Líneas para uma
nova ordem política mundial
Antonio Papisca
Este ensaio,
redigido pelo prof. Papisca, diretor do “Centro de Estudos e
Formação dos Direitos da Pessoa e dos Povos” da Universidade
de Pádua, enfrenta um tema de grande relevância: como renovar o
direito internacional e as instituições internacionais para a
construção de uma “civilização dos direitos humanos
universais” e, mais especificamente, de uma “via jurídica à
paz”.
Precisamos
urgentemente, para a busca de uma nova e eficaz ordem mundial, de
reflexões aprofundadas e de propostas ousadas, ainda que
pioneiras. Este ensaio, desenvolve
uma pesquisa, pelo menos em parte, pioneira e formula opiniões
que podem não coincidir com as opiniões de outros ensaios. Esta
Revista, por exemplo, sustentou sobre o tema da ingerência
humanitária e do conflito do Kosovo, posições em parte
diferentes daquelas expostas no presente ensaio,
que, de qualquer maneira, constitui uma importante contribuição
no debate crucial sobre a nova ordem mundial.
Em 1989, com a queda
do Muro de Berlin, se fechavam quarenta anos de regime bipolar
no mundo, marcados pela contraposição ideológica entre Este e
Oeste e pela estratégia de recíproca dissuasão termonuclear dos
dois Blocos. Aquela queda constituiu um evento de libertação
de enorme alcance, que, porém, não foi gerido pelas classes
governantes dos Paises Ocidentais com o espírito e a capacidade
esperadas.
O principal
indicador desta inadequação é a tentativa, ainda em ato, de
retomar a velha idéia do interesse nacional e da política de potência,
quando, ao contrário, discernimento,
perspicácia e responsabilidade deveriam empurrar para lançar uma
verdadeira ofensiva de solidariedade e cooperação. A estratégia
americana e ocidental, da assim chamada “de-regulation”
(que é substancialmente uma privatização), que começou na
segunda metade dos anos setenta, foi imposta pelo G7 (agora G8 com
a cooptação da Rússia) à Europa Central e Oriental através
dos ditames do livre mercado, sem alguma consideração para as
precárias condições de vida daqueles povos, expostos de um dia
para outro à competição exercitada em escala mundial.
Junto com o mito
do mercado único mundial, a guerra é o outro sinal forte deste desenho
hegemonizante. No passado, para instaurar uma nova ordem
internacional era preciso que houvesse um vencedor no campo de
batalha o qual, forte do poder assim adquirido, impunha as próprias
condições ao vencido em forma de um tratado de paz (obviamente
desigual).
Como se nada tivesse mudado durante todos esses anos, eis que o
Ocidente, “vencedor” da guerra fria, responde às empresas
criminais de Saddam Hussein (invasão do Kuwait) e de Slobodan
Milosevic (limpeza étnica e massacres no Kosovo) com as intervenções
de 1991 e 1999.
A última década
do século se abre e se fecha , portanto, na tentativa de
reproduzir os processos bélicos que tendem a constituir novas
ordem internacionais. Porém, as ultimas duas guerras não
alcançaram os objetivos que os estrategas se propunham, sobretudo
a eliminação dos ditadores e de seus respectivos regimes: os
dois ditadores estão ainda no poder e os sofrimentos das populações
aumentaram, inclusive por efeito das guerras e das sanções
internacionais.
Depois de duas guerras de relevância mundial, não existe ainda
uma nova ordem mundial.
Pelo lado do
mercado a ofensiva da de-regulation não melhora a
humanidade, aumentam as áreas de pobreza e marginalidade
tanto no Sul como no Norte, agrava-se a psicose do inelutável
ligada à mundialização da economia e aumenta a insegurança. Os
destinos da paz social, ou seja, da estabilidade no interior dos
Paises, estão sempre mais ligados àqueles da paz internacionais:
è claro a todos que não se pode ficar bem na própria casa
quando não se está bem naquela dos outros, ou seja, no mundo, e
vice-versa. Se este
é o êxito incontrovertível das políticas perseguidas pelas
classes governantes, o que nos reservará o futuro? Com quem e com
que podemos contar para um amanhã melhor? Quais estratégias
precisamos colocar em ação?
I.
Construir a civilização dos direitos humanos universais
Para quem queira
analisar a fundo a realidade e exercitar a virtude, ativa e
totalmente projetiva, da esperança de perseguir o objetivo do bem
comum, o futuro se apresenta cheio de dificuldades, mas também
rico de aberturas e oportunidades.
Trata-se
descobrir e fazer frutificar os talentos que a história do século
passado nos deixou. Giovanni XXIII os havia percebido como tais na
Encíclica “Pacem in Terris” de 1963, como sinais dos
tempos: em particular a ONU, nascida em 1945, e a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948. Mesmo
na confusão e na agressividade do momento presente estão se
abrindo caminhos para um imperativo que impõe-se com a dupla força
da razão – ou do útil coletivo -
e da ética universal. As pessoas sempre mais concordam que
têm que solidarizar, cooperar, ajudar, compartilhar, gerenciar em
conjunto.
Não há mais
desculpas para não fazer crescer aquelas sementes de universal
que foram “descobertas” e plantadas nos anos quarenta por
pessoas iluminadas da política e da cultura: o Presidente
Roosevelt e Eleonor Roosevelt, Winston Churchill, Pio XII, Jacques
Maritain, René Cassin, Mahatma Gandhi. Nos referimos, em
particular, além da Carta, da
Organização das Nações Unidas e do novo
Direito Internacional (que começou
propriamente com a declaração do 1948) também à cooperação
multilateral entre Estados e Organizações Não Governamentais. Esses valores
universais, quando são genuinamente tais, não morrem, em
qualquer campo eles se expressem, na arte como na religião ou no
direito. De fato, Nações Unidas e Declaração Universal abriram
as portas à fase avançada da civilização do direito e da política,
no signo dos grandes valores humanos: vida, dignidade da pessoa,
liberdade, igualdade, paz, democracia.
Num planeta que é sempre mais interdependente surge a necessidade
de fazer funcionar instituições que garantam
“governabilidade” a nível mundial – nos setores
cruciais da segurança e da orientação social da econômica;
organizações dentro das quais todos os Estados e todos os povos
possam encontrar-se, num plano de igual dignidade, para dialogar e
cooperar.
A necessidade de
construir uma nova ordem mundial, baseada na lei universal dos
direito humanos, não é reconhecida somente pelo papa João Paulo
II e por outras sábias personalidades como, em primeiro lugar, o
Dalai Lama e os prêmios Nobel da Paz, mas também por numerosas
entidades da sociedade civil - ONGs, grupos de voluntários, que
em qualquer parte do mundo, denunciam as injustiças e as
prevaricações e, ao mesmo tempo, projetam e operam para a
solidariedade e a promoção humana além e acima das fronteiras
– como também grupos de estudo como a “Commission on
Global Governance’ (Commissão sobre a governabilidade
global).
O mundo das associações transnacionais
é muito sensível ao desafio da verdadeira legalidade, e
encontra-se, portanto, em concordância natural com o Direito
Internacional dos direitos humanos, um direito inovador, que põe
como própria fundamentação a dignidade da pessoa e não mais
a soberania do Estado, e redefine a velha forma, que ainda
persiste, da estadualidade nacional em termos de necessária
instrumentalidade e funcionalidade com relação às necessidades
vitais das pessoas e das comunidades humanas.
As fontes
principais do direito internacional dos direitos humanos são, a Carta
das Nações Unidas (1945) e a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, promulgada pela ONU em 1948 e as diversas Convenções
jurídicas internacionais adotadas pela ONU: as duas do 1966,
respectivamente sobre os direitos civis e políticos e sobre os
direitos econômicos, sociais e culturais; aquela sobre o genocídio
(1948), sobre a discriminação racial (1965), sobre a discriminação
das mulheres (1979), sobre a tortura (1984), sobre as crianças
(1989). Esta última convenção, que entrou em vigor em 1990, é
o acordo jurídico internacional mais “ratificado” de que se
tenha memória na história: 191 Estados, entre os quais, porém,
ainda não estão presentes os Estados Unidos de América. Estas
“leis internacionais” possuem um raio de ação mundial. A nível
continental, ou sub-continental, estão em vigor a Convenção
Européia pela salvaguarda dos direitos dos homens e das
liberdades fundamentais de 1950 e a homologa Convenção
interamericana do 1969, a Carta africana dos direitos do
homem e dos povos do 1981. Por iniciativa da Liga dos Estados
Árabes, desde 1994, está disponível para ser assinada a Carta
árabe dos direitos humanos. Nestes instrumentos jurídicos são
proclamados princípios, listados direitos fundamentais, previstos
organismos e procedimentos de garantia. Verdadeiras jurisdições
sobre a matéria existem somente na Europa e na América: a Corte
Européia dos Direitos Humanos (com sede em Estrasburgo) e a Corte
Interamericana dos Direitos Humanos (com sede em São José de
Costarica; da qual os EUA, até hoje, não participam).
II.
A via jurídica á paz
O mundo das
entidades da sociedade civil global (global civil society)
está se apropriando deste novo direito com sempre maior consciência,
sobretudo a partir de 1991, ano da guerra do Golfo, que muitos
governos, inclusive o italiano, têm incautamente apresentado como
legitima “operação de policia internacional” da ONU.
A sensibilidade ao respeito cresceu ulteriormente em coincidência
com os eventos bélicos nos Bálcãs, e
em particular, com a recente guerra do Kosovo. Está se reagindo a
uso-abuso da categoria “humanitário” que os cultores da
geopolítica e da Realpolitik utilizam para legitimar operações
que respondem a outras lógicas. As organizações da sociedade
civil e os âmbitos culturais mais atentos, incluindo (até que em
fim!) a Universidade,
estão denunciando este uso-abuso na firme convicção de que a
única alternativa ao uso da força e a uma lógica de potência
(seja militar, econômica o de comunicação), num mundo que não
é mais aquele da paz de Wesfalia, do Congresso de Viena o da Cúpula
de Yalta, é a via jurídica à paz. Uma via já claramente
delineada pela Carta das Nações Unidas e sucessivamente
determinada de forma mais precisa pelo Direito internacional dos
direitos humanos.
É uma via não violenta que repudia a guerra
e defende a democratização das instituições e das políticas
no plano internacional como também na pratica interna dos
Estados, e que persegue uma economia fundamentada na justiça.
A via jurídica
à paz privilegia o método da “prevenção dos conflitos”
através da negociação diplomática, do recurso ao arbitrado e
à jurisdição internacional,
das políticas sociais e econômicas justas, do desarmamento, do
controle do comercio e da produção de armas. Ela prevê também
o uso da força em presença da violação ampla e reiterada
dos supremos valores da ordem internacional, em primeiro lugar
dos direitos humanos. Segundo a Carta das Nações Unidas e as
Convenções sobre direitos humanos, è legitimo e justo empregar
a força militar nas seguintes condições:
1)Quando o
objetivo é acabar com as violações dos direitos humanos que,
pelo fato de serem amplas e reiteradas, põem em perigo a paz e a
segurança internacional;
2)Quando o uso da
força militar é decidido e gerenciado diretamente pelo Conselho
da Segurança das Nações Unidas
ou é por ele expressamente autorizado, no caso em que seja
efetuado por organizações regionais como a Otan;
3)Quando os
objetivos não são a destruição do Estado inimigo (não importa
que seja um território, um povo ou um governo)
mas a interposição entre os contendores, a salvaguarda da vida
das populações, a captura dos criminosos, a distribuição das
ajudas humanitárias (alimentos, medicinais, serviços básicos),
nos casos em que não seja suficiente a intervenção civil; as
modalidades operativas, nesses casos, são do tipo previsto no
artigo 42 da Carta: “demonstrações, bloqueios
e outras operações similares”;
4)O
desenvolvimento das operações militares tem que acontecer no
respeito constante do novo Direito internacional e sob o controle
político constante da autoridade sobre-nacional, em primeiro
lugar das Nações Unidas.
Nestes casos é
apropriado falar de “intervento autoritário da Comunidade
internacional” mais que de “ingerência humanitária”,
expressão não desprovida de ambiguidade.
O uso da força
pelos Países, com exceção dos casos de auto-tutela para rechaçar
uma agressão, sempre dentro dos limites estabelecidos pela Carta
das Nações Unidas,
é ilícito segundo o vigente Direito Internacional.
III.
A ONU como instrumento de democracia internacional
O desenho vétero-estatalista
ou estado-cêntrico que visa substituir o regime bipolar por uma
ordem mundial hegemônica e hierárquica, encontra, por sorte,
dificuldades a ter êxito. As Nações Unidas, pelo menos como idéias
e princípios, embora ainda não como estrutura, resistem aos
insucessos e aos atrasos de que são responsáveis os Estados
membros mais poderosos. Nas organizações da sociedade civil
global avança, como já dissemos, a consciência da necessidade
histórica das Nações Unidas e do novo Direito por ela gerado.
Avança o movimento “constitucionalista” da democracia
internacional.
Faz-se sempre mais orgânica aquela nova cultura política da
“governabilidade global” (global governance) que,
inspirando-se no paradigma dos direitos humanos reconhecidos
internacionalmente, e ao correlato principio de subsidiariedade,
tende a juntar os atores da decisão política e os atores da
participação democrática no
interior de um percurso comum que, sem solução de continuidade,
vai desde os microníveis de governo locais até o macro nível de
governo mundial. Ao pânico da mundialização que apavora a
maioria das atuais classes governantes e faz com que percam o fôlego
e se tornem mendigos dos cínicos gestores do mercado e da
financia internacional, contrapõe-se uma estratégia política
que tende, antes de tudo, a conter os efeitos devastadores
provocados pelo extravasamento da de-regulation do âmbito
da economia para o âmbito das instituições (com o intuito de
desmantelar instrumentos e procedimentos públicos destinados ao
bem comum). É preciso, portanto, responder às exigências
elementares de legalidade e de segurança em todos os níveis,
apostando na recuperação e na revitalização das instituições
internacionais e dos programas de cooperação multilateral. O
grande desafio é como gerenciar legalmente e
eficazmente a compenetração entre interior/exterior,
nacional/internacional.
Os pontos mais
importantes da “agenda” para uma nova ordem internacional mais
justa, pacífica, democrática e solidária, se referem à
revitalização, potencialização e democratização das
instituições que, pela própria natureza constitutiva, estão
adequadamente dimensionadas para o tamanho dos desafios a serem
enfrentados: as Instituições da Comunidade Internacional, em
primeiro lugar a ONU, o inteiro sistema das Nações Unidas, as
organizações regionais como, por exemplo, a Organização da União
Africana, e também a União Européia. Em particular, quanto à
segurança coletiva, um nó que tem que ser desatado é a OTAN. As
indicações sintéticas que seguem, são retiradas do “arsenal
de instrumentos do canteiro de obras” sobre a nova ordem mundial
elaborado pela parte mais positiva e ativa das entidades da
sociedade civil global.
IV.
Para uma democratização da ONU
As Nações
Unidas têm como prioridade os seguintes objetivos, que devem ser
perseguidos, potenciados e democratizados:
- reforma do Conselho
de Segurança: composição mais representativa (que
valorize mais os Paises do Sul do Mundo), abolição do poder
de veto no médio prazo, imediata suspensão (moratória) do
seu exercício para os assuntos referente aos direitos humanos
e à ajuda humanitária;
- criação de uma
“Assembléia Parlamentar das Nações Unidas”, composta
por delegações dos parlamentos nacionais, que opere ao lado
da atual Assembléia Geral, composta por representantes dos
Estados;
- composição
tripartida das delegações dos Estados nos interior dos
principais órgãos de decisão: Assembléia Geral, Conselho
de Segurança, Conselho Econômico e Social, Comissão dos
Direitos Humanos;
- ulterior desenvolvimento
do “status consultivo” das Organizações Não
Governamentais em direção de um “status co-decisório”,
pelo menos em assuntos relativos a direitos humanos,
cooperação ao desenvolvimento, meio ambiente;
- criação de um Conselho
para a Segurança Econômica, ou
reforma, nesta direção, do atual Conselho Econômico
Social, de modo a exercitar funções de orientação da
economia mundial num sentido social;
- por em funcionamento
rapidamente a Corte Penal Internacional, instituída em
Roma em Julho do 1998, e potenciar os vários órgãos da ONU
destinados a supervisionar a atuação das Convenções
internacionais em tema de direitos humanos, começando pelos
seis comitês supra-nacionais competentes para os direitos
civis e políticos, os direitos econômicos sociais e
culturais, a discriminação racial, a discriminação contra
mulheres, a tortura, as crianças;
- criação da força
permanente de policia militar internacional, sob a
autoridade das Nações Unidas (Conselho de Segurança e direção
política do Secretario Geral);
- retomada da política
de desarmamento como função primária do Conselho de
Segurança;
- criação de um grupo de
trabalho oficial, aberto também às ONGs com status
consultivo que proponha regras pra a o controle do comercio e
da produção de armas;
- criação de um sistema
de recursos das nações Unidas (por exemplo imposta sobre
transações internacionais, sobre viagens aéreas
internacionais);
- profunda revisão do
atual sistema das sanções internacionais, no sentido de
mudar a lógica que se revelou perversa porque penaliza os
mais fracos;
- explícita declaração
acerca da inaplicabilidade do artigo 106 da Carta das Nações
Unidas, uma “disposição temporária de segurança”
que, substancialmente considera as cinco Potências vencedoras
da segunda guerra mundial (o seja, os cinco membros
permanentes do Conselho de Segurança) como garantes supremos
da ordem mundial, acima e além da mesma Carta, até
quando não será aplicado o art. 43, ou seja, a criação de
uma força de policia militar internacional permanente das Nações
Unidas.
V.
Para uma mais ampla e profunda integração européia.
Neste mesmo
desenho de ordem mundial inscreve-se a “agenda” pelo
desenvolvimento da União Européia, no intuito de
“constitucionalizar e ampliar”, com os seguintes objetivos
prioritários:
- adoção da Constituição
Européia, começando pela Carta dos direitos
fundamentais: o Conselho Europeu, nas suas reuniões de Colônia
(junho 1999) e de Tampere (outubro 1999), deu impulso a este
processo com a criação de um órgão de alta representação
político-institucional;
- estrênua defesa do Direito
internacional dos direitos humanos mediante a explícita
referência a ele em todo e qualquer acordo entre a União
Européia e outros Paises;
- rápido alargamento
da União a todos os Paises europeus, com o ingresso de
outros Paises europeus na União sem que sejam penalizados com
condições cabresto;
- estreita cooperação
com os Paises do Mediterrâneo, no
interior de um sistema de segurança comum
multidimensional (político, militar, econômico e
social);
- coordenação sistemática
com o sistema de segurança das Nações Unidas, sobretudo com
relação à política exterior e à segurança comum;
- rápida transformação do
Parlamento Europeu em Assembléia Plenamente Legislativa;
- transformação das
atuais confederações dos partidos políticos europeus
(Partido Popular Europeu [PPE], Partido Socialista Europeu [PSE]
e outros ...) em autênticos, isto é, transnacionais,
partidos europeus;
- contenção das
excessivas pressões dos lobbies econômicos e financeiros,
inclusive mediante um formal reconhecimento de um espaço de ação
das ONGs de promoção humana no sistema institucional da União
Européia.
VI.
Reforma da OTAN
A OTAN é
uma questão muito delicada na nossa “agenda”. Criada em um
momento histórico de contraposição entre Este e Oeste, ela não
teria mais razão de existir, hoje, e a sua existência só se
justifica se for realizada uma profunda reconversão funcional que
a transforme de aparato de defesa (bélica) a força internacional
de policia militar. Os eventos do Kosovo suscitam uma profunda
apreensão porque a OTAN conduziu uma intervenção bélica com as
finalidades e os métodos da guerra clássica, violando
abertamente o Direito Internacional em vigor começando pelo próprio
Estatuto da Carta das Nações Unidas.
Inquietam também as tentativas da superpotência, e de alguns dos
seus aliados, de modificar este Estatuto, no sentido de
desvincula-lo das referências à Carta das Nações Unidas
e, portanto, da obrigação de respeitar os princípios gerais e,
em particular, as disposições do capitulo VIII, que exigem a
autorização do Conselho de Segurança para o uso da força. Tenta-se,
assim, de restaurar o antigo direito das soberanias estaduais
armadas, reconhecendo a um grupo de Estados ou a um só o
direito-dever de intervir com a força em nome da Comunidade
Internacional inteira.
Assim, se
subverteriam a filosofia e a arquitetura do sistema das Nações
Unidas que, ao contrário, foi pensado para subordinar os
subjetivismos e os arbítrios que inevitavelmente conformam as políticas
do “interesse nacional” ao superior interesse da comunidade
humana.
O legítimo
futuro da OTAN é, come já dito, a sua transformação em
força de policia militar internacional, operante no sistema de
segurança coletiva das Nações Unidas. A alternativa poderá
ser o seu desmantelamento, também por efeito da criação de um
sub-sistema pan-europeu de segurança, resultado de uma coordenação
da União Européia Ocidental (UEO) – braço militar da União
Européia, como estabelecido pelo tratado de Maastricht – com um
mais amplo e desenvolvido mecanismo operativo da Organização
sobre a Segurança e a Cooperação em Europa (OSCE). Não há uma
terceira solução, pena o adiamento de uma insustentável situação
de instabilidade (e de latente ilegalidade).
Hoje, o avanço
da civilização do direito e da política, desde a aldeia e a
cidade até a ONU, está confiado, mais do que as chancelarias dos
Estados, ao discernimento e ao empenho em campo das forças
sadias, aquelas que chamamos de forças de promoção humana da
sociedade civil global.
Esse
texto apareceu na revista “Aggiornamenti Sociali – Junho
2000”, Milano, Itália. Tradução de Mônica Zambotti,
Revisão de Giuseppe Tosi.
Professor do Departamento de Ciência Política da
Universidade de Pádua e Diretor do “Centro di studi e
formazione sui diritti della persona e dei popoli” da mesma
universidade.
Sobre o Direito internacional dos direitos humanos ver, entre
outros: A. PAPISCA, “Diritti umani”, in E. BERTI, G.
CAMPANINI (ed.), Dizionario delle idee politiche, AVE,
Roma 1993, 189-199; Tribunale Permanente dei Popoli, La
conquista dell’America e il diritto internazionale,
Bertani, Verona 1994; P. DE STEFANO, Il diritto
internazionale dei diritti umani, CEDAM, Padova
1994; A. PAPISCA, “L’internazionalizzazione dei diritti
umani: verso un diritto panumano”, in C. CARDIA (org)
Anno Duemila, primordi della storia mondiale,
Giuffrè, Milano 1999, 141-170.
A
guerra se caracteriza pelo fato de que o alvo, isto é, o
inimigo é um Estado, isto è, uma entidade constituída por
um conjunto de território, população, estrutura de governo
e o objetivo é destruir o inimigo, in toto ou
in parte.
O animus bellandi è incindível do animus
destruendi. As operações bélicas tendem a sair do raio
de operação do direito, pela sua própria natureza
constitutiva e por dinâmicas espontâneas. O que se chama de
“Direito internacional humanitário”, ou direito de guerra
(cuja fonte principal são as Convenções
de Genebra de 1949 e os Protocolos aditivos de 1977),
foi pensado, de
forma louvável, para limitar e mitigar a absolutidade do ato
bélico, preocupando-se com os civis, as crianças, os preso,
os feridos. Porém ele nada mais é que do que o antigo ius in bello, especular ao ius ad bellum dos Estados e assume como pressuposto
que a guerra é um instituto legítimo das relações
internacionais, e não atinge, portanto, a substancial
anomia homicida da guerra.
Bem diferente é a ratio do “Direito
internacional dos direitos humanos”, que antepõe à
soberania dos Estados a dignidade da pessoa humana, proíbe a
guerra e obriga a perseguir objetivos de segurança coletiva.
A diferente ratio
contrapõe e torna antinômicas estas duas partes do Direito
internacional. O direito penal internacional (este também uma
parte nova e inovadora) que está em fase de construção e
está baseado no princípio da responsabilidade penal pessoal
(inclusive em sede de direito internacional) para crimes
contra a humanidade e de guerra, consente de resolver a
antinomia a favor do Direito Internacional dos direitos
humanos. Responsabilidade penal e direitos humanos são partes
de uma mesma concepção do ordenamento jurídico que coloca a
pessoa com os seus direitos inatos, no centro da legalidade e
dos sistemas de garantias.
Ver quanto disse na nota
16.
Ver, sobre o assunto: B. KOUCHNER, M. BETTATI, Le devoir
d’ingérence, Denoel, Paris 1989; A. PAPISCA, “La
posizione della società civile europea sul tema della
ingerenza umanitaria”, in Pace, diritti dell’uomo,
diritti dei popoli, 3 (1993), 125 ss.; “Liaison
Committee of Development ngos to the European Union”,
in Atti della Conferenza internazionale “Conflict,
development and military intervention: the role, the position
and experience of ngos”, Brussels 8-9 April 1994.
Ver o art. 51 da Carta das Nações Unidas: “Nenhuma
disposição do presente Estatuto prejudica o direito natural
de auto-tutela individual ou coletiva, no caso em que tenha
lugar um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas,
até que o Conselho de Segurança não tenha tomado as medidas
necessárias para manter a paz e a segurança
internacional”. Trata-se, portanto, de defesa sucessiva a um
ataque armado e temporária, não do instituto da “legítima
defesa preventiva”, típico do velho Direito internacional.
Todavia, Estados Unidos, URSS e Israel interpretaram
repetidamente o art. 51 no sentido da “legítima defesa
preventiva” com o objetivo de utilizar o artigo em questão
como cavalo de Tróia para reintroduzir este velho e arbitrário
instituo no novo Direito internacional. O argumento aduzido é
que, na ausência de um eficaz sistema de segurança coletiva,
os Estados não podem privar-se de um essencial instrumento de
garantia. Resta
evidentemente intacto o interrogativo sobre as
responsabilidades de quem, mesmo tendo todo o poder – e o
dever jurídico – de pôr as Nações Unidas nas condições
de gerir eficazmente o sistema de segurança coletiva, não se
comporta coerentemente.
Nos grandes meios de comunicação se omite intencionalmente
esta “renda de posição” acumulada pelas Nações Unidas.
As organizações não governamentais e, mais em geral, o
movimento transnacional da sociedade civil global assumiram a
idéia das Nações Unidas, ou seja, a carga de idealidade e
de ética universal que está presente em sua Carta.
Isto contribui para explicar a extensa mobilização do mundo
não governamental em 1995, na ocasião do 50° aniversario
das Nações Unidas e o apoio dado a Boutros Boutros-Ghali
(considerado imparcial e sensível à “legalidade
supra-nacional) quando se colocou a questão da sua recondução
ao Cargo de Secretário Geral. Como se sabe, o projeto faliu:
dos 15 membros do Conselho de Segurança, 14 votaram a favor,
e um contra. O voto contrário foi dos Estados Unidos, que
exercitaram assim o seu poder de veto. Sobre as orientações
“onusianas” das entidades da sociedade civil, ver o útil
volume de N. GIANDOMENICO e F. LOTTI (ed.), L’onu dei
popoli. Progetti, idee e movimenti per riformare e
democratizzare le Nazioni Unite, Gruppo Abele, Torino
1996, 222.
Democracia internacional que deve ser
entendida como expressão da vontade dos sujeitos que são
titulares dos direitos humanos reconhecidos pelo novo Direito
internacional em vigor: as pessoas humanas e os povos.
Portanto, democracia como: a) legitimação, quanto mais
direta possível, das instituições internacionais; b)
participação política aos processos de decisão. Nos
ambientes diplomáticos se entende ainda por democracia
internacional, impropriamente, o igual direito de voto dos
Estados (representados pelos respectivos executivos) nos
procedimento de voto dos organismos internacionais: “one
State one vote”. Mas esta é a tradução procedural do
velho princípio da “soberana igualdade” dos Estados.
Sobre o tema da democracia internacional, que é o grande
desafio dos anos a vir junto com o dos processos de mundialização,
ver: J. GALTUNG, The True World: A Transnational
Perspective, The Free Press, New York 1980; A. PAPISCA,
“Ordre de paix et démocratisation des institutions”, in
AA. VV., Droits des peuples, droits de l’homme. Paix et
justice internationale, Centurion, Paris 1984, 136 ss.; A.
PAPISCA, Democrazia internazionale, via di pace. Per un
nuovo ordine internazionale democratico, Angeli, Milano
1986; P. FERRARA, La pace transnazionale. Per un nuovo
pluralismo nella politica mondiale, Città Nuova, Roma
1989; D. HELD, Democracy and the Global Order. From the
Modern State to Cosmopolitan Governance, Polity Press,
Cambridge 1996.
Uma contribuição significativa e exemplar está no livro já
citado de N.
GIANDOMENICO, F. LOTTI (ed.), L’onu dei popoli.
Uma da hipótese è que uma assembléia de “segundo grau”
possa conduzir à criação de um “parlamento dos Povos das
Nações Unidas”, em analogia com o percurso realizado no
interior do sistema da integração européia: em 1952, com o
início da CECA (Comunidade Econômica do Carvão e do Aço)
entrou em funcionamento uma “assembléia parlamentar”; em
1979 aconteceram as primeiras eleições dos membros do
“Parlamento Europeu”, câmara eletiva, portanto, de
primeiro grau.
Recita o art. 106: “Na espera que entrem em vigor acordos
especiais previstos pelo art. 43, tais que, segundo o parecer
do Conselho de Segurança, possam tornar possível que o mesmo
dê início ao exercício das próprias funções em
conformidade com o art. 42, os Estados participantes da
Declaração das Quatro Potências, assinada em Moscou em 30
de outubro de 1943, mais a França, considerando também a
disposição do parágrafo 5 daquela Declaração, se
consultarão entre eles e, quando o exigem as circunstâncias,
com outros Membros das Nações Unidas, em vista daquela ação
comum em nome da Organização que possa ser necessária para
a manutenção da paz e da segurança internacionais”.
Portanto, quanto foi até o momento realizado pelas Nações
Unidas, mediante o uso da força militar, isto é, as operações
chamadas de peace-keeping, não pode ser reconduzido às
previsões do art. 42, justamente porque falta o instrumento
militar diretamente comandado pelas Nações Unidas. Esta tese
foi endossada por Boutros Boutros-Ghali no seu relatório “Agenda
para a paz”, de 1992.
Ver, entre outros: A. PAPISCA, “Il futuro prossimo dei
diritti umani nell’Unione Europea”, in F. ATTINÁ, F.
LONGO (ed.), Unione Europea e Mediterraneo fra
globalizzazione e frammentazione, Cacucci, Bari 1996,
47-72; Id., “Human Rights and Civil Society Mouvements. The
Critical Mass for improving European Integration”, in The
European Union Review, 2 (1999), 7-11 (Rivista dell’Associazione
Universitaria di Studi Europei [ause], Cacucci). Ver também:
M. MASCIA, A. PAPISCA (ed.), Il processo costituente in
Europa. Dalla moneta unica alla cittadinanza europea,
Cacucci, Bari 2000.
É a chamada “cláusula direitos humanos”, que contêm o
“princípio de condicionalidade” que subordina a aplicação
dos tratados ao respeito dos direitos humanos e dos princípios
democráticos. É uma práxis incipiente no sistema das relações
internacionais.
Lemos no Tratado do Atlântico Norte (4 de abril de
1949) Preâmbulo: “As Partes reafirmam a sua fé nos fins e
nos princípios da Carta das Nações Unidas [...]”.
Art. 1: “As Partes se comprometem, como estabelecido na Carta
das Nações Unidas, a resolver com meios pacíficos
qualquer controvérsia internacional na qual elas podem estar
envolvidas, de maneira tal que a paz e a segurança
internacional e a justiça não sejam prejudicadas, e a se
abster, nas suas relações internacionais, da ameaça ou do
uso da força de maneira incompatível com as finalidades das
Nações Unidas”.
Comovente é o reconhecimento que João Paulo II devotou a
essas forças, na Mensagem para a jornada mundial da paz do
dia I de janeiro de 2000:
“Frente ao cenário de guerra do século XX, a honra da
humanidade foi salvada por aqueles que falaram e trabalharam
em nome da paz” (n. 4). Neste documento e no sucessivo
Discurso ao Corpo Diplomático do 11 de janeiro de 2000, o
Papa oferece uma contribuição relevante à elucidação dos
princípios e institutos do novo direito Internacional.
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