Os atentados
ao World Trade Center e os bombardeios no Afeganistão ocupam,
desde o dia 12 de setembro, as manchetes dos principais veículos
de comunicação brasileiros. Mas qual a qualidade dessa
cobertura? Estamos fazendo um jornalismo isento? Quais as consequências
desta crise para o nosso País? Qual é o desempenho do governo
federal diante da crise? O jornalista, professor da Escola de
Comunicação da Universidade de São Paulo – USP e membro da
equipe do Instituto Cidadania, Bernardo Kucinski, respondeu para o
Observatore estas e outras perguntas.
“A paz é uma questão estratégica”
Qual é a
contribuição de organismos internacionais na solução dos
conflitos?
Antes do
Tribunal de Haia ter sido rifado, foi rifado o Conselho de Segurança
da ONU e a própria ONU. Está falando o Império americano, com o
poder da sua força. E os americanos precisam demonstrar ação,
para superar o próprio trauma. Suspeito mesmo que precisam de heróis
e por isso não basta o bombardeio aéreo, que é um gesto
covarde. Vão fazer besteiras ainda maiores, como a de invadir por
terra o Afeganistão. Com tudo isso, vai ser aberto o caminho para
um novo patamar de intervenções dos EUA no mundo e uma certa
territorialização de seu domínio, que até agora era
basicamente por controle remoto, da economia mundial e das finanças
mundiais.
Qual o
risco que representa, para a liberdade de imprensa, a atitude dos
EUA de cercear o acesso às informações?
Nos Estados
Unidos, o risco é real e grande, porque já houve o precedente do
Macartismo e porque o moral americano foi profundamente abalado e
isso fará deles, por algum tempo, seres irracionais. Já está
havendo auto-censura generalizada no país e censura militar no
teatro de operações, além de uma incidência constante de
intolerância. Nos outros países, há um reflexo desse padrão,
devido ao controle da CNN sobre o noticiário, complementado por
um acompanhamento do mesmo padrão pela BBC em grande parte de sua
cobertura, que, no entanto, é mais bem informada.
Como o senhor
avalia a cobertura dos atentados pela imprensa brasileira?
A
cobertura da imprensa brasileira tem sido muito dependente,
especialmente em imagens, da CNN, que se tornou, desde o início,
um dos instrumentos de guerra dos norte-americanos. Na imprensa
escrita, por algum lado, fomos capazes de oferecer uma visão
diferenciada, especialmente através do espaço dado a escritores
e pensadores em geral. Mas nos ressentimos da falta de repórteres
em locais-chave, da hegemonia ideológica norte-americana e da ausência
geral de conhecimentos dessas regiões. Alguns poucos repórteres,
como Pepe Escobar, têm conseguido transmitir visões diferentes,
mas limitadas a aspectos mais mundanos dos conflitos. A cobertura
do aspecto estritamente militar tem sido infantil, baseada numa
concepção “videogame”, da guerra.
A cobertura brasileira é parcial, a exemplo
da norte-americana?
Os veículos
têm dado pouco espaço aos protestos pacifistas. Alguns, como a
Veja, declararam guerra ao Taliban por conta própria. Além
disso, faltam informação e análise das questões estratégicas
e diplomáticas. Perguntas cruciais não foram até hoje
respondidas: por que os dois edifícios caíram de modo tão fácil?
Como foi derrubado o quarto avião? Qual o grau da censura interna
nos EUA? Quantos estrangeiros estão presos? E os brasileiros
presos, como estão? Por que a CIA e o FBI fracassaram em detectar
o plano terrorista que consumiu um ano de preparo?
Qual é a avaliação sobre a postura do
governo brasileiro nesse episódio?
Achei
ruim a posição do governo, de apoio praticamente incondicional
às ações americanas. Deveriam ter apoiado irrestritamente à
condenação do terrorismo, mas exigido que toda ação posterior
fosse dentro da lei e dos tratados internacionais. FHC está
tentando se projetar como líder do mundo livre, lado a lado com
Bush. Comentaristas de direita tentam associar a esquerda ao
ataque terrorista e o terrorismo em geral. Mas, se não houver um
agravamento muito grande do conflito e do quadro econômico em
geral, creio que nada disso reverterá a expectativa política,
que é a do descarte dos tucanos e, especialmente, da corrupção.
Como ficam a América do Sul, e o Brasil
nesse novo cenário?
É muito
cedo para dizer. Em princípio haverá mais pressão dos EUA para
o acesso livre a nosso território, nosso espaço aéreo e às
nossas facilities, como
Amazônia e Alcântara. A América do Sul, de qualquer maneira,
está economicamente destroçada e nas mãos dos americanos,
pronta para ser engolida pela ALCA.
Como o senhor analisa o papel das ONGs neste
novo cenário?
Um papel
mais difícil, do ponto de vista ideológico. Mas, por isso mesmo,
mais necessário. É num momento como esse que a defesa da paz e
dos direitos humanos se torna questão estratégica e um desafio.
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