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REGRAS MÍNIMAS DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ADMINISTRAÇÃO
DA JUSTIÇA , DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE
(REGRAS DE BEIJING)

PRIMEIRA PARTE - PRINCÍPlOS GERAIS

1. Orientações fundamentais

1.1 Os Estados Membros procurarão, em consonância com seus respectivos interesses gerais, promover o bem-estar da criança e do adolescente e de sua família.

1.2 Os Estados Membros se esforçarão para criar condições que garantam à criança e ao adolescente uma vida significativa na comunidade, fomentando, durante o período de idade em que ele é mais vulnerável a um comportamento desviado, um processo de desenvolvimento pessoal e de educação o mais isento possível do crime e da delinqüência.

1.3 Conceder-se-á a devida atenção à adoção de medidas concretas que permitam a mobilização de todos os recursos disponíveis, com a inclusão da família, de voluntários e outros grupos da comunidade, bem como da escola e de demais instituições comunitárias, com o fim de promover o bem-estar da criança e do adolescente, reduzir a necessidade da intervenção legal e tratar de modo efetivo, eqüitativo e humano a situação de conflito com a lei.

1.4 A Justiça da Infância e da Juventude será concebida como parte integrante do processo de desenvolvimento nacional de cada país e deverá ser administrada no marco geral de justiça social para todos os jovens, de maneira que contribua ao mesmo tempo para a sua proteção e para a manutenção da paz e da ordem na sociedade.

1.5 As presentes regras se aplicarão segundo o contexto das condições econômicas, sociais e culturais que predominem em cada um dos Estados Membros.

1.6 Os serviços da Justiça da Infância e da Juventude se aperfeiçoarão e se coordenarão sistematicamente com vistas a elevar e manter a competência de seus funcionários, os métodos, enfoques e atitudes adotadas.

2. Alcance das regras e definições utilizadas

2.1 As regras mínimas uniformes que se enunciam a seguir se aplicarão aos jovens infratores com imparcialidade, sem distinção alguma, por exemplo, de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição.

2.2 Para os fins das presentes regras, os Estados Membros aplicarão as definições seguintes, de forma compatível com seus respectivos sistemas e conceitos jurídicos:

a) jovem é toda a criança ou adolescente que, de acordo com o sistema jurídico respectivo, pode responder por uma infração de forma diferente do adulto;

b) infração é todo comportamento (ação ou omissão) penalizado com a lei, de acordo com o respectivo sistema jurídico;

c) jovem infrator é aquele a quem se tenha imputado o cometimento de uma infração ou que seja considerado culpado do cometimento de uma infração.

2.3 Em cada jurisdição nacional procurar-se-á promulgar um conjunto de leis, normas e disposições aplicáveis especificamente aos jovens infratores, assim como aos órgãos e instituições encarregados das funções de administração da Justiça da Infância e da Juventude, com a finalidade de:

a) satisfazer as diversas necessidades dos jovens infratores, e ao mesmo tempo proteger seus direitos básicos;

b) satisfazer as necessidades da sociedade;

c) aplicar cabalmente e com justiça as regras que se enunciam a seguir.

3. Ampliação do âmbito de aplicação das regras

3.1 As disposições pertinentes das regras não só se aplicarão aos jovens infratores, mas também àqueles que possam ser processados por realizar qualquer ato concreto que não seria punível se fosse praticado por adultos.

3.2 Procurar-se-á estender o alcance dos princípios contidos nas regras a todos os jovens compreendidos nos procedimentos relativos à atenção à criança e ao adolescente e a seu bem-estar.

3.3 Procurar-se-á também estender o alcance dos princípios contidos nas regras aos infratores adultos jovens.

4. Responsabilidade penal

4.1 Nos sistemas jurídicos que reconheçam o conceito de responsabilidade penal para jovens, seu começo não deverá fixar-se numa idade demasiado precoce, levando-se em conta as circunstâncias que acompanham a maturidade emocional, mental e intelectual.

5. Objetivos da Justiça da Infância e da Juventude

5.1 O sistema de Justiça da Infância e da Juventude enfatizará o bem-estar do jovem e garantirá que qualquer decisão em relação aos jovens infratores será sempre proporcional às circunstâncias do infrator e da infração.

6. Alcance das faculdades discricionárias

6.1 Tendo-se em conta as diversas necessidades especiais dos jovens, assim como a diversidade de medidas disponíveis, facultar-se-á uma margem suficiente para o exercício de faculdades discricionárias nas diferentes etapas dos processos e nos distintos níveis da administração da Justiça da Infância e da Juventude, incluídos os de investigação, processamento, sentença e das medidas complementares das decisões.

6.2 Procurar-se-á, não obstante, garantir a devida competência em todas as fases e níveis no exercício de quaisquer dessas faculdades discricionárias.

6.3 Quem exercer tais faculdades deverá estar especialmente preparado ou capacitado para fazê-lo judiciosamente e em consonância com suas respectivas funções e mandatos.

7. Direitos dos jovens

7.1 Respeitar-se-ão as garantias processuais básicas em todas as etapas do processo, como a presunção de inocência, o direito de ser informado das acusações, o direito de não responder, o direito à assistência judiciária, o direito à presença dos pais ou tutores, o direito à confrontação com testemunhas e a interrogá-las e o direito de apelação ante uma autoridade superior.

8. Proteção da intimidade

8.1 Para evitar que a publicidade indevida ou o processo de difamação prejudiquem os jovens, respeitar-se-á, em todas as etapas, seu direito à intimidade.

8.2 Em princípio, não se publicará nenhuma informação que possa dar lugar à identificação de um jovem infrator.

9. Cláusula de salvaguarda

9.1 Nenhuma disposição das presentes regras poderá ser interpretada no sentido de excluir os jovens do âmbito da aplicação das Regras Mínimas Uniformes para o Tratamento dos Prisioneiros, aprovadas pelas Nações Unidas, e de outros instrumentos e normas relativos ao cuidado e à proteção dos jovens reconhecidos pela comunidade internacional.

SEGUNDA PARTE - lNVESTIGAÇÃO E PROCESSAMENTO

10. Primeiro contato

1O.1 Sempre que um jovem for apreendido, a apreensão será notificada imediatamente a seus pais ou tutor e, quando não for possível tal notificação imediata, será notificada aos pais ou tutor no mais breve prazo possível.

1O.2 O juiz, funcionário ou organismo competentes examinarão sem demora a possibilidade de pôr o jovem em liberdade.

1O.3 Os contatos entre os órgãos encarregados de fazer cumprir a lei e o jovem infrator serão estabelecidos de modo a que seja respeitada a sua condição jurídica, promova-se o seu bem-estar e evite-se que sofra dano, resguardando-se devidamente as circunstâncias do caso.

11. Remissão dos casos

11.1 Examinar-se-á a possibilidade, quando apropriada, de atender os jovens infratores sem recorrer às autoridades competentes, mencionadas na regra 14.1 adiante, para que os julguem oficialmente.

11. 2 A polícia, o ministério público e outros organismos Que se ocupem de jovens infratores terão a faculdade de arrolar tais casos sob sua jurisdição, sem necessidade de procedimentos formais, de acordo com critérios estabelecidos com esse propósito nos respectivos sistemas jurídicos e também em harmonia com os princípios contidos nas presentes regras.

11.3 Toda remissão que signifique encaminhar o jovem a instituições da comunidade ou de outro tipo dependerá do consentimento dele, de seus pais ou tutores; entretanto, a decisão relativa à remissão do caso será submetida ao exame de uma autoridade competente, se assim for solicitado.

11.4 Para facilitar a tramitação jurisdicional dos casos de jovens, procurar-se-á proporcionar à comunidade programas tais como orientação e supervisão temporária, restituição e compensação das vítimas.

12. Especialização policial

12.1 Para melhor desempenho de suas funções, os policiais que tratem freqüentemente ou de maneira exclusiva com jovens ou que se dediquem fundamentalmente à prevenção da delinqüência de jovens receberão instrução e capacitação especial. Nas grandes cidades, haverá contingentes especiais de polícia com essa finalidade.

13. Prisão preventiva

13.1 Só se aplicará a prisão preventiva como último recurso e pelo menor prazo possível.

13.2 Sempre que possível, a prisão preventiva será substituída por medidas alternativas, como a estrita supervisão, custódia intensiva ou colocação junto a uma família ou em lar ou instituição educacional.

13.3 Os jovens que se encontrem em prisão preventiva gozarão de todos os direitos e garantias previstos nas Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, aprovadas pelas Nações Unidas.

13.4 Os jovens que se encontrem em prisão preventiva estarão separados dos adultos e recolhidos a estabelecimentos distintos ou em recintos separados nos estabelecimentos onde haja detentos adultos.

13.5 Enquanto se encontrem sob custódia, os jovens receberão cuidados, proteção e toda assistência - social, educacional, profissional, psicológica, médica e física que requeiram, tendo em conta sua idade, sexo e características individuais.

TERCEIRA PARTE - DECISÃO JUDICIAL E MEDIDAS

14. Autoridade competente para decidir

14.1 Todo jovem infrator, cujo caso não tenha sido objeto de remissão (de acordo com a regra será apresentado à autoridade competente Juizado, tribunal, junta, conselho etc.), que decidirá de acordo com os princípios de um processo imparcial e justo.

14.2 Os procedimentos favorecerão os interesses do jovem e serão conduzidos numa atmosfera de compreensão, que lhe permita participar e se expressar livremente.

15. Assistência judiciária e direitos dos pois o tutores

15.1 O jovem terá direito a se fazer representar por um advogado durante todo o processo ou a solicitar assistência judiciária gratuita, quando prevista nas leis do país.

15.2 Os pais ou tutores terão direito de participar dos procedimentos e a autoridade competente poderá requerer a sua presença no interesse do jovem. Não obstante, a autoridade competente poderá negar a participação se existirem motivos para presumir que a exclusão é necessária aos interesses do jovem.

16. Relatórios de investigação social

16.1 Para facilitar a adoção de uma decisão justa por parte da autoridade competente, a menos que se tratem de infrações leves, antes da decisão definitiva será efetuada uma investigação completa sobre o meio social e as circunstâncias de vida do jovem e as condições em que se deu a prática da infração.

17. Princípios norteadores da decisão judicial o das medidas

17.1 A decisão da autoridade competente pautar-se-á pelos seguintes princípios:

a) a resposta à infração será sempre proporcional não só às circunstâncias e à gravidade da infração, mas também às circunstâncias e às necessidades do jovem, assim como às necessidades da sociedade;

b) as restrições à liberdade pessoal do jovem serão impostas somente após estudo cuidadoso e se reduzirão ao mínimo possível;

c) não será imposta a privação de liberdade pessoal a não ser que o jovem tenha praticado ato grave, envolvendo violência contra outra pessoa ou por reincidência no cometimento de outras infrações sérias, e a menos que não haja outra medida apropriada;

d) o bem-estar do jovem será o fator preponderante no exame dos casos.

17.2 A pena capital não será imposta por qualquer crime cometido por jovens.

17.3 Os jovens não serão submetidos a penas corporais.

17.4 A autoridade competente poderá suspender o processo em qualquer tempo.

18. Pluralidade das medidas aplicáveis

18.1 Uma ampla variedade de medidas deve estar à disposição da autoridade competente, permitindo a flexibilidade e evitando ao máximo a institucionalização.

Tais medidas, que podem algumas vezes ser aplicadas simultaneamente, incluem:

a) determinações de assistência, orientação e supervisão;

b) liberdade assistida;

c) prestação de serviços à comunidade;

d) multas, indenizações e restituições;

e) determinação de tratamento institucional ou outras formas de tratamento;

f)determinação de participar em sessões de grupo e atividades similares;

g) determinação de colocação em lar substituto, centro de convivência ou outros estabelecimentos educativos;

h) outras determinações pertinentes.

18.2 Nenhum jovem será excluído, total ou parcialmente, da supervisão paterna, a não ser que as circunstâncias do caso o tornem necessário.

19. Caráter excepcional da institucionalização

19.1 A internação de um jovem em uma instituição será sempre uma medida de último recurso e pelo mais breve período possível.

20. Prevenção de demoras desnecessárias

20.1 Todos os casos tramitarão, desde o começo, de maneira expedita e sem demoras desnecessárias.

21. Registros

21.1 Os registros de jovens infratores serão de caráter estritamente confidencial e não poderão ser consultados por terceiros. Só terão acesso aos arquivos as pessoas que participam diretamente da tramitação do caso ou outras pessoas devidamente autorizadas.

21.2 Os registros dos jovens infratores não serão utilizados em processos de adultos em casos subseqüentes que envolvam o mesmo infrator.

22. Necessidade de profissionalismo e capacitação

22.1 Serão utilizados a educação profissional, o treinamento em serviço, a reciclagem e outros meios apropriados de instrução para estabelecer e manter a necessária competência profissional de todo o pessoal que se ocupa dos casos de jovens.

22.2 O quadro de servidores da Justiça da Infância e da Juventude deverá refletir as diversas características dos jovens que entram em contato com o sistema. Procurar-se-á garantir uma representação eqüitativa de mulheres e minorias nos órgãos da Justiça da Infância e da Juventude.

QUARTA PARTE - TRATAMENTO EM MEIO ABERTO

23. Execução efetivadas medidas

23.1 Serão adotadas disposições adequadas para o cumprimento das determinações ditadas pela autoridade competente, mencionadas na regra 14.1, por essa mesma autoridade ou por outra diferente, se as circunstâncias assim o exigirem.

23.2 Tais dispositivos incluirão a faculdade da autoridade competente para modificar periodicamente as determinações segundo considere adequado, desde que a modificação se paute pelos princípios enunciados nestas regras.

24. Prestação da assistência necessária

24.1 Procurar-se-á proporcionar aos jovens, em todas as etapas dos procedimentos, assistência em termos de alojamento, ensino e capacitação profissional, emprego ou qualquer outra forma de assistência útil e prática para facilitar o processo de reabilitação.

25. Mobilização de voluntários e outros serviços comunitários

25.1 Os voluntários, as organizações voluntárias, as instituições locais e outros recursos da comunidade serão chamados a contribuir eficazmente para a reabilitação do jovem num ambiente comunitário e, tanto quanto possível, na unidade familiar.

QUINTA PARTE - TRATAMENTO INSTITUCIONAL

26. Objetivos do tratamento institucional

26.1 A capacitação e o tratamento dos jovens colocados em instituições têm por objetivo assegurar seu cuidado, proteção, educação e formação profissional para permitir-lhes que desempenhem um papel construtivo e produtivo na sociedade.

26.2 Os jovens institucionalizados receberão os cuidados, a proteção e toda a assistência necessária social, educacional, profissional, psicológica, médica e física que requeiram devido à sua idade, sexo e personalidade e no interesse do desenvolvimento sadio.

26.3 Os jovens institucionalizados serão mantidos separados dos adultos e serão detidos em estabelecimentos separados ou em partes separadas de um estabelecimento em que estejam detidos adultos.

26.4 A jovem infratora institucionalizada merece especial atenção no que diz respeito às suas necessidades e problemas pessoais. Em nenhum caso receberá menos cuidado, proteção, assistência, tratamento e capacitação que o jovem do sexo masculino. Será garantido seu tratamento eqüitativo.

26.5 No interesse e para o bem-estar do jovem institucionalizado, os pais e tutores terão direito de acesso às instituições.

26.6 Será estimulada a cooperação interministerial e interdepartamental para proporcionar adequada formação educacional ou, se for o caso, profissional ao jovem institucionalizado, para garantir que, ao sair, não esteja em desvantagem no plano da educação.

27. Aplicação das Regras Mínimas para o Tratamento dos Prisioneiros, aprovadas pelas Nações Unidas

27.1 Em princípio, as Regras Mínimas para o Tratamento dos Prisioneiros e as recomendações conexas serão aplicáveis, sempre que for pertinente, ao tratamento dos jovens infratores institucionalizados, inclusive os que estiverem em prisão preventiva.

27.2 Deverão ser feitos esforços para implementar os princípios relevantes das mencionadas Regras Mínimas na maior medida possível, para satisfazer as necessidades específicas do jovem quanto à sua idade, sexo e personalidade.

28. Uso freqüente e imediato da liberdade condicional

28.1 A liberdade condicional da instituição será utilizada pela autoridade pertinente na maior medida possível e será concedida o mais cedo possível.

28.2 O jovem liberado condicionalmente de uma instituição será assistido e supervisionado por funcionário designado e receberá total apoio da comunidade.

29. Sistemas semi-institucionais

29.1 Procurar-se-á estabelecer sistemas semi-institucionais, como casas de semiliberdade, lares educativos, centros de capacitação diurnos e outros sistemas apropriados que possam facilitar a adequada reintegração dos jovens na sociedade.

SEXTA PARTE - PESQUISA, PLANEJAMENTO E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS E AVALIAÇÃO

30. A Pesquisa mo base do planejamento e da formulação e a avaliação de políticas

30.1 Procurar-se-á organizar e fomentar as pesquisas necessárias como base do efetivo planejamento e formulação de políticas.

30.2 Procurar-se-á revisar e avaliar periodicamente as tendências, os problemas e as causas da delinqüência e da criminalidade de jovens, assim como as diversas necessidades particulares do jovem sob custódia.

30.3 Procurar-se-á estabelecer regularmente um mecanismo de avaliação e pesquisa no sistema de administração da Justiça da Infância e da Juventude, e coletar e analisar os dados e a informação pertinentes com vistas à devida avaliação e ao aperfeiçoamento do sistema.

30.4 A prestação de serviços na administração da Justiça da Infância e da Juventude será sistematicamente planejada e executada como parte integrante dos esforços de desenvolvimento nacional. Tradução em português de Maria Josefina Becker. Estas Regras foram publicadas pela primeira vez, em português, pela FUNABEM em 1988.

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