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Muito além do "homem-bomba"
Karla Hansen

Uma mulher jovem e bonita chega a um lugar miserável e se dirige a uma barreira militar. Um soldado, mais jovem que ela, abre sua bolsa, revira suas roupas como à procura de uma arma. Ele tem uma expressão fria e hostil, os dois não trocam uma palavra sequer, apenas olhares. O outro não é só um estranho, mas uma ameaça.

Desde essa primeira cena até os créditos finais do filme Paradise Now meu coração adquiriu um novo ritmo e custou a voltar ao normal. A trama criada por Hany Abu-Assad, diretor e um dos roteiristas, sobre dois amigos palestinos recrutados para atuarem como "homens-bomba" num atentado em Tel-Aviv - ao mesmo tempo, indicado e boicotado ao Oscar de melhor filme estrangeiro - estabelece com o público uma relação de tensão permanente, nos fazendo sentir como seus personagens, com o corpo atado a uma bomba que está a ponto de explodir. Desse modo, o autor nos coloca no meio do conflito - este sim, explosivo - entre israelenses e palestinos e nos tira do lugar confortável de meros espectadores passivos, indiferentes, às vezes, da história.

Khaled e Said são dois jovens, amigos de infância, que nasceram, cresceram e vivem num campo de refugiados palestinos. Pobres, sem perspectivas de vida, têm um subemprego numa oficina mecânica de carros e passam o tempo livre ocioso. São apresentados como dois jovens comuns que poderiam viver em qualquer periferia do mundo, até o momento em que são chamados pelo professor da comunidade local, representante de um grupo extremista, para fazerem parte de um atentado suicida em Tel Aviv.

Paradoxalmente, esse professor dá aulas para crianças e é também o intelectual da operação, quem oferece instruções e dá um suporte moral, religioso e filosófico aos jovens, que dali a poucos dias deverão explodir pelos ares e levar com eles outras tantas vidas. Vemos, então, que não se trata de uma escolha. Há uma forte base religiosa conduzindo seus pensamentos e seus atos e um contexto que empurra, desde pequenos - em particular os meninos -, para esse destino. Eles realmente acreditam que essa é uma oportunidade de se tornarem heróis, de dar um sentido grandioso à suas vidas, de alcançarem o paraíso já, now.

Mas, ainda que aceitem a missão sem hesitar e com certo orgulho, não estão livres de conflitos, pelo menos, não Said. Afinal, por pior que sejam suas condições de vida, por mais vazia que ela seja, ele deverá deixar a família sem que, nem mesmo sua mãe saiba qual será o seu destino. Angustiado na noite que antecede a operação, ele procura Suha - a recém-chegada, da primeira cena do filme - com o pretexto de lhe entregar as chaves do carro que ela havia deixado na oficina para consertar. Said é bem recebido por Suha, que já havia demonstrado interesse pelo jovem e introspectivo mecânico.

O encontro traz ainda mais conflitos à trama. Ela é filha de um importante e respeitado líder político palestino já morto. Bem nascida, criou-se na França e no Marrocos, e representa uma organização de defesa de direitos humanos. Ela é o contra-ponto à irracionalidade dos atos extremistas, do terrorismo, que classifica como "pura vingança". Sua tese se baseia na "guerra moral", tal como a desobediência civil ou o uso da inteligência contra a força bruta da supremacia militar e econômica de Israel. A cena traz à tona as diferenças de pontos de vistas que existem hoje entre os palestinos, algo que passa despercebido pela mídia ocidental. Ao contrário, somos levados a crer que a situação é homogênea, monocromática, onde há um quadro complexo, com diversos matizes.

Penetrando, assim, na intimidade dos personagens, o filme quase nos faz ver seus pensamentos, sentir seus medos, suas dúvidas, viver suas angústias. E, sobretudo, desmistifica o "homem-bomba". Ele não é um monstro, ainda que sua ação seja abominável. Na verdade, ele é bem menos autodeterminado do que possa parecer. Além disso, há um contexto mais rico e menos homogêneo, no qual os "homens-bomba" representam apenas uma face, mais radical, da sociedade palestina.

Inevitável perceber que esse contexto social, econômico e político forjador dos "homens-bomba" é bem semelhante ao de nossos jovens "soldados" nos "exércitos" formados pelo tráfico de drogas. A maior diferença é que os palestinos se apóiam e são imantados pela crença religiosa para se lançarem a uma guerra insana e os nossos não. Mas tanto para os de lá, quanto para os daqui, a crença é a mesma. Ambos vivem num mundo de enormes desigualdades e, em particular, para os jovens, a vida tem pouco ou nenhum valor, logo, é preciso viver o "paraíso" agora. Essa semelhança fica ainda mais forte quando os jovens Khaled e Said saem da Palestina e vão para Tel-Aviv, evidenciando os mesmos contrastes que vemos entre a Rocinha e a Barra da Tijuca, por exemplo.

Essa é na visão do professor de história Wanderley Quêdo, convidado da sessão promovida pelo programa "Professor vai de graça ao cinema", do projeto Cine-Escola, a questão central apresentada pelo filme e não o "choque de civilizações", como tem sido divulgado à exaustão pelos meios de comunicação. O que alimenta o conflito entre palestinos e israelenses, segundo ele, é uma questão de fundo político e econômico, cuja origem está na criação do Estado de Israel, no pós-guerra, e no conseqüente êxodo de palestinos para os campos de refugiados.

Também não é um "choque de civilizações" porque os muçulmanos têm o mesmo patriarca - Abraão - dos cristãos e dos judeus, sendo que "o islamismo é uma das três grandes religiões monoteístas do mundo", explica Quêdo. Logo, a questão central, hoje, no Oriente Médio, diz respeito mais ao domínio econômico - das reservas de água e de petróleo da região - o que gera uma brutal desigualdade entre os povos vizinhos, do que a diferenças religiosas e, muito menos, étnicas, já que "não existe uma etnia israelense", conclui o professor.

Admitindo que o filme é pesado e, às vezes, maniqueísta ou panfletário, Wanderley Quêdo explica a importância de se tentar entender o terrorismo, para além de preconceitos e visões estereotipadas e resume: "Como cristão, acho o ato terrorista abominável; como humanista, o terrorismo é inaceitável e, como socialista, ele é dialético, no sentido de que é preciso fazer um exercício da razão para entender o outro, o diferente, aquele que diz não, quando eu digo sim".

Paradise Now" é, assim, essencial para quem deseja entender um conflito que chega a nós de forma superficial, tendenciosa e massificada. Não se trata, no entanto, de um elogio ao "homem-bomba" - e essa foi uma das razões para que o filme fosse boicotado em Hollywood - mas de um filme que expõe a complexidade da situação na qual hoje vivem 3,5 milhões de palestinos, na Cisjordânia.

Ficha Técnica do filme:
Título: Paradise Now
Autor: Hany Abu-Assad
Gênero: Ficção
Produção: Augustus Film / Razor Film Produktion GmbH / Lumen

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