1.
Introdução
2.
O Comitê acolhe com satisfação o relatório inicial do Brasil, enquanto
observa que este relatório, que deveria ter sido submetido em Outubro de
1990, chegou com um atraso excessivo de 10 anos. O Brasil ratificou a Convenção
a 28 de Setembro de 1989, sem fazer qualquer reserva. O Estado parte não fez
as declarações previstas nos artigos 21 e 22.
3.
O relatório não foi redigido em completa conformidade com as
diretivas do Comitê, concernentes à elaboração de relatórios iniciais dos
Estados partes. Entretanto, o Comitê expressa sua satisfação quanto ao caráter
franco e auto-crítico do relatório, o qual, além do mais, foi elaborado em
cooperação com uma instituição acadêmica não-governamental. O Comitê
felicita a apresentação de informações complementares por parte da delegação
do Estado parte, em sua apresentação oral, assim como o diálogo construtivo
que teve lugar.
II.
Aspectos positivos
4.
O Comitê anota, com satisfação, os elementos a seguir:
a)
a vontade política expressa pelo Estado parte para combater a prática
da tortura, e seu desejo de cooperar com os organismos das Nações Unidas
assim como de organizações regionais, com aquele propósito;
a
franqueza e a transparência com que o Governo reconhece a existência,
gravidade e extensão da prática da tortura no Brasil:
c)
os esforços do Estado parte no que concerne à implementação de um
programa de educação e de uma campanha nacional de promoção dos direitos
humanos (prevista para junho de 2001), tendo por objetivo sensibilizar a opinião
pública e os atores públicos envolvidos, para a luta contra a tortura. O
Comitê igualmente acolhe com satisfação as outras medidas adotadas pelo
Estado parte para responder às preocupações do Relator Especial sobre a
tortura como conseqüência de sua visita ao Brasil;
d)
a promulgação, em abril de 1977, da Lei N.º. 9.455/97 (Lei Contra a
Tortura), que introduziu no direito penal brasileiro a tipificação criminal
da tortura e respectivas punições;
e)
o estabelecimento de vários órgãos tendo por função reforçar o
respeito pelos direitos humanos, notadamente a Comissão de Direitos Humanos
da Câmara dos Deputados. a Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Ministério
da Justiça, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e as comissões
de direitos humanos existentes em alguns estados
f)
a legislação relativa a refugiados e o estabelecimento de um
procedimento tendo por objetivo assegurar que um solicitante de asilo não
seja devolvido a um Estado em que haja motivos sérios para se crer que ele ou
ela corra risco de ser submetido(a) a tortura;
g)
o controle externo da polícia pelo Ministério Público e os esforços
do Estado parte para reforçar a supervisão externa e independente através
da criação de ouvidorias de polícia em diversos estados;
h)
as contribuições regularmente pagas pelo Estado parte para o Fundo de
Contribuições Voluntárias das Nações Unidas para as Vítimas da Tortura
III.
Objeto de preocupação
5.
O Comitê se declara preocupado com o seguinte:
a)
a persistência de uma cultura que aceita os abusos perpetrados pelos
agentes públicos, as numerosas alegações de atos de tortura e de
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, tanto nas delegacias de policia
quanto nas prisões e nos quartéis das forças armadas, e a impunidade de
fato dos perpetradores de tais atos:
b)
a superpopulação e as más condições materiais e de higiene nos
estabelecimentos penitenciários, a ausência de serviços essenciais, em
particular de cuidados médicos apropriados, a violência entre os
prisioneiros assim como o abuso sexual. O Comitê está particularmente
preocupado com as alegações de maus tratos e de tratamento discriminatório
quanto ao acesso, por parte de certos grupos, aos já limitados serviços
essenciais, notadamente em razão de sua origem social ou de sua orientação
sexual;
c)
os longos períodos de detenção preventiva e dos atrasos nos
procedimentos judiciais que, junto com o fenômeno da superpopulação carcerária,
têm resultado em presos condenados e presos que aguardam julgamento estarem
custodiados por longo período de tempo em delegacias de polícia e outras
unidades de detenção, insuficientemente equipadas, fato que pode constituir,
por si mesmo, violação às provisões enunciadas no artigo 16 da Convenção;
d)
insuficiência de formação do conjunto de funcionários encarregados
da aplicação da lei, em todos os níveis, bem assim do pessoal da área médica,
conforme estabelece o artigo 10 da Convenção;
e)
a competência da polícia para conduzir inquéritos decorrentes de denúncias
de crimes de tortura cometidos por membros das forças policiais, sem que
haja, na prática, um controle efetivo pelo Ministério Público, o que impede
instauração de inquéritos imediatos e imparciais, e contribui para a
impunidade de que se beneficiam os autores desses atos:
f)
a ausência de procedimento institucionalizado e acessível, afim de
garantir às vítimas de atos de tortura o direito de obter reparação e de
serem indenizados de maneira justa e adequada, como previsto no artigo 14 da
Convenção;
g)
a ausência, na legislação brasileira, de uma proibição explícita
do uso, como elemento de prova em um procedimento judicial, de toda declaração
obtida mediante tortura.
IV.
Recomendações
6.
O Comitê faz as seguintes recomendações:
a)
O Estado parte deveria assegurar que a interpretação da lei que
criminaliza a tortura seja feita em conformidade com o artigo primeiro da
Convenção;
b)
O Estado parte deveria adotar todas as medidas necessárias afim de
assegurar a instauração imediata de inquéritos imparciais, sob o efetivo
controle do Ministério Público, em todos os casos de queixas de práticas de
tortura ou de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, incluindo atos
cometidos por membros das forças policiais. No curso desses inquéritos, os
agentes envolvidos deveriam ser suspensos de suas funções;
c)
Todas as medidas necessárias deveriam ser adotadas para garantir a
toda pessoa privada de sua liberdade o direito à defesa, e, por conseguinte,
o direito de ser assistido por um advogado, pago pelo Estado, se for necessário;
d)
Medidas urgentes deveriam ser adotadas para melhorar as condições de
detenção nas delegacias de polícia e nas prisões, e o Estado parte
deveria, além disso, redobrar seus esforços para remediar o problema da
superpopulação carcerária e estabelecer um mecanismo sistemático e
independente de supervisão do tratamento na prática de pessoas arrestadas,
detidas ou aprisionadas:
e)
O Estado deveria reforçar as atividades de educação e de promoção
dos direitos humanos em geral. e de proibição de atos de tortura, em
particular, para os funcionários encarregados da aplicação da lei, bem como
para o pessoal da área médica, e introduzir capacitação sobre esses temas
nos programas de ensino oficial dirigidos às novas gerações:
f)
Medidas deveriam ser adotadas para regulamentar e institucionalizar o
direito das vítimas de tortura a uma indenização justa e adequada por parte
do Estado, e a estabelecer programas para sua mais completa readaptação física
e mental;
g)
O Estado deveria explicitamente proibir o uso como prova em
procedimento judicial, de qualquer declaração obtida mediante tortura;
h)
O Estado deveria fazer a declaração prevista nos artigos 21 e 22 da
Convenção;
i)
O segundo relatório periódico do Estado parte deverá ser submetido o
quanto antes, afim de se conformar ao cronograma previsto no artigo 19 da
Convenção, e incluir, notadamente: (I) a jurisprudência pertinente relativa
á interpretação da noção de tortura: (II) informações detalhadas sobre
alegações, inquéritos e condenações relacionados com atos de tortura
cometidos por agentes públicos, e (III) informação concernente ás medidas
adotadas pelas autoridades públicas para implementar, em todo o país, as
recomendações do Comitê, e também aquelas do Relator Especial sobre
Tortura, às quais a delegação do Estado parte fez referência durante o diálogo
com o Comitê.