Armas
A história
do armamento nas guerras revela que
surgiram de forma sucessiva três siste-mas de
armas. Em primeiro lugar, as armas de
obstrução permitiam a protecção contra os projécteis. Exemplos destas armas são a
couraça,
a armadura, a fortificação e a blin-dagem. De
seguida surgiram as armas de destruição,
como por exemplo, a maça, pas-sando pelo
arco e flecha e pela besta (con-trária ao
ideal de cavalaria, já que permitia matar
à distância), para chegarmos às armas de
destruição maciça, de tal forma terríveis, que
não podem ser utilizadas e simultaneamente tão
fracas, já que só podem provocar o
extermínio, não permitindo que se reine sobre
os espaços conquistados. Finalmente, e
para evitar a armadilha posta pelas armas de
destruição maciça, foram inventadas as armas
de comunicação (manipulação da informação
ou chamarizes) e de inteligência artificial
(mísseis de cruzeiro, veículos e blindados
telecomandados).
Actualmente
estes três sistemas de armamento coexistem. Por exemplo
Saddam Hussein, no seu abrigo subterrâneo, não utilizou armas
químicas, mas os aviões furtivos e os mísseis Toma-hawks asseguraram a superioridade da coligação.
Neste momento as armas de
destruição maciça são as principais visadas pelo DIH, já
que são elas que actualmente provocam a morte ou causam mutilações.
Foi
necessário esperar pela segunda metade do século XIX para que um tratado internacional, neste caso a
Declaração de São Petersburgo,
afirmasse o princípio segundo o qual a guerra visa unicamente
o enfraquecimento do potencial do inimigo e, neste contexto,
consagrasse o princípio de que são proibidas as armas que
agravam inutilmente o sofrimento dos militares fora de combate e tornam a sua morte inevitável.
Seguidamente, o DIH veio proibir ou
limitar a utilização de armas empregues pelos combatentes e que ultrapassam um determinado limite, a
saber o das exigências de humanidade
face às perdas «inúteis», aos males «supérfluos»
e aos sofrimentos «excessivos» . O direito interna-cional adoptou uma dupla abordagem para a
proibição ou limitação da
utilização de armas.
1.RESTRIÇÕES
GENÉRICAS
Estas
restrições vêm limitar ou proibir a utilização de armas em
função dos seus efeitos.
Armas
irremediavelmente letais
As armas às
quais foi dada esta designação tornam a morte inevitável e têm uma «cobertura de eficácia» que
ultrapassa o objectivo militar, não
deixando qualquer hipótese de sobrevivência
às pessoas que se encontram no perímetro
de utilização destas armas. Tal é o caso
das armas nucleares, das bombas por depressão
e dos gases asfixiantes.
74 Direito
Internacional umanitário
Pictet (Jean):«Développements et
principes du Droit international humanitaire
»,Institut Henry-Dunant,1983,p.12 (em português:«Desenvolvimentos
e
princípios do Direito Internacional Humanitário
»)
..Armas
que produzem efeitos traumáticos excessivos
O objectivo
da guerra é de enfraquecer o inimigo, e não de o fazer sofrer para além do que é suficiente para atingir
aquele fim. A proibição 2 de armas
que causam males supérfluos visa um número muito significativo de armas, entre as quais podemos citar as
balas «dum-dum», os venenos, os
projécteis de estilhaços não localizáveis a raios X, as
baionetas de cruz ou dentadas, as
lanças com pontas farpadas, as armas de fragmentação, as
bombas de esferas, as armas incendiárias e as minas antipessoal 3
.
Armas com
efeitos indiscriminados
A proibição
destas armas, que não é mencionada expressamente, teve origem
na leitura combinada de duas regras inscritas no primeiro
Protocolo, a saber a proibição dos
ataques sem discriminação e a obrigação de
distinção entre os combatentes e os não combatentes 4 . As armas que produzem efeitos indiscriminados
não podem assim ser dirigidas contra
objectivos militares precisos, incluindo-se neste tipo de
armas designadamente as armas biológicas, certas armadilhas, os venenos, as armas incendiárias e nucleares
quando sujeitas a certo tipo de
utilização. Contudo, estas restrições genéricas revelam-se
definitivamente demasiado imprecisas
e desde a Declaração de São Petersburgo
os Estados adaptaram tratados proibindo certas armas.
2.RESTRIÇÕES
ESPECÍFICAS
As
limitações ou proibições especiais visam certas armas que se
reve-lam mais eficazes, já que os
textos jurídicos designam especificamente as
armas proscritas ou indicam as características objectivas que elas devem preencher para serem proibidas.
Estas
restrições são de duas naturezas.
Restrições
previstas pelo Direito da
Guerra clássico
São
proibidas as balas explosivas e os pro-jécteis enchidos
com vidro 5 , as balas «dum- 75 2 Artigo 35.o §2 P I. 3
Vide Meyrowitz (H.):«Le princip des
maux superflus »,R.I.C.R.,1994, pp.107-130
(em português: «O princípio dos
males supérfluos »).
4 Vide
respectivamente os artigos 51.o §4 e
48.o P I.
5 Declaração de
São Petersburgo
..-dum»6
, o veneno e as armas envenenadas, da mesma forma que qual-quer substância destinada a inflamar o ferimento
7 , as minas auto-máticas de
contacto ou, em certas condições, os torpedos submarinos 8 , os lança-flamas 9 , os gases asfixiantes,
tóxicos ou similares e os meios
bacteriológicos 10 .
Restrições
previstas pelo Direito Internacional Humanitário
a)Proibições
São
proibidas as técnicas de modificação do ambiente para fins
mili-tares ou para quaisquer outros
fins hostis 11 , os projécteis de estilha-ços não
localizáveis a raios X 12 , as armadilhas com aparência de objectos inofensivos – que podem ser
associadas a emblemas protetores, material
sanitário, brinquedos, alimentos ou animais – utilizadas com perfídia ou as armadilhas que
provoquem
efeitos excessivos 13 , as armas bacteriológicas –
biológicas – ou de toxinas, no que
concerne a sua concepção, fabrico, arma-zenamento, utilização
e destruição 14 , as armas químicas
cuja concepção, fabrico, armaze-namento e
utilização são proibidos e que devem
ser destruídas 15 .b)Limitações São
unicamente limitadas as armas incen-diárias 16
que se encontram em certos casos a
contrario legitimadas como por exemplo quando
utilizadas contra um objectivo mili-tar afastado
de concentrações de civis.
A
regulamentação destas armas centra-se mais
sobre o seu carácter indiscriminado e sobre
o seu perigo para os civis do que sobre a
sua crueldade – o que teria justificado igualmente
uma proibição em relação aos
76 Direito
Internacional umanitário
6
Declaração IV relativa à Proibição da
Utilização de Balas que se Expandem
ou Achatam Facilmente no Corpo
Humano,Haia,29 de Julho de 1899.
7 Artigo 23.o
do Regulamento da Haia de 1907.
8 Convenção
VIII da Haia de 8 de Outubro de 1907.
9 Tratado de
Paz de Saint Germain e Neuilly de
1919 e de Triano de 1920.
10 Protocolo
de Genebra de 17 de Junho de 925. 11 Convenção de 10 de Dezembro
de
1976,artigos 35.o §3 e 55.o do P I.
12
Convenção das Nações Unidas de 10
de Abril de 1981,Protocolo I.
13 Idem,Protocolo
II.
14
Convenção de Londres,Moscovo e
Washington de 10 de Abril de 1972; Vide
RICR,Maio-Junho de 1997, número
especial,pp.267-335. 15 Convenção
de Paris de
13de Janeiro de
1993,que entrouem vigor em 1998.
16
Convenção das Nações Unida de 10
de Abril de 1981,Protocolo II
..combatentes;
as minas antipessoal cuja limitação da sua utilização se
encontra … limitada por um conjunto demasiado vasto de
cláusulas derrogatórias.
c)Armas a laser que
provocam a cegueira
A Convenção
de 10 de Abril de 1981 sobre a Proibição ou Limita-ção do
Uso de Certas Armas Convencionais que Podem Ser Consideradas como Produzindo Efeitos Traumáticos
Excessivos ou Ferindo Indiscriminadamente
foi alvo de importantes revisões desde Setembro de
1995, a primeira das quais consistiu na adopção de um quarto
Protocolo proibindo a utilização e transferência de armas a laser que provocam a cegueira,
adoptado a 13 de Outubro de 1995 17 .
Estas armas,
que consistem em lasers portáteis
que varrem silenciosamente os campos
de batalha com um feixe de luz invisível, provocam a
cegueira permanente às pessoas atingidas pelo seu feixe. Não é possível qualquer protecção contra
estas armas, sendo que só a utilização
de uma faixa preta sobre os olhos poderá permitir salvar a
visão. Os Estados devem agora adoptar medidas nacionais com vista
a evitar a produção, transferência,
utilização e proliferação de armas a laser que
provocam a cegueira.N.T.1
d)Minas antipessoal
Em
comparação com o sucesso obtido nas negociações
do Protocolo IV, as negociações sobre
as minas antipessoal conduziram a um compromisso
decepcionante no dia 3 de Maio de
1996, já que o novo Protocolo II prevê a proibição
progressiva das minas não detec-táveis, bem
como daquelas que não estejam munidas
de um dispositivo de autoneutrali-zação ao
fim de um período máximo de quatro meses.
As modificações ao Protocolo II N.T.2 , aplicáveis
a conflitos armados de carácter Armas
77
17
Doswald-Beck (L.):«Le nouveau Protocole
sur les armes à laser aveuglantes
»,RICR,Maio-Junho 1996,pp.289-321 (em português: «O
novo Protocolo sobre as armas a laser
que provocam a cegueira »).
N.T.Portugal
ainda não ratificou o Protocolo IV
à Convenção sobre a Proibição ou
Limitação do Uso de Certas Armas
Convencionais que Podem Ser
Consideradas como Produzindo Efeitos
Traumáticos Excessivos ou Ferindo Indiscriminadamente. N.T.2
Portugal ratificou a 31 de Março de
1999 as alterações introduzidas ao
Protocolo II à Convenção sobre a
Proibição ou Limitação do Uso de
Certas Armas Convencionais que Po em
Ser Consideradas como Produzindo Efeitos Traumáticos Excessivos ou
Ferindo
Indiscriminadamente
..internacional
ou não, deixa aos Estados um prazo de nove anos para se
adaptarem à nova regulamentação que estabelece igualmente a
proibição da venda e compra de
minas antipessoal a organismos não estaduais ou
a Estados não Partes no Protocolo. Mas, em definitivo, este protocolo veio legitimar, mesmo que de forma
limitada, a utilização de minas
antipessoal. Desta forma, diversos governos tomaram consciência de que o custo humanitário destas armas
excedia largamente a sua utilidade
militar, tendo sido assim lançado no dia 5 de Outu-bro de
1996 por iniciativa do Canadá o «processo de Ottawa», que culminou com a assinatura a 3 de Dezembro de
1997 da Convenção de Ottawa. Este
instrumento jurídico proíbe a utilização, armaze-namento, produção e transferência de minas
antipessoal e impõe a sua
destruição 18 . Trata-se assim de uma proibição total que as
Altas Partes Contratantes se
comprometem a respeitar e a fazer respeitar.
O artigo 17.
o da Convenção de Ottawa estipula a sua entrada em vigor seis
meses após o depósito do quadragésimo instrumento de
ratificação, de aceitação, de
aprovação ou de adesão 19 .
e)Armas nucleares
Na lista de
armas especificamente proibidas, convém salientar a notória ausência da arma nuclear, que é no entanto
fundamentalmente ilícita face aos
efeitos que produz. O Parecer Consultivo sobre a lici-tude da
ameaça ou da utilização da arma nuclear (TIJ, 8 de Julho de 1996) não colmatou esta lacuna 20 . O
Tribunal, depois de considerar que a
arma nuclear era potencialmente
perigosa para a civilização e para
o ecossistema (§35 e 36), que a cláusula de
Martens confirmava a aplicação do DIH e nomeadamente
dos seus princípios cardi-nais, a
saber a distinção entre combatentes e não
combatentes, a proibição de causar males supérfluos
e o princípio da proporcionali-dade (§78
e 41 a 43), chegou a uma
Direito
Internacional umanitário
18 Sobre o
problema das minas antipessoal,vide
RICR Julho –Agosto 1995.
19 A lei
francesa de 1 de Julho de 1998
autorizou a ratificação da
Convenção de 3 de Dezembro de 1997
e a lei de 8 de Julho relativa à
eliminação das minas antipessoal previu
as suas modalidades de aplicação.No
dia 1 de Setembro de 1998 cerca de 20
Estados tinham ratificado esta
Convenção.
20 Vide RICR,Janeiro
–Fevereiro de 1997,número
especial,pp.3-128
..são
inesperada: a ameaça ou utilização da arma nuclear, que não é
nem expressamente proibida nem constitui
objecto de uma proibi-ção completa
e universal, seria geralmente contrária aos princípios e
regras do Direito Humanitário. Porém, o Tribunal afirmou
igual-mente não se poder concluir de
forma definitiva que a ameaça ou a utilização
da arma nuclear seriam lícitas ou ilícitas numa situação extrema de legítima defesa, na qual estaria
em causa a própria sobre-vivência de
um Estado (ponto E do parecer, adoptado por sete votos contra
sete, com recurso ao voto de qualidade do presidente). Trata-- se de facto de um
non
liquet assimilável a uma
abstenção de se pro-nunciar, já
que o Tribunal declarou ignorar o estado do direito.
f)Armas novas
Neste
domínio, parece que os esforços se relacionam com as armas que reduzem a presença humana nos campos de
batalha (robôs ou armas «stand-off»,
isto é armas disparadas a uma distância de segu-rança) e
com as armas não letais antipessoal que perturbam o
com-portamento do combatente e
aniquilam as suas capacidades (armas acústicas
ou gases neutralizadores). Estas armas, nomeadamente as armas
não letais, não constituem forçosamente um progresso no plano humanitário, já que podem acarretar uma
redução do limiar dos con-flitos 21
.
É
perfeitamente legítimo o temor quanto ao surgimento de outras
armas.
Na linha das
restrições previstas pelo DIH, os Estados comprometeram-se a
determinar a eventual ilegalidade da utilização de qualquer arma nova em relação às disposições do
primeiro Protocolo e de qualquer
outra regra convencional, sob pena de incorrerem em responsabilidade
internacional no caso de serem provocados danos ilícitos.
É evidente que a declaração unilateral de um Estado, afir-mando
o carácter lícito ou não de uma arma nova é desprovida de forma obrigatória,
mas o objectivo visado é unicamente
de obrigar os Estados a procederem a
uma tal análise.
Armas 79
21 Apesar de
não serem dissuasivas, existe o
risco de haver um recurso demasiado
fácil,ou mesmo sistemático a
estas armas. Vide Rabault
(J.P.),art.cit. p.156 e
seguinte
..É, no
entanto, importante notar que a letra do artigo 36. o apenas
obriga o Estado a não utilizar uma
arma cuja ilegalidade tenha sido por si constatada,
não tendo que divulgar esta constatação (por razões de estratégia
militar) e conservando o poder de possuí-la. Resta-nos oespírito
do preceito …
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