ONU
Comitê Contra a Tortura
6. Instauração de inquéritos e poderes de investigação
6.1 Intervenção em casos de tortura sistemática
Como se poderá comprovar em seguida, os poderes conferidos ao CCT, ao
abrigo do art. 20º da Convenção,
representam a mais importante inovação introduzida por esta
Convenção, em relação aos restantes instrumentos
internacionais de protecção dos direitos humanos, quanto aos
respectivos mecanismos de implementação.
Destinam-se a permitir ao Comité agir, caso tenha conhecimento de que
actos de tortura são sistematicamente
praticados no território de um Estado parte.
6.2 Princípios da confidencialidade e da colaboração
O procedimento regulado pelo art. 20º obedece a dois princípios
fundamentais: o princípio da
confidencialidade e o princípio da colaboração do Estado parte
visado. Nesta conformidade, tanto a fase de
recolha de informações quanto o inquérito são confidenciais, embora
o Comité possa, após consultas com o
Estado parte interessado, decidir incluir um resumo sucinto dos
trabalhos desenvolvidos no seu relatório anual, a
apresentar à Assembleia Geral das Nações Unidas e aos Estados partes;
em qualquer caso, porém, procura-se
obter a colaboração, em todas as fases do processo, dos Estados
visados.
6.3 Fases dos procedimento
Este procedimento desdobra-se em sete fases fundamentais:
1ª Verificação da idoneidade e fundamento da denúncia
O artigo 20º nº 1 estabelece a obrigação para o Comité de agir,
caso receba “informações idóneas
que pareçam conter indicações bem fundadas de que a tortura é
sistematicamente praticada no
território de um Estado parte”.
Não existem quaisquer limitações quanto às fontes de tais
informações, pelo que quaisquer umas
poderão ser tidas em consideração, desde que fidedignas. Uma vez
apurada a idoneidade da fonte,
o Comité deverá aferir se a informação que lhe chegou está
devidamente fundamentada - se ambas
as condições se verificarem, terá a obrigação (e não uma mera
faculdade) de passar à fase seguinte.
2ª Colaboração do Estado parte interessado
O Comité deverá então solicitar, por sua própria iniciativa, a
colaboração desse Estado na análise
de tais informações, convidando-o a apresentar quaisquer observações
que entenda dever formular
a esse respeito. O Comité não é, porém, obrigado a revelar as suas
fontes de informação.
Se o Estado parte se recusar a colaborar, o Comité deverá avaliar essa
recusa, para efeitos de
passar (ou não) à fase seguinte.
O Comité poderá ainda solicitar informações adicionais, quer da
parte de representantes do Estado
interessado quer de organizações governamentais ou não
governamentais, bem como de
particulares, de forma a obter os elementos que considere necessários
à formação da sua opinião.
3ª. Nomeação da comissão de inquérito
Em face das informações recolhidas, o Comité poderá, se o julgar
necessário, designar um ou mais
dos seus membros para conduzir um inquérito confidencial.
4ª. Inquérito Confidencial
Também nesta fase, que tem carácter confidencial, se procurará obter
a colaboração do Estado
parte interessado. Deste modo, poderá ser solicitado ao Estado parte
que designe um representante
para reunir com os membros do Comité encarregues da condução do
inquérito, a fim de lhes prestar
quaisquer informações tidas como necessárias.
Visita ao território do Estado
Caso seja obtido o acordo do Estado em questão, o inquérito poderá
incluir uma visita ao território
deste, a fim de recolher informações adicionais e depoimentos directos
de testemunhas.
Caso o Estado visado se recuse a colaborar, a condução do inquérito
será mais difícil, mas não há
dúvida de que essa atitude em nada ajudará a dissipar as suspeitas de
prática reiterada de tortura no
seu território.
Uma vez concluído o inquérito, o relatório, com as conclusões dos
membros encarregues de o
conduzir, deverá ser apresentado ao Comité com a máxima
urgência.
5ª. Exame das conclusões e formulação de sugestões
O Comité procede ao exame das conclusões do relatório, formulando
quaisquer comentários ou
sugestões que considere apropriados.
6ª. Comunicação ao Estado
Tais comentários ou sugestões serão obrigatoriamente comunicados ao
Estado parte interessado,
juntamente com as conclusões do inquérito. O Estado em questão será
convidado a informar o
Comité da medidas por si tomadas a respeito dos factos apurados no
inquérito.
7ª. Publicitação dos resultados do inquérito
A decisão sobre a inclusão, ou não, de um resumo sucinto dos
resultados do inquérito no seu
relatório anual cabe ao Comité, após consultas com o Estado parte
interessado, cuja opinião não é,
no entanto, vinculativa. Os resultados do inquérito podem incluir não
só as conclusões dos membros
encarregues de o conduzir, mas também os comentários ou sugestões
formulados pelos Estados
partes e, bem assim, as reacções do Estado visado.
O Comité, ao ponderar entre a publicação dos resultados do relatório
e a manutenção da regra da
confidencialidade, deverá ter em conta critérios de conveniência e
oportunidade, designadamente:
o interesse do Estado visado, caso se tenha provado a falta de
fundamento das suspeitas que
sobre ele impendiam ou, caso estas se tenham confirmado, a adopção de
medidas adequadas
à erradicação da prática da tortura no seu território;
uma eventual “recompensa” pela colaboração prestada, mantendo os
resultados do inquérito
confidenciais; ou
a importante forma de pressão internacional que resulta da
publicitação desses resultados.
6.4 Reconhecimento da competência do Comité para a condução do
inquérito
Há que referir, porém, que a competência atribuída ao Comité ao
abrigo do art. 20º é meramente opcional:
significa isto, de acordo com o disposto no art. 28º da Convenção,
que qualquer Estado poderá declarar, no
momento da assinatura, ratificação ou adesão a esta Convenção, que
não reconhece a competência atribuída ao
Comité nos termos do supra citado art. 20º. Neste caso, o Comité não
pode exercer os poderes que lhe são
conferidos pela citada disposição, em relação a um Estado parte que
haja formulado tal reserva e enquanto esta
não for retirada, o que poderá suceder a qualquer momento, mediante
notificação dirigida ao Secretário-Geral
das Nações Unidas. Portugal jamais formulou qualquer reserva a esta
Convenção, pelo que desde sempre
reconheceu a competência do Comité para este efeito. Actualmente,
105 Estados (link para Anexo 2)
reconhecem tal competência ao Comité.
De referir que o mecanismo acima descrito se aplica apenas em casos de
suspeita da prática (reiterada) de
tortura, e não de outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou
degradantes.
Até 7 de Abril de 1999, foram instaurados, ao abrigo deste art. 20º,
dois inquéritos (link para Anexo 3):
um contra o Egipto e outro contra a Turquia.
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