PREFÁCIO
A
polícia no Brasil e particularmente em São Paulo está sob
grande pressão da sociedade civil, da imprensa e do governo para
se reformar e se transformar numa polícia capaz de conquistar o
respeito e a confiança da população pelo profissionalismo, pela
competência no controle da criminalidade e na manutenção da
ordem pública e pelo respeito ao império da lei e aos direitos
humanos.
O
Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo -um
centro de pesquisa voltado para o estudo e o aperfeiçoamento das
instituições responsáveis pela segurança pública, justiça e
defesa da cidadania- tem defendido a implantação do policiamento
comunitário como uma das formas de melhorar o desempenho da polícia.
Em
1996, em parceria com o Human Rights Research and Education Center
da Universidade de Ottawa, o Núcleo de Estudos da Violência
iniciou um projeto de intercâmbio entre o Brasil e o Canadá para
troca de experiências de policiamento comunitário e de participação
da sociedade civil na formulação e implementação de políticas
de controle da violência social e policial. Um dos principais
objetivos deste projeto, com a duração de três anos, foi criar
oportunidades para que os policiais brasileiros pudessem conhecer
a experiência de policiamento comunitário no Canadá.
Em
1996 e 1997, o Núcleo de Estudos da Violência apoiou a inclusão
de propostas de apoio à implantação do policiamento comunitário
no Programa Nacional de Direitos Humanos e no Programa Estadual de
Direitos Humanos de São Paulo.
Três
anos atrás, havia grande resistência à idéia do policiamento
comunitário no Brasil. Uma experiência pioneira em Copacabana,
no Rio de Janeiro, resultado de uma parceria entre o Viva Rio e
setores progressistas da polícia militar em 1994, foi
sumariamente desativada pelo governo do estado em 1995 após a
intervenção das forças armadas no sistema de segurança pública
do Rio de Janeiro na chamada "Operação Rio" (Novembro
1994-Maio 1995).
No
Rio de Janeiro, como na maioria dos estados do país, a polícia,
o governo e também a sociedade civil ainda estavam excessivamente
voltados para propostas de reforma da polícia de tipo mais
tradicional - que não reconheciam o direito dos cidadãos de
participar da definição das prioridades da polícia e das estratégias
de policiamento nas suas comunidades e a obrigação da polícia
de prestar contas de suas atividades e resultados não apenas às
autoridades civis mas também aos cidadãos.
Em
São Paulo, no primeiro semestre de 1997, as imagens de violência
policial na Favela Naval em Diadema televisadas pela Rede Globo, a
comprovação da abitrariedade e da incompetência da polícia na
investigação do crime do Bar Bodega e a ameaça de greve e de
rebelião da polícia civil e da polícia militar sinalizaram a
crise do sistema de segurança pública no estado. Sinalizaram
também a necessidade de reformas profundas na organização e no
funcionamento da polícia, capazes de recuperar a credibilidade da
polícia não apenas junto à sociedade civil e ao governo mas
também junto aos policiais.
De
1995 a 1997, apesar de todos os esforços do governo estadual para
aprimorar a organização e o funcionamento da polícia, o aumento
da criminalidade e da violência policial na capital e no interior
mostrou as limitações das políticas tradicionais de segurança
pública. A partir do segundo semestre de 1997, o policiamento
comunitário gradualmente ganhou apoio na sociedade civil, no
governo e na polícia como uma das estratégias para solucionar a
crise da segurança pública e melhorar a organização e o
funcionamento da polícia no estado de São Paulo.
Apesar
dos avanços do ponto de vista da aceitação do policiamento
comunitário em São Paulo de 1997 para 1998, particularmente na
polícia militar, ainda existem muitas perguntas e dúvidas sobre
o policiamento comunitário:
O
que é exatamente o policiamento comunitário? O policiamento
comunitário é uma nova forma de policiamento ou não passa de um
novo nome para formas tradicionais de policiamento ou para práticas
de relações públicas ou assistência social?
Qual
a eficácia do policiamento comunitário do ponto de vista do
controle da criminalidade e da violência no Brasil, sem reformas
radicais no sistema de justiça criminal e sem políticas públicas
capazes de minimizar os graves problemas sociais, econômicos e
culturais existentes no país?
O
policiamento comunitário é viável no Brasil, onde em muitos
lugares nem a polícia nem a comunidade estão suficientemente
organizadas e preparadas para desenvolver este tipo de
policiamento?
O
policiamento comunitário não é altamente arriscado no Brasil,
na medida em que exige uma ampliação do papel da comunidade e da
polícia na segurança pública num momento em que há no país um
alto grau de tolerância em relação ao uso da violência como
instrumento de controle da criminalidade por parte da comunidade e
da polícia?
O
policiamento comunitário não mascara a ineficiência e a violência
da polícia, legitima a instituição policial e impede reformas
radicais na polícia que são necessárias para a melhoria da
segurança pública no Brasil?
Diante
de tantas perguntas e dúvidas, não é suficiente responder que há
uma tendência internacional de reforma e inovação na polícia
que aponta na direção do policiamento comunitário e que a
implantação deste tipo de policiamento é não apenas viável
mas também inevitável no Brasil e particularmente em São Paulo.
É verdade que a tendência internacional fortalece o movimento
reforma e inovação na polícia no Brasil. Mas, em primeiro
lugar, a tendência internacional não é irreversível. Em
segundo lugar, o movimento de reforma e inovação na polícia tem
uma dinâmica própria no Brasil e em cada estado no Brasil. Um
projeto de policiamento comunitário está sendo implantado em São
Paulo desde 1997. Mas outro projeto foi abandonado no Rio de
Janeiro em 1995.
É
preciso um esforço coletivo, sério e permanente de
monitoramento, avaliação e, se necessário, correção de rumos
da experiência do policiamento comunitário em São Paulo. Este
relatório é uma contribuição para este esforço. Com certeza,
o relatório poderia ser mais completo se o autor tivesse mais
tempo para pesquisar e analisar a experiência de policiamento
comunitário em São Paulo. Entretanto, o autor considera que este
relatório pode ser mais útil se apresentado agora para que
outros pesquisadores, cidadãos, governantes e policiais tenham a
sua disposição estas informações e idéias para a reflexão e
o debate sobre a experiência do policiamento comunitário em São
Paulo. Seria uma grande perda se o próximo governo do estado e o
próximo comando da polícia militar decidissem terminar, ou
alternativamente, continuar e ampliar esta experiência, sem uma
avaliação prévia dos seus resultados.
Ver Núcleo de Estudos da Violência 1998 e 1997. Ver boletins
do programa, Interação
1 e 2. O texto do primeiro boletim está disponível na página
do NEV na Internet: www.usp.br/nev.
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