Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
 
 Direitos Humanos
 Desejos Humanos
 Educação EDH
 Cibercidadania
 Memória Histórica
 Arte e Cultura
 Central de Denúncias
 Banco de Dados
 MNDH Brasil
 ONGs Direitos Humanos
 ABC Militantes DH
 Rede Mercosul
 Rede Brasil DH
 Redes Estaduais
 Rede Estadual RN
 Mundo Comissões
 Brasil Nunca Mais
 Brasil Comissões
 Estados Comissões
 Comitês Verdade BR
 Comitê Verdade RN
 Rede Lusófona
 Rede Cabo Verde
 Rede Guiné-Bissau
 Rede Moçambique

 

O direito ao estatuto de prisioneiro de guerra 

A sorte dos combatentes capturados pelo inimigo esteve durante muito tempo sujeita à regra vae victis, uma vez que eram conside-rados responsáveis pelos sofrimentos infli-gidos às populações por terem servido uma causa injusta. Os soldados vencidos eram, na pior das hipóteses, mortos e, na melhor, reduzidos à escravatura ou, durante a Idade Média, sob a influência da cavalaria, por eles era pedido um resgate. O desaparecimento do conceito medieval de guerra justa e o apare-cimento de Estados independentes transfor-maram o significado e o alcance da guerra, que se tornou numa prerrogativa dos Estados.

Correlativamente, a captura de guerra dei-xou de ser entendida como um castigo – capi-tis diminutio – passando a ser vista como uma privação de liberdade, necessária a fim de diminuir o potencial de guerra do ini-migo, de carácter temporário, dado que os motivos que legitimam a detenção apenas existem no decorrer do conflito..Mas, durante muito tempo, os Estados recusaram-se a limitar os seus direitos sobre os prisioneiros de guerra e apenas alguns textos nacio-nais tentavam suavizar a sua situação. Foi necessário esperar pelas Conferências de paz de Haia de 1899 e 1907 para assistir ao início da consagração convencional internacional do estatuto de prisioneiro de guerra 2 . Os diferentes tratados afirmaram, mediante contributos sucessivos, que a captura de guerra não deve ser infamante, porque o combatente não é encarcerado a título de sanção por ter sido vencido 3 e que convém conciliar unicamente um imperativo de segurança (a necessária neutralização do inimigo) com um impera-tivo de humanidade (a assistência e protecção de uma pessoa pri-vada da protecção do seu Estado).

A admissão ao estatuto de prisioneiro de guerra está condicionada pela natureza do conflito e pela situação da pessoa caída em poder do inimigo.

1.SEGUNDO A NATUREZA DO CONFLITO

É conveniente considerar, por um lado, as situações de CAI e dos GLN, relativamente às quais o estatuto de prisioneiro de guerra se encontra expressamente previsto e, por outro, as hipóteses de CANI e de tensões e distúrbios internos, onde as pessoas priva-das de liberdade não podem beneficiar desse estatuto.

Os CAI e GLN

A terceira Convenção aplica-se ipso facto a partir do momento em que as pessoas que pro-tege caem em poder do inimigo, no quadro de uma guerra declarada, de qualquer outro con-flito que surja entre dois ou mais Estados Partes na Convenção – mesmo se o estado de

102 Direito Internacional umanitário À semelhança do Decreto revolucionário francês de 4 e 20 de Junho de 1792 (artigos 1.o e 2.o ) e das instruções de 1863 (Código de Lieber)destinadas às forças armadas dos Estados Unidos em campanha.

2 Desde logo com o Regulamento relativo às leis e costumes da guerra em terra,adoptado em Haia,a 18 de Outubro de 1907 (artigos 4.o a 20.o );depois com as Convenções de Genebra de 27 de Julho de 1929 e de 12 de Agosto de 1949 relativas ao tratamento dos prisioneiros de guerra;por fim,com o primeiro Protocolo adicional.

3 Pilloud (Claude):«Prisonniers de guerre »(em português: «Prisioneiros de guerra »),in Les dimensions internationales du Droit humanitaire,Institut Henry-Dunant, 1986,p.202.Cuvelier (Benoît):

«Le régime juridique des prisonniers de guerre »(em português:O regime jurídico dos prisioneiros de guerra »), Etudes internationales,número especial,Dezembro de 1992

..guerra não for reconhecido por um deles – e em qualquer situação de ocupação da totalidade ou parte do território de um Estado Parte, ainda que esta ocupação não encontre nenhuma resistência militar 4 .

Os CANI e as tensões e distúrbios internos

Nenhuma disposição regula o destino dos combatentes caídos em poder do inimigo, não podendo eles ser assimilados a prisioneiros de guerra. No caso dos CANI, a única protecção de que podem bene-ficiar é a que consta do artigo 3. o comum (interdição do homicídio, das mutilações, dos tratamentos cruéis, da tortura, das ofensas à dig-nidade, de violações de determinadas garantias processuais) e, se for caso disso, do artigo 5. o do segundo Protocolo sobre as garantias con-cedidas às pessoas privadas de liberdade. Assim, com base nas dis-posições do artigo 3. o comum e no seu direito de iniciativa humanitária, o CICV ofereceu os seus serviços e os da Agência Central de Pesqui-sas tendo em vista facilitar o registo das pessoas sob captura e a trans-missão de mensagens entre familiares por ocasião dos conflitos do Chade, Nicarágua, El Salvador e, mais recentemente, no Ruanda e na Bósnia. Mas, em todas as hipóteses, está apenas em causa um mínimo humanitário e a ausência de disposições relativas ao estatuto dos com-batentes capturados no decorrer de um conflito armado não inter-nacional é uma das mais gritantes lacunas do DIH. Resulta, pois, que, em certos conflitos, se opera uma extensão do direito aplicável: assim, em 1992, na Bósnia-Herzegovina, as três partes no conflito, sér-vios, croatas e bósnios decidiram respeitar determinadas disposições e princípios aplicáveis ao direito dos conflitos armados internacio-nais, nomeadamente os princípios da terceira Convenção.

No caso de tensões e distúrbios internos, os instrumentos conven-cionais de DIH não se aplicam, mas o CICV interessa-se pela cate-goria de pessoas privadas de liberdade que são os presos políticos e as pessoas detidas por razões de segurança. Os delegados do CICV podem assim visitar qualquer pessoa que lute para fazer valer as suas opiniões ou cumprir

O direito ao estatuto de prisioneiro de guerra 103

4 Artigo 2.o comum

..aquilo que considera ser o seu dever e que, uma vez capturada e detida nestas circunstâncias, se encontra nas mãos de um poder que a trata como um inimigo 5 .

2.SEGUNDO A SITUAÇÃO DA PESSOA

Com a terceira Convenção, a noção de prisioneiro de guerra passou a ficar ligada à de «pessoa caída em poder do inimigo» e não mais à de «pessoa capturada». Trata-se de um progresso, pois esta nova abordagem permite a atribuição do estatuto a todos aqueles que são feitos prisioneiros fora de combate, nomeadamente em caso de ren-dição ou capitulação em massa. É ainda fundamental fazer a distinção entre combatentes regulares e irregulares, uma vez que apenas os pri-meiros têm direito ao estatuto e tratamento privilegiado de prisio-neiro de guerra, ficando os segundos sujeitos a penas, por vezes bastante duras, apenas pelo facto de terem armas em seu poder.

Os beneficiários

O estatuto de prisioneiro de guerra é concedido às pessoas que cabem na definição de combatentes 6 . Por outro lado, têm direito ao tratamento de prisioneiro de guerra, mas não ao estatuto: os parlamentares detidos temporariamente, os militares internados em território ocupado ou neutro, o pessoal sanitário e religioso em poder da Potência detentora, bem como as crianças soldados 7 . Em caso de dúvida, todas as pes-soas que tenham participado nas hostilidades e caído em poder do inimigo se presumem prisioneiros de guerra enquanto o seu estatuto não for determinado por um tribunal com-petente 8 .

Os excluídos

As categorias de pessoas que hajam tomado parte nas hostilidades e fiquem excluídas da

104 Direito Internacional umanitário

5 Nos nossos dias,a grande maioria das visitas efectuadas pelo  delegados realiza-se no contexto de situações de tensão e distúrbios internos (vide,por exemplo,ao Ruanda após 14 de Julho de 1994, à Guatemala,a Caxemira e ao Peru).

6 Vide definição de combatente, capítulo 6.

7 Respectivamente,artigo 33.o do Regulamento de Haia;artigo 4.o , parágrafo B,n.o s 1 e 2 CIII;artigo 28.o §2 CI e 33.o §1 CIII;artigo 77.o §3 PI.

8 Artigos 5.o §2 Convenção III e 45.o §1 PI

..possibilidade de beneficiar do estatuto são, de facto, pouco nume-rosas. Em primeiro lugar, temos o combatente irregular, isto é, aquele que não transporta armas abertamente (mesmo no caso de guerri-lheiros) e que pode assim, em caso de captura, ver instaurada acção penal contra si pelo simples facto de haver transportado tais armas.

Existem depois o espião, o mercenário 9 e o desertor caso a deserção se registe antes da captura – ela é ipso jure impossível durante o cati-veiro, tendo em conta a intangibilidade do estatuto do prisioneiro de guerra – pois assim a pessoa se transforma num não combatente e, a fortiori, o fugitivo. Recordemos, por último, o caso particular das pessoas que, tendo cometido crimes de guerra antes de serem cap-turadas e mesmo sendo condenadas, permanecem sob protecção da terceira Convenção 10 . Se pode parecer chocante que um tratado de vocação humanitária exclua determinadas categorias de pessoas da protecção estabelecida 11 , há que reconhecer que, de qualquer forma, as hipóteses de exclusão são bastante raras e não esquecer que, caso as pessoas detidas não estejam sob a pro-tecção concedida pela terceira Convenção (prisioneiro de guerra) ou da quarta Conven-ção (detidos civis), beneficiam, pelo menos, das garantias fundamentais do artigo 75. o do primeiro Protocolo ou, no mínimo, dos prin-cípios de Direito das gentes tal como resultam da aplicação da cláusula de Martens.

9 Vide capítulo 6 §1.

10 Com as reservas feitas na época pelos Estados da Europa de Leste, Vietname,República Popular da China e Coreia do Norte,reservas pelas quais o estatuto de prisioneiro de guerra é recusado aos combatentes condenados por crimes de guerra ou crimes contra a Humanidade.

11 Bugnion (Fr.),op.cit.,pág.733.

 

Desde 1995 © www.dhnet.org.br Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: enviardados@gmail.com Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Notícias de Direitos Humanos
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
História dos Direitos Humanos no Brasil - Projeto DHnet
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Memória e a Verdade
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multimídia Memória Histórica Potiguar