Presidente
do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana (Condepe) e membro do grupo Tortura
Nunca Mais (SP), Rose Nogueira é jornalista
há 44 anos e já trabalhou na editora
Abril, no jornal Folha de S. Paulo e nas emissoras
Globo, Bandeirantes e Cultura. Os dez meses de
prisão pela ditadura não tiraram
suas características mais marcantes: sua
doçura e sua vontade de melhorar o mundo.
No
quintal de sua casa, Rose Nogueira criou a praça
Che Guevara, onde cuida das mudas que, depois
de crescidas, ela planta nas praças do
bairro onde mora. Como se não bastasse,
Rose ainda encontra tempo para ser roteirista
e diretora. Conheça melhor essa lutadora
na entrevista que ela deu ao VOX – Especial
Mulher.
Por
que a senhora decidiu fazer parte do grupo Tortura
Nunca Mais?
Fui presa política. Em 1969, na ditadura,
fui presa pelo “esquadrão da morte”,
o DOPS, e fui muito torturada. Eu não pude
mais ter filhos, por aí você imagina
o que eu passei. Eu tinha 23 anos, meu bebê
tinha um mês. Fiquei dez meses presa, dois
anos e meio em liberdade vigiada e, depois disso
tudo, fui absolvida. Então, eu não
quero que ninguém passe pelo que eu passei.
A senhora também é presidente do
Condepe, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos
da Pessoa Humana. Quais são as ações
dessa organização?
Defendemos os direitos humanos, que são
a toda hora violados. Como nos casos de crianças
em que não se respeita o Estatuto da Criança
e do Adolescente, ou do cara que aparece morto
na delegacia e alegam que ele se matou com uma
faquinha de plástico. Isso ofende a nossa
inteligência.
Esse espírito de luta vem desde sua juventude,
já que a senhora faz parte de uma geração
muito politizada, que lutou por muita coisa...
Acho
linda aquela frase do Fórum Social Mundial:
“Um outro mundo é possível”.
Eu acredito que é possível melhorar
o mundo, então vou batalhar até
o último dia pra melhorá-lo. Você
tem que ir até o fim, não pode perder
a esperança de mudar o mundo. Tudo o que
fazemos é político, da hora que
acordamos até a hora de dormir. Mesmo quando
você deixa de fazer algo, e isso é
a pior coisa.
O
cinema nacional tem abordado com mais freqüência
o tema da ditadura, como podemos conferir em O
ano em que meus pais saíram de férias,
Batismo de sangue, Zuzu Angel e na minissérie
televisiva Queridos amigos. É muito bom
esse tema estar sempre em pauta, não?
Sim, mas a gente tem que ter muito mais. A censura
caiu em 1982, a ditadura em 1985, já era
pra se ter produzido e tratado muito mais sobre
isso. Mas o brasileiro não gosta de falar
sobre o passado, não quer saber o que aconteceu
ontem, pensa que o “hoje” não
tem nada a ver com o “ontem”. Porém,
a história é um processo, não
um evento.
Mas
o entretenimento pode usar o tema como ideologia,
como em Tropa de Elite ou a série 24 horas,
que mostram o protagonista utilizando a tortura
como forma de combate ao crime. O que achou do
filme de José Padilha?
Um
horror, Tropa de Elite tentar humanizar um assassino.
Sei que o assassino é um ser humano, mas
o filme tenta justificar o assassinato e a tortura.
E contra pobre. Eu não defendo bandido,
acho que todos os crimes devem ser julgados e
cumpridos, mas aquele filme justifica o crime
do Poder, em nome do Estado.
Ele
(Capitão Nascimento) pensa estar defendendo
a sociedade, mas, na verdade, está matando
uma parte dela. A classe média acha que
um crime é só roubar relógio.
Como no caso do Luciano Huck...
Que ridículo aquilo, né? Fiquei
com vergonha de ler ele falar que o relógio
custava 48 mil dólares. Então eu
li alguém dizer: “com 48 mil dólares
eu compro quatro casas populares e salvo quatro
famílias da marginalidade”. O país
parou pra discutir o relógio do Luciano
Huck. Ele deveria discutir a fome, a pobreza,
e não cometer a ofensa de sair com um relógio
de 48 mil dólares.
E
o Estado sempre combate o crime com mais força
e mais violência na população
de baixa renda.
Eu participei do prêmio Vladimir Herzog,
de 2007, e votei no filme Falcão –
Meninos do Tráfico, porque mostra uma realidade
terrível de grande parte da sociedade brasileira.
E o que me surpreendeu muito ali foram os meninos
de 11 anos falando “eu sei que minha vida
é curta”. Onde já se viu um
adolescente achar que a vida é curta! É
terrível isso. Um menino de 14 anos que
não tem o que comer, os pais desempregados;
ele trabalhando pro tráfico ganhava dinheiro
e sustentava a casa. Era o soldadinho do tráfico,
mas na hora da repressão é o primeiro
a morrer se tiver confronto. Agora, num país
com a diferença social que tem, onde grande
parte da população não ganha
nem um salário mínimo, quem é
o bandido? É isso que é preciso
se perguntar.
Quando
falamos em “massacres”, sempre é
citado o episódio de Carandiru (1992) ou
o do Eldorado dos Carajás (1996). Porém,
é preciso lembrar que há fatos recentes,
como a execução de centenas de pessoas
por parte da PM para reprimir os ataques do PCC,
em 2006.
Sobre
a retaliação da polícia,
fiz o livro Crimes de maio. Foram 493 pessoas
só em uma semana! Teve toque de recolher,
todos os que estavam na rua morreram, diziam “ah,
fulano tinha passagem na polícia”.
Não, ninguém pode morrer assim,
nem quem tem passagem, nem quem não tem.
Em Santos morreram umas 50 pessoas, sendo que
umas 20 eram rapazes e moças que estavam
pelo bairro. Mataram uma moça grávida
de nove meses. O que se imagina, porque não
se sabe direito, é que isso aconteceu porque
ela estava passando por um posto e teria visto
uma execução.
De
que forma a comunidade internacional deve interferir
em situações evidentes de abuso
de poder, como as torturas realizadas por soldados
norte-americanos na prisão de Guantánamo,
ou a repressão aos protestos realizados
por monges budistas, em Mianmar e no Tibet?
Sou contra qualquer tipo de repressão e
acho um absurdo bater num monge budista. Agora,
por que a ONU não interfere? Eu não
sei mais qual é o papel da ONU: antes ela
promovia a amizade entre os povos, agora fica
vistoriando guerras... Guantánamo é
outra vergonha pra humanidade. E o engraçado
é que o pessoal fica falando de Cuba sem
nem saber como é o país, mas não
falam de Guantánamo, que fica lá,
no território cubano. É o fim da
picada.
Este
ano comemoram-se 40 anos do revolucionário
“1968”. Como foi esse ano para a senhora?
Eu já era jornalista, e foi um ano especial,
teve muita coisa no mundo inteiro. Nós,
brasileiros, estávamos lutando contra a
ditadura. Não tivemos um “Maio de
68”, como os franceses, tivemos um “Dezembro
de 68”, com o AI-5 (Ato Institucional Número
Cinco), em 13 de dezembro. Teve, também,
a invasão do Crusp, a prisão dos
congressistas da UNE, em Ibiúna. Em 1968,
os totalitarismos foram questionados. Teve a Primavera
de Praga, quando a Tchecoslováquia lutou
contra a União Soviética, o massacre
de estudantes manifestantes, no México,
a Teologia da Libertação, no encontro
de Medellín, na Colômbia. Isso tudo
tem a ver com as idéias revolucionárias,
foi um ano especial. Concordo com Zuenir Ventura:
é um ano que não terminou.
Para
entrar em contato com o grupo Tortura Nunca Mais,
ligue
(11) 3283-3082
www.cursinhodapoli.org.br
Nº 08 - Março / Abril 2008