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A Diferença Que Um Dia Pode Fazer

 

Joanna Berkman

Jornalista norte-americana editora do relatório anual sobre o fome da ONG Bread for the World e do International Food Policy Research Institute (IFPRI)

Tradução livre do título da música a Difference a Day Makes

 

Os dois aviões sequestrados que colidiram com as torres gêmeas do World Trade Center em 11 de setembro destruíram instantaneamente o horizonte de arranha-céus de Nova lorque e seu status quo. Tanto este ato de guerra como seus perpetradores foram absolutamente atrozes. Mas a maldade tem uma beleza toda sua. Esse odioso ataque foi indiscu­tivelmente concebido e executado com elegância. Os terroristas não so­mente assassinaram 6.000 pessoas e feriram pelo menos outras 8.700. Eles nos fizeram assistir aos ataques no momento em que aconteciam usando a mesma mídia que consideram decadente e aproveitando-se das mesmas liberdades que tanto desprezam. Foi diabólico. Foi brilhante.

O ataque lembrava um videogame violento ou um filme apocalíptico produzido em Hollywood. Enormes bolas de fogo, colunas de fumaça, grandes explosões, terroristas árabes e pessoas gritando e correndo para salvar suas vidas. Mas aquilo não era diversão. Era real. E estava aconte­cendo conosco, aqui, não em Tel Aviv, mas na cidade de Nova lorque, o coração do Sonho Americano, o epítome das aspirações e oportunidades dos Estados Unidos.

Estamos vivendo no limite, sem saber o que vai acontecer ou quem será o próximo. Os desdobramentos do ataque do dia 11 de setembro vêm se revelando em todos os níveis, das mais variadas maneiras, desde aque­le dia fatídico em que o choque levou os americanos a clarificar seus valo­res coletivos nacionais. O preço da liberdade é a eterna vigilância. Nós havíamos sido negligentes. Começamos a repensar tudo.

Nossos governantes, assim como a sociedade, reagiram imediata­mente. Pessoas com experiência em áreas cruciais chegaram ao local do aci­dente em Nova lorque vindas de todo o país. Eram médicos, enfermeiros, técnicos em emergências médicas, soldadores, trabalhadores da construção civil, operadores de equipamentos pesados, equipes de busca e salvamento, quiropráticos, especialistas em massagem terapêutica, profissionais da área de saúde mental, e conselheiros espirituais que foram chegando até serem recusados, pois já havia um número excessivo deles. Eles vieram de carro desde a Califórnia, e de bicicleta desde Connecticut. Eles precisavam estar lá, para ajudar, para fazer alguma coisa. Isso é o jeito americano.

Milhares de voluntários doaram sangue. Milhares recolheram rou­pas limpas e cozinharam para os bombeiros e policiais que se dedicaram diuturnamente ao trabalho de salvar vidas. Cidadãos comuns se apresen­taram para o serviço público para trabalhar de graça, às suas próprias custas, em um ato de bondade, compaixão e generosidade. Eles abriram seus corações e ofereceram dinheiro, recolhendo milhões de dólares para as vítimas e suas famílias. O pior acontecimento revelou o melhor de cada um de nós. Descobrimos o verdadeiro sentido de “sociedade civil”. Estáva­mos orgulhosos de ser americanos.

O patriotismo explodiu como os fogos de artifício no 4 de julho. Pessoas que nunca antes haviam pensado em fazer isso, correram para comprar uma bandeira americana. Eles a exibiram do lado de fora de suas casas e escritórios, vestiram-se com ela, prenderam-na em seus carros, e decoraram suas janelas como símbolo de unidade, determinação, e triste­za nacional. Problemas triviais e menores foram deixados de lado para revelar o que realmente importava. Bombeiros, policiais e os reféns con­denados à morte que dominaram os terroristas e desviaram o quarto avião sequestrado, que tinha como possível alvo a Casa Branca ou do Capitólio, para um campo na Pensilvânia substituíram os astros do esporte e da música como nossos novos e verdadeiros heróis.

Diferenças políticas foram temporariamente esquecidas. Em Nova lorque, o governador George Paraki, a Senadora Hillary Clinton e o prefeito Rudy Giuliani, que já foram desafetos políticos, deixaram de lado suas dife­renças para trabalhar pela cidade. Em Washington, congressistas republica­nos e democratas que sempre se opuseram uns aos outros passaram a se abraçar em público, O Congresso reuniu-se nas escadas do Capitólio em um show sem partidarismo e cantou “God Bless America - Deus Abençoe a Amé­rica”, que veio a tornar-se o hino nacional não oficial. As pessoas começa­ começaram a cantá-lo em todos os lugares onde um grupo estivesse reuni­do, fossem templos religiosos, jogos de beisebol ou serviços funerários. Essa solidariedade nos mostrou de uma só vez que a nossa democracia poderia - e deveria - ser assim.

O Presidente George XV. Bush deixou de esconder-se atrás das baixas expectativas e passou a agir como um líder verdadeiro. Ele, que não venceu pelo voto popular e foi eleito pela maioria do Tribunal Superior, que passou mais tempo de férias nos seus primeiros seis meses de mandato do que pare­cia razoável, cujos pronunciamentos inarticulados e sem propósito causa­ram situações de embaraço, ansiedade e ridículo; este homem teve que to­mar a frente de uma situação que exigia um Roosevelt ou um Churchill.

No início, George W. Bush era o Onde está Wallie? do governo naci­onal. Ele deixou a Flórida, onde estava quando o primeiro ataque ocor­reu, e voou para a Louisiana e para o Nebraska, por motivo de segurança segundo informações, antes de finalmente voltar a Washington. Em suas primeiras aparições na TV, suas mensagens à nação eram demasiado cur­tas, tépidas e nem um pouco arrojadas. Então, um milagre aconteceu, O discurso de meia hora que o presidente fez em uma sessão conjunta do Congresso foi irretocável e surpreendente e captou perfeitamente o espíri­to do povo americano. Se Bush ou é ou não o líder que precisamos neste momento não importa. Ele é o Presidente que temos e está recebendo o apoio do povo americano. Aqueles que duvidaram de sua inteligência não chegaram a mudar de idéia. Temos a certeza de que não foi ele quem escre­veu aquele discurso. Mas fomos tranquilizados pela cautela do Secretário de Estado, Colin Powell, e pela transformação de outros políticos, como o irascível Rudy Giuliani, em líderes verdadeiros e humanos.

Revimos cada campo de nossa existência após o ataque de li de setembro. Em muitos aspectos, as mudanças foram absolutas. A atitude dos LUA perante a ONU foi realizada. Finalmente iremos pagar nossas dívi­das, há muito atrasadas devido a oposição de congressistas reacionários .

Hollywood e os fabricantes de videogames sucumbiram à introspecção, e reavaliaram a ‘receita de bolo cujos ingredientes principais eram assassinatos e destruição e que nos era empurrada como diversão. Durante muitos anos, eles negaram veementemente a ligação entre seus “produtos” e a violência em nossa sociedade, mesmo quando adolescentes desequilibrados traziam armas para as escolas, em sequência, para atirar em seus professores e cole­gas. ‘Quem iria pensar que um ataque terrorista, um acidente de avião, ou um prédio em chamas seria considerado divertido agora?” eles perguntaram. Eles já deveriam saber a resposta para aquela pergunta há muito tempo.

Entretanto, nem tudo mudou radicalmente após nossa reflexão forçada. O racismo, que é uma falha de caráter nacional e recorrente mos­trou sua face repulsiva, e crimes de ódio contra qualquer pessoa que apa­rentasse ser árabe ou muçulmana ocorreram, incluindo vários assassina­tos. O nosso medo é tão grande que passageiros e comissários de bordo recusaram-se a decolar a não ser que homens “com aparência suspeita” fossem retirados do avião. Enquanto o povo americano tenta recuperar seu senso de proteção e segurança pública, estamos cientes de que não podemos violar os princípios que buscamos defender. Quando promete­mos fidelidade à bandeira (agora com sinceridade e não mais mecanica­mente), declaramos ser “uma nação, obediente a Deus, com liberdade e justiça para todos”. Mesmo que nosso país não tenha sempre mantido seus elevados padrões, eles são os nossos ideais. À medida em que parti­mos em busca dos terroristas que destruiriam nossas liberdades, nos empenhamos para resolver a questão do perfil racial, uma prática que vem incomodando nossos cidadãos afro-americanos há várias gerações. Não repetiremos o vergonhoso erro de criminalizar um grupo inteiro de ameri­canos, como o governo fez ao deter e confinar milhares de leais nipo­americanos durante a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, quando quem nos ataca são árabes e muçulmanos que passam por nós como pessoas comuns, separar os terroristas dos cidadãos nos coloca em uma situação difícil. Devemos encontrar uma maneira de identificar os perpetradores sem condenar as comunidades islâmicas e árabes.

Além disso, há a questão da mulher, sempre a Última e menos importante. Quando é que os Estados Unidos irão lutar pelos direitos humanos das mulheres, da maneira que nós lutamos pelos direitos dos judeus de viver em Israel e para Israel existir? Todas as americanas que eu conheço acharam que a violência que o Taliban impõe às mulheres tem a ver com a violência que eles perpetraram contra nós, mas o silêncio oficial do governo sobre o assunto é ensurdecedor. Os Estados Unidos sabiam que a máfia religiosa e fascista do Afeganistão estava perseguindo as mulheres, assim como nós sabíamos que os nazistas estavam assassinando os judeus. As americanas tentaram em vão tornar público esse abuso, assim como os judeus americanos e europeus ten­taram fazer com que os Estados Unidos reagissem de forma decisiva para colocar um ponto final na exterminação dos judeus.

Sabíamos, e ficamos de braços cruzados quando o Taliban tornou crime o fato de ser mulher, assim como não fizemos nada quando os ale­mães decidiram que era crime ser judeu. As táticas do Taliban eram idênticas aquelas dos nazistas. Ao tomar Cabul em 1995, o Taliban colocou to­(1 i mulheres e meninas sob custódia doméstica, justificada pela rubri­ca ‘legal” de sua ideologia repressiva. As mulheres não podiam sair de suas casas sem a companhia de um parente varão. Aquelas que ousassem sair cm público tinham que cobrir-se com uma “burka”, traje oficial feito de acordo com as regras do Taliban, que consiste em uma túnica que cobre iodo o corpo e tem na altura dos olhos uma tela que mal possibilita uma visão parcial. Meninas foram proibidas de frequentar a escola. Mulheres não podiam trabalhar, nem mesmo médicas e enfermeiras. Mulheres não podiam ser tratadas por médicos do sexo oposto. Bandos de homens e rapazes perambulavam pelas ruas e batiam em qualquer mulher que não ~ comportasse conforme determinava a política de pureza e retidão estabelecida pelo Taliban. Ainda assim, a semelhança entre essas medidas e as estrelas amarelas e camisas marrons do nazismo não soaram o alerta.

As agências internacionais de ajuda humanitária que enviaram ali­mentos, aqui incluídas as ONGs americanas e européias que representam os países que lutaram na Segunda Guerra Mundial, aceitaram as restrições que o Taliban impôs às mulheres. Os homens ocidentais não iriam tocar na ques­tão de gênero”. Era perigoso demais. Os direitos das mulheres eram uma questão de tradição, religião e costumes. Entre homem e mulher ninguém mete a colher. Esta relatividade cultural obscena, essa amnésia histórica e essa covardia tios conduziram diretamente à guerra contra o terrorismo que agora enfrentamos. Deveríamos saber onde esses direitos humanos contra as mulheres nos estavam levando. Ainda assim, em maio último, os Estados Unidos doou US$45 milhões ao Taliban como recompensa pela erradicação das plantações de papoula, uma política que deveria ter sido o contraforte da mal orientada e fracassada Guerra contra as Drogas americana, O que achávamos que eles iriam fazer com esse dinheiro?

Agora temos que matar o monstro que ajudamos a criar. Deveríamos ter prestado atenção ã advertência de Martin Niemoeller (1892-1984), uni oponente dos nazistas que somou o custo do apaziguamento e da acomodação. “Primeiro eles foram atrás dos comunistas, mas como eu não era comunista, não me manifestei. Depois eles foram atrás dos socialistas e dos sindicalistas, mas como eu não era nem um nem outro, não me manifestei. Dai eles foram atrás dos judeus, mas eu não era judeu, então não me manifestei. Então, quando eles vieram atrás de mim, não havia mais ninguém para se manifestar em meu favor”.

Os Estados Unidos ignorara m a perseguição das mulheres pelo Taliban. E dai eles vieram atrás de nós. Não haverá justiça nem paz até que os homens se manifestam pelos direitos das mulheres, pois a subjugação das mulheres é o modelo para toda a opressão. É difícil imaginar situação semelhante na qual as mulheres não lutariam até a morte para libertar seus filhos e maridos, pais e irmãos. É hora dos homens de todo o mundo retribuírem. Nos lugares onde as mulheres são invisíveis e silenciadas, os homens não tem como contar com as suas mais fiéis e ternas campeãs.

 

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