Quando
o futuro é hoje
Roberto
A. R. De Aguiar
Filósofo
e escritor
O
futuro é a projeção de nossas visões, expectativas e sonhos no
instante presente. Projetarmos o futuro só tem razão de ser se,
imediatamente, nos mobilizarmos no sentido da transformação do presente,
segundo os subsídios, demandas e sonhos construídos coletiva e
individualmente. O sonho que não mobiliza é delírio ou distração.
Chegou
o momento de abandonarmos as utopias distantes, pelas quais perseguíamos
horizontes que se afastavam toda vez que nos aproximávamos. Por esses
horizontes, gerações foram queimadas, grupos humanos sacrificados,
para a construção do futuro. Matava-se hoje, para preservar a vida
amanhã, reprimia-se hoje para possibilitar a liberdade amanhã, não se
comia hoje para garantir uma difusa prosperidade no futuro. As utopias só
tem sentido se possibilitarem sua realização a partir de hoje, que
sejam esperança que se desdobra a partir do instante presente, da ação
coletiva hoje e do envolvimento existencial de cada um que assume a
construção de um futuro que só tem razão de ser se iniciado no momento
presente. Isso é uma exigência da temporalidade, que tem como única
faceta palpável o instante que esta se esvaindo, uma vez que o passado
já se foi e o futuro ainda não e.
Perscrutar
o futuro também nos leva a perguntar sobre as origens dos males
presentes, obrigando-nos a trazer para o presente as perversões
originarias erigidas como base dos problemas atuais. Isso exige esforço,
pois temos a tentação de considerar nossos modos de pensar, e
teores daí decorrentes, como frutos de uma evolução linear, onde o
que vem depois sempre é melhor do que o que se situa anteriormente. Em
resumo, produzimos a história do fim para o começo, com padrões e
deformações presentes, julgando os conceitos e práticas passados.
Construir
o futuro no presente exige humildade, rigor e um difícil deslocamento de
olhar que nos defenda da adesão incondicional a padrões presentes e do
entusiasmo por tecnologias e novos consumos, que nos levam à
paralisação diante dos novos problemas e a aceitação de que atingimos
o ápice da evolução, vivendo hoje o fim da história, o fim do
socialismo, a morte de Deus e o fim das culturas locais, para lembrar as
consignas correntes no senso comum dos formadores de opinião.
Esse
entendimento nos leva a uma situação paradoxal, marcada pelo sentido
glorioso de termos atingido o máximo a que a humanidade pôde chegar e
pela desesperança em podermos superar as terríveis questões que ferem a
contemporaneidade. Os males, as desigualdades, as guerras, as novas caras
das dominações, a apatia perante o outro, a dificuldade da construção
ética aparecem como fenômenos naturais, com os quais devemos conviver,
por não termos condições de superá-los.
Um
olhar retrospectivo
A
imagem do universo ao qual pertencemos mudou radicalmente pelas
contribuições da ciência contemporânea, que abando as peias
clássicas da lógica da identidade, do positivismo e da linearidade para
se aproximar desse portentoso fenômeno, que apresenta dimensões
reconhecíveis, dimensões de difícil explicação e facetas
impossíveis de se conhecer, por estarem além dos denominados limites
de Planck.
É
um universo complexo, onde a materialidade não é mais expressa pelo
sensorialismo, mas pela informação, pelo vazio e pela dramaticidade da
luta entre as tendências à organização, em oposição a entropia
expressa pela Segunda Lei da Termodinâmica. Os sistemas mantém-se e
saltam para patamares mais altos, quanto maior a sua unidade, representada
pela solidariedade entre seus componentes diferenciados. Aí começa a
cair a visão dominante segundo a qual a evolução se dá pela
sobrevivência do mais forte. A possibilidade de sobrevivência e saltos
qualitativos está diretamente ligada à solidariedade, a cooperação
entre os componentes de um sistema, e nau a disputa desenfreada, à luta
de morte que erige um vencedor representado pelo mais forte, agressivo e
cruel. Essa “lei natural” esta em xeque.
A
aparição desse universo expressa um grande grito de solidão de algo
anterior a esse momento. 1-louve algum desequilíbrio, alguma fratura na
estabilidade pré-universal que a fez sair de si à procura de um
espelho e em busca da alteridade. Essa explosão inaugura uma aposta
cósmica entre a complexização e a nadificação, desde as partículas
elementares. Entre o sublime e o terrível, no dizer de Jung. A primeira
explosão cósmica jorra essas duas marcas em todos os seres a existir.
O
ser humano, o mais complexo dos seres conhecidos, aquele que faz o
universo falar, que, pertencendo à natureza, realiza um movimento de
inflexão desse todo sobre si mesmo, desvelando-o nos limites de sua
capacidade, infelizmente caminhou em sua historia por um suceder de
rupturas que o exilaram do todo e de si mesmo. Ele rompe com a
pertinência ao cosmos, a natureza, a terra, aos deuses, aos grupos
sociais Concretos e à própria alteridade, apresentando, na atualidade,
um padrão civilizatório artificial, descolado do Seu chão e de sua
grande morada, o que vem suscitando os graves problemas ambientais, que
podem inviabilizar a espécie, e a apatia com as infinitas agressões,
crueldades e mortes de seus iguais.
O
ser humano tornou-se artificial e auto-referenciado, cultuando sua
pequenez como se fosse uma verdade absoluta. Sua grandeza é reconhecer,
por sua portentosa inteligência, que ele é uma excrescência da crosta
terrestre, um fruto da falta de higiene da Terra, como já disse uni
astrônomo inglês. Com isso, tratar de ética, trabalhar para a
construção da dignidade humana são atitudes sem sentido, vigência a
mais deslavada competição, onde os fracos sucumbirão e os fortes
sobreviverão e terão o poder.
À
origem dessa mentalidade predatória está localizada no momento em que as
sociedades mentalidade foram substituídas pelas sociedades patriarcais,
quando o mito sustentador da fertilidade foi derrubado pelo da força.
Alguns autores situam esse movimento na Sumeria antiga, mas nos,
brasileiros, ainda temos a oportunidade de conviver com algumas sociedades
matrilineares indígenas. A contradição basilar que deu origem a essa
sociedade desigual em que vivemos foi a de gênero. Metade, ou mais, da
população da espécie foi alijada do) processo de tomada de decisões em
nossa civilização. O cuidado, a compaixão, o viés feminino, o culto á
vida e a dedicação foram exilados de nosso imaginário, c1ue
se militarizou em conflitos, disputas, concorrências e guerras.
O
trabalho se tornou a marca do homem. Por ele, era retirado seu sustento
da natureza, criado seu mundo antropológico, que pressupõe a eternidade
e a inesgotabilidiade dos recursos. A natureza, que fornecia padrões de
valores para as sociedades antigas, tornou-se despensa a ser explorada,
lucro e conquista a serem alcançados.
A
razão instrumental iluminista é fruto maduro desse entendimento do
mundo, dessa visão macha do todo, encarado como espaço de conflito e
disputa, onde, cm última instância nem vencedores, nem vencidos levam
os louros, porque nada tem sentido. Apenas construímos nossos
imaginários para dar algum significado a esse momento passageiro e
insignificativo de nossas existências pessoais, coletivas ou como
espécie.
Esse
padrão nos levou a um grande avanço científico e tecnológico; instalou
a cultura da velocidade como poder, avanço e eficácia guerreira em todos
os âmbitos da vicia social; sofisticou nossas organizações para
torna-las aptas a concorrer, mas não a cooperar; uniformizou o mundo em
termos de demandas, gostos e desejos; clivou a humanidade entre
incluídos e excluídos, ou melhor entre seres humanos e não seres
humanos; levou a humanidade às proximidades do suicídio; aproximou os
seres humanos pela informática e pela mídia, mas fez disso instrumento
de dominação, de intervenções financeiras e de ratificação das
dominações; e, construiu sucessivas mitologias para justificar as
assimetrias e os domínios hegemônicos, como e o caso da globalização.
Um
olhar prospectivo
Os
que têm no horizonte o desejo de transformar precisam aceitar que o
movimento social é uma aposta entre a luz e a sombra, para se tomar o
entendimento junguiano. A participação transformadora tem de se
aventurar, neste mundo probabilístico, jogando do lado das estruturas que
se complexizam, do lado luminoso do ser humano e não de sua faceta
sombria. Isso se inicia pela reintegração cio feminino alijado e cio
atendimento das condições básicas de existência dos seres humanos. A
economia da neutralidade e da criação de necessidades deve ser
substituída pela do cuidado e a cio atendi mento das necessidades.
Surpreendentemente, isso é barato. Difícil é mudar esse olhar que só
valoriza o simbólico e o abstrato do dinheiro, dos mercados e das
operações financeiras.
Temos
de refazer a política. Pensá-la não como disputa de facções, como
destruição do inimigo, mas aproximá-la de práticas de solidariedade
entre os diferentes. Fazê-la um instrumento de participação do ser
humano em si mesmo, expressão de seus desejos, recuperação de sua
corporeidade macerada, manipulada e explorada; elaboração de uma
ética da vida e da compaixão como instrumento de decisão sobre as
demandas cio mundo, e opção central em relação aos dominados,
desvalidos e apartados da5 sociedades humanas. Só assim poderemos falar
em democracia. Ela não é um regimento mais ou menos equânime da disputa
pelos poderes estatais, ela é constante invenção, no sentido de
radicalizar a participação dos seres humanos em si mesmos, nas
sociedades onde vivem e nos poderes que vão sendo tecidos e dos
não-poderes que podem ser urdidos.
Temos
de aceitar que o antropocentrismo já não tem razão de ser. Não somos
reis da criação, somos seres participes da natureza, nela vivendo,
dela tirando sustento, por via de uma relação respeitosa, que se não
implementada gerará a vingança cósmica representada pela falência do
projeto humano, por inconsistência e não-cooperação entre seus
componentes.
Os
seres humanos são obrigados, por sua própria condição a conviver com
não humanos, minerais, vegetais e animais e como parte objetos quase
naturais, criados pela produção, que passam a fazer parte integrante e
essencial de suas vicias, isso nos leva a refletir sobre a necessidade
de transcendermos o pacto social e enveredarmos à criação de um ponto
natural, como nos lembra Michel Serres. Repactuarmos nossas existências
passa pelo estabelecimento de relações justas com os outros pólos de
nossa convivência, com os seres que nos dão condição de vida e nos
mantém. O simples pacto social ratifica o exílio humano, pois se dá na
artificialidade de um suposto isolamento humano.
A
recuperação da ética como pauta da conduta humana, como expressão do
respeito a vida e á dignidade humana, leva à necessidade de
reformularmos nosso conceito de ser humano. Não mais uni ser sem sentido,
girando planetariamente em torno de uma estrela decadente pertencente a
uma das bilhões de galáxias, mas um ser que, por suas características,
tem papel fundamental no cosmos, por ser ele quem dá linguagem para o
universo, ele que faz o universo talar e infletir-se sobre si mesmo.
Sabemos da possibilidade de outras interferências do cosmos, até por
um imperativo estatístico. Só que até agora o único ser que conhecemos
com esse tipo de consciência somos nós, e a hipótese de existirem
outros com a mesma ou maior capacidade não desveste a humanidade de
dignidade. Temos de preservar, estimular, respeitar e dar condições para
a humanidade, em virtude do papel essencial de desvelamento cósmico que
desempenha.
É
peculiar como certos mitos persistem, apesar de o conhecimento
científico já ter comprovado sua falsidade. A neutralidade da ciência
é um deles. A sociologia do conhecimento e, mais modernamente, as
contribuições epistemológicas de Maturana mostram as imbricações
entre sujeito e objeto, seja em termos dos valores e ideologias tio
observador, seja pelo fato de o observador interferir no observado quando
o pesquisa. problema ainda se complica mais quando aceitamos a
possibilidade de os seres possuírem várias naturezas complementares.
Ao Lado da lógica na identidade e na lógica da contradição, aparece a
lógica da complementaridade, fundamental para o entendimento na
microfísica, que parte tio pressuposto na existência de várias
naturezas em um mesmo fenômeno, dependendo do modo como ele é observado.
A luz é corpúsculo e onda, dependendo de dela nos aproximamos,
conceitual e experimentalmente.
A
razão neutra não mais dá conta dos fenômenos, já não atende ás
exigências contemporâneas, já não responde mais à necessidade da
integração cio ser humano em uma casa mais complexa e diferenciada,
onde as escolhas de fundo devem estar baseadas na compaixão, no
coração, no cuidado e na solidariedade, sem que isso implique abandono
do rigor.
Os
sentidos de diferença e igualdade sempre foram dados como opostos.
Marcados que somos pela desigualdade social, pelas diferenças de classe,
de oportunidades, pelas assimetrias do domínio e do poder, não
conseguimos perceber que podemos trabalhá-las como categorias
complementares. Essa separação radical gerou o apareci mento de
propostas e soluções que, a pretexto de proteger a igualdade, resvalavam
para a uniformidade e para o totalitarismo o mesmo acontecendo com aquelas
que pretendiam dar guarida à diferença, que tendiam a ser fascistas,
individualistas, excludentes e empobrecedoras das relações entre os
humanos.
Para
que enfrentemos esses problemas, precisamos ver nesse futuro que começa
hoje, devemos lutar por direitos e oportunidades iguais, mas que essa
igualdade possibilite aos humanos a liberdade de potencializar suas
diferenças individuais, culturais, profissionais, de gênero e de
personalidade. Isso é dito a partir das contribuições da ciência
contemporânea, que entende a unidade como fruto da interação
complementar entre diferentes. Não há totalidade sem as dinâmicas
articulações entre 05 componentes diferenciados, em qualc1uer
patamar da existência dos seres. E preciso que a sociedade tutele os
direitos iguais ao exercício das potencialidades diferenciadas. Isso é
condição para a sobrevivência, complexização e salto qualitativo
para esse agrupamento humano.
Outro
desafio para a construção do futuro no presente e o da mudança de um
padrão de guerra para um padrão de paz. Enquanto) considerarmos mais
adiantados os países que têm mais arte- fatos bélicos, mais velocidade
para atingir seus objetivos táticos e estratégicos, mais eficácia para
adentrar nas economias de outros países para conseguir a otimização dos
lucros e mais tecnologias que aumentam a dependência humana aos donos do
knowhow, estaremos ratificando a cultura da guerra, os padrões machos, a
injustiça e a dimensão tanática nela incrustrada. A construção
coletiva de padrões pacíficos e de cooperação, condição para a
sobrevivência da humanidade, é tarefa árdua que devemos assumir.
Enquanto
a disputa for o padrão de avanço e a guerra demonstração de
desenvolvimento, estaremos ratificando as velhas consignas do darwinismo
social, valorizando mais a morte do que a vida e acreditando que evoluir
passa pela destruição de nosso próximo. E essa compreensão que leva ao
que Hannah Arendt chamou de banalização do mal.
Para
prefigurarmos o futuro, temos de admitir algumas inversões nos
entendimentos dominantes. Hoje vige o entendimento segundo o qual é a
economia ou são as relações sociais de produção que determinam ou
sobredeterminam nossas consciências. Isso é uma concordância implícita
entre a direita e a esquerda. Segundo essa concepção, a política, além
de ser guerra, é um apêndice dos conflitos econômicos, da busca de
hegemonias nesse campo. É aí que devemos resgatar, com o risco de
sermos chamados de idealistas ou de metafísicos, a política como
instrumento de definição e de orientação da economia, e não como
seu apêndice, ao mesmo tempo que a consciência passa a ser entendida
como dialogante com a economia, mas transcendendo-a, por participar de uma
totalidade mais complexa e ampla.
A
economia tornou-se sede determinadora da consciência, quando o parcial
foi dado como total e as relações como frutos necessários de
assimetrias entre determinadores e determinados. E típica visão do
mundo e da ciência do século XIX, do ufanismo das descobertas
definitivas e das certezas incontestáveis. Não se enquadram no mundo
probabilístico, célere, não linear, caótico e de fractais, que faz
parte da imagem científica contemporânea.
Temos
de inverter o entendimento da sociedade, de um processo de guerra e
concorrência para outro de construção de relações de paz e
cooperação, onde o dialogo, os consensos, as discussões a
desformalização das relações, para além das burocracias piramidais
que não comportam as relações em rede, vislumbrem novos modos de
reconhecimento entre os seres humanos. Temos de transformar o direito, e
não a guerra, em elemento de amálgama social, um direito que não se
configure como conjunto de pequenas batalhas, mas seja expressão humana
de respeito à dignidade desse ser.
Esse
padrão fragmentador atingiu as próprias religiões, que abandonaram seu
papel de religação com o cosmos para se tornarem grupos ortodoxos,
donos da verdade, participando eficientemente da ordem econômica
dominante, confundindo-se muitas com instituições bancárias. As
religiões perderam seu encantamento, desenvolveram uma ética do
combate ao diferente, abandonaram a unidade da espécie humana, tornaram a
salvação uma promoção guerreira ou um negocio aleatório. Desse modo,
as religiões, que eram um elo unificador dos seres humanos entre si e o
cosmos, tornaram-se separadoras, clivadoras e condenadoras autoritárias
de quem não aceita seus preceitos. Cumpre pensarmos no reencanto do
mundo. Não um reencanto alienado, mas a aceitação serena do mistério
como nosso companheiro diário e da imensidão de nosso universo interior
e exterior. Certamente esse entendimento nos encaminhará para outra
Ética e para novas formas de pensar e viver o mundo.
A
humanidade está tão recortada e dividida que parece formada por seres de
natureza diferente. Além das crueldades físicas e das desigualdades e
dominações econômicas, o ser humano se estilhaça cm nacionalidades,
em pertinências simbólicas que só servem para excluir os diferentes, em
classes, etnias, gêneros, atividades, empregos e tantas outras marcas
de separação. A luta pela integração dos diferentes, por sua unidade
na diversidade, pelo respeito a sua contribuição própria e peculiar na
humanidade, deve ser um dos norte para o futuro. Temos de inverter o uso
dos artefatos computacionais e de comunícaçao. Eles têm de ser, hoje,
instrumentos de solidarização e aproximação entre os seres humanos, no
lugar de aparelhos vezes para paralisar os inimigos e dominar os concorrentes.
A aproximação dos diferentes, a pertinência à humanidade e a natureza
poderão possibilitar o salto para o mais-ser dos humanos.
Tudo
isso, como já foi dito, e uma aposta no luminoso, uma aventura de
construção de uma ética da vida, de um padrão civilizatório que
comparta o que é necessária para viver dignamente, que reconheça a
igualdade de direitos e oportunidades dos diferentes, que participe da
natureza e com ela pactue um acordo de vida e continuidade.
Para
tanto, além de tudo o que aqui foi dito, é necessário abandonarmos a
rígida separação dos objetos das ciências, que tanto contribuiu para
o avanço tecnológico e tanto mutilou a compreensão do todo, quando o
relativo foi absolutizado como verdade e os outros conhecimentos foram
considerados inferiores. Hoje, para darmos conta do mundo, temos de
conceber, teorizar e operar multídisciplinarmente, por via de
tratamentos temáticos de diálogo entre as ciências, e não por
isolamentos disciplinares.
Temos
de ousar para desenvolvermos um trabalho transdisciplinar, rigoroso e
respeitador das especificidades dos conhecimentos, mas integrador dos
conhecimentos tradicionais e religiosos, que foram dados como superados
pela visão positivista, quando são acumulações temáticas da
humanidade de temporalidade vasta. Nessa prática, devemos assumir o poder
cognitivo da arte, desvejadora de verdades escondidas, perscrutadora de
internalidades ignoradas, instrumento de emergências de estados de
consciência não imaginados pelos saberes formais. Onde a palavra cessa,
inicia-se a música. Onde o discurso cientifico ou de senso comum
confirma, a poesia subverte. Essa força descobridora da arte não pode
ser gnosiologicamente abandonada.
O
futuro, que se corporifica nos instantes presentes, por nossos sonhos,
antecipações e obras, depende também da construção de nossa
interioridade, esse universo tão complexo quanto o físico depende de
nosso desejo de transformar o mundo segundo uma ética da vida, um
reconhecimento do outro, uma aceitação de que moramos na Terra,
pertencemos ao Cosmos e só poderemos saltar para patamares mais humanos
se aceitarmos essa responsabilidade natural de nos aventurarmos criativa
e amorosamente nesse mundo caótico, plurilinear, probabilístico e
complexo, que mais se aproxima de um pensamento inteligente do que de uma
máquina da linha de produção
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