| JUSTIÇA
        INTERNACIONAL
 Tribunal de Haia pegou Milosevic.
        Mas e Pinochet, Suharto, Kissinger, Videla...
 Emir Sader
 
 Um
        bom começo para o Tribunal de Haia teria sido o julgamento de Pinochet,
        aliado privilegiado dos EUA, que escapou sem sequer ter sido possível
        apurar a verdade
 Temos, finalmente, um Tribunal Penal
        Internacional para julgar crimes de genocídio contra a humanidade. Só
        se pode, no entanto, saudar sua aparição. Ainda mais quando a
        promotora de seu primeiro processo afirma que “o julgamento é a mais
        poderosa demonstração de que ninguém está acima da lei”.
 Será verdade? A demonstração da existência
        de uma Justiça acima das contingências e dos interesses dos poderosos
        não é dada pelo julgamento de quem, por uma ou outra razão, caiu em
        desgraça com eles e foi derrotado. Um bom começo para o Tribunal teria
        sido o julgamento de Pinochet, aliado privilegiado dos EUA, que escapou
        sem sequer ter sido possível apurar a verdade, antes de eventualmente
        liberá-lo do cumprimento das penas correspondentes. Estão livres, além
        de Pinochet, Suharto e Jorge Videla, bem como (e sobretudo) Henry
        Kissinger.
         O ex-secretário de Estado dos EUA é
        acusado pelo jornalista Christopher Hitchens, no livro “O julgamento
        de Henry Kissinger” (que será publicado em maio pela Boitempo
        Editorial), de ser o maior genocida vivo. E o curioso é que Kissinger
        está prestes a receber uma condecoração do governo brasileiro
        -coincidentemente ou não, a mesma que o então presidente Jânio
        Quadros deu a Che Guevara- pelas mãos de Fernando Henrique Cardoso.
         O processo seria muito simples e rápido,
        pois o livro contém provas suficientes para a acusação e o acusado as
        conhece fartamente (e tem sido obrigado a responder constantemente em público,
        ainda que com grande dificuldade). O acusado poderá ser encontrado no
        Brasil, no próximo mês de março. Isso se o governo brasileiro não
        tiver vergonha na cara de suspender a cerimônia até lá. Kissinger
        poderia ser detido no Brasil e encaminhado para ser processado em Haia.
         A lista de acusações pode ser
        encontrada já no prefácio do livro de Hitchens: a matança de centenas
        de milhares de pessoas na Indochina; a participação deliberada em
        assassinatos em massa em Bangladesh; o plano para assassinar um oficial
        do Exército de um país – o Chile – com o qual os EUA não estavam
        em guerra; o envolvimento pessoal em um plano para assassinar o chefe de
        Estado de uma nação democrática (Chipre); o incitamento e apoio à
        viabilização do genocídio de Timor Leste; o envolvimento pessoal em
        um plano para seqüestrar e assassinar um jornalista que vivia em
        Washington.
         Basta que se abra esse processo para que
        o Tribunal de Haia demonstre que não é uma instância manipulada pela
        força das potências hoje hegemônicas no mundo. Só quando contraria
        os poderosos é que um Tribunal pode corretamente levar o nome de
        Tribunal de Justiça. Até lá será instrumento de vingança e punição
        dos “ganhadores” sobre os “perdedores”.
         *Emir Sader é sociólogo e professor da Universidade
        Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade de São Paulo (USP)
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