direito Internacional dos Direitos Humanos no direito brasileiro, é certo que este tem como inspiração, paradigma e referência o direito Internacional dos Direitos Humanos. O legislador nacional busca orientação e inspiração neste instrumental, equacionando o direito interno às obrigações internacionalmente assumidas. Seja em face da sistemática de monitoramento internacional, seja em face do extenso universo de direitos que assegura, o Direito Internacional dos Direitos Humanos vem a instaurar o processo de redefinição do próprio conceito de cidadania, no âmbito brasileiro. O conceito de cidadania se vê ampliado e alargado na medida em que passa a incluir não apenas direitos e garantias previstos no plano nacional, mas também direitos internacionalmente enunciados e garantias de natureza internacional.

Observa-se que, ao longo do processo de democratização, o Estado brasileiro passou a aderir a importantes instrumentos internacionais de direitos humanos, integrantes dos sistemas global e regional, aceitando expressamente a legitimidade das instâncias internacionais quanto ao cumprimento conferido pelo país às obrigações internacionais assumidas concernentes aos direitos humanos.

O marco inicial do processo de incorporação de tratados internacionais de direitos humanos pelo direito brasileiro foi a ratificação, em 1º de fevereiro de 1984, da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher.

Insta mencionar que, quando da ratificação da Convenção, em 1984, o Brasil apresentou reservas ao artigo 15, § 4º e ao artigo 16, § 1º, a, c, g e h da Convenção. O artigo 15 assegura a homens e mulheres o direito de livremente escolher seu domicílio e residência. O artigo 16 estabelece a igualdade de direitos entre homens e mulheres no casamento e nas relações familiares. Em 20 de dezembro de 1994, o Governo brasileiro notificou o Secretário Geral das Nações Unidas acerca da eliminação das aludidas reservas.

A partir dessa ratificação a supra referida Convenção, inúmeros outros relevantes instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos foram também incorporados pelo direito brasileiro, sob a égide da Constituição Federal de 1988, dentre eles a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995.

Urge, porém, que o Brasil não mais se recuse a aceitar procedimentos que permitam acionar de forma direta e eficaz a international accountability, reconhecendo-se a competência jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos, os mecanismos de petição individual e comunicação interestadual previstos nos tratados já ratificados, além de adotar medidas que efetivamente assegurem eficácia aos direitos constantes dos instrumentos internacionais de proteção, em especial no tocante a obrigação de eliminar a discriminação contra as mulheres, assegurando o pleno exercício de todos os seus direitos, adotando para tanto política, legislação e educação igualitárias, não descartando "ações afirmativas", para acelerar o processo de obtenção da igualdade, como por exemplo a Lei de Cotas, aprovada em 1995, que reserva, 20% dos cargos para eleições municipais às mulheres.

Cumpre por derradeiro observar que, a Plataforma de Ação de Beijing reconhece que embora as mulheres representem ao menos metade da população mundial, representam apenas 10% do total de legisladores no âmbito mundial e no órgãos administrativos representam menos que 10%.

É de suma importância a participação das mulheres nos Poderes Públicos, o que facilitaria a incorporação da ótica de gênero na formulação e execução de políticas públicas.

 

 

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