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Dos Filhos Deste Solo

LEMBRANDO QUEM NÃO TEMEU A PRÓPRIA MORTE
Franklin Martins
JORNAL O GLOBO - 02/09/1999 - pág. 05 e 06


   O livro Dos Filhos Deste Solo, de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio, lançado pela Boitempo e da Fundação Perseu Abramo, é uma obra indispensável para todos que querem se informar sobre uma das páginas mais negras da nossa história - aquela escrita pelo terrorismo de Estado contra os brasileiros que se levantaram contra a ditadura militar. Nas 650 páginas do livro estão expostos os casos de 364 homens e mulheres que foram assassinados pelos órgãos de segurança, geralmente em meio a bárbaras sessões de tortura.

   Nilmário, deputado federal pelo PT de Minas, é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, criada por sua iniciativa, e foi um dos sete membros da comissão especial sobre os mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar, instaurada durante o primeiro mandato de Fernando Henrique, com a missão de investigar e definir a responsabilidade do Estado nos assassinatos de opositores durante os anos de chumbo. Tibúrcio, ex-preso político como Nilmário, é jornalista e dirigente do grupo Tortura Nunca Mais.

   Dos Filhos Deste Solo não é um panfleto apaixonado, mas uma prestação de contas não oficial dos trabalhos da comissão especial. Todos os casos apreciados pela comissão são apresentados ao leitor, com informação minuciosa: breve história do militante, a versão dos órgãos de segurança para sua morte, o noticiário da imprensa à época (quando existe) sobre o episódio, as informações recolhidas posteriormente por presos políticos e pelos grupos de direitos humanos e as diligências mais recentes, que agregaram novos testemunhos, provas, documentos e laudos aos processos. Finalmente, estão redigidos os votos de cada um dos membros da comissão.

   O livro dá conta também da intensa luta política no interior da comissão especial. A lei que a criou determinava que o Estado reconheceria sua responsabilidade pelas mortes de presos políticos ocorridas em "dependências policiais ou assemelhadas". Mas em que consiste exatamente uma "dependência policial asemelhada"? Para alguns membros da comissão, entre os quais o general Oswaldo Gomes, representante das Forças Armadas, e o procurador Paulo Gonet Branco, do Ministério Público, o conceito deveria ser aplicado de forma restritiva, apenas a locais físicos pertencentes a órgãos de segurança (delegacias, quartéis, base militares, etc). Aos poucos, porém, formou-se uma maioria na comissão com posição mais abrangente. "Dependência policial assemelhada" seria um conceito jurídico-político e não uma referência física. Assim, evoluiu-se para a idéia de que um preso sob custódia da polícia, na rua, ou uma pessoa cercada e dominada pelas forças de segurança também estaria numa "dependência policial assemelhada". Essa interpretação permitiu que um grande número de execuções sumárias de presos políticos fosse examinado pela comissão.

   Na esmagadora maioria dos casos, foi possível formar uma visão bastante aproximada sobre como se deram as mortes, desmontando as farsas grosseiras com que a repressão pretendeu encobrir assassinatos à sangue frio: os "suicídios", as "mortes durante tentativa de fuga", os "tiroteios", os acidentes de carro", etc. Com raríssimas exceções, as mortes foram, pura e simplesmente, covardes execuções de presos indefesos, obedecendo a um plano sinistro de extermínio dos militantes de esquerda.

   Em alguns casos, como no de Eduardo Leite, os torturadores chegaram ao requinte de entregar ao jovem, 40 dias antes de seu assassinato, jornal noticiando que ele fugira da prisão. Era o ponto de partida para o "teatrinho" que seria montado para apresentar sua morte como ocorrida em meio a um tiroteio. Não bastava mata-lo. Era necessário que ele tivesse certeza, de antemão, que não escaparia com vida dos tormentos a que estava sendo submetido. O corpo de Leite seria encontrado, mais tarde, à beira de uma estrada. Apresentava "hematomas, escoriações, cortes profundos, queimaduras, dentes arrancados e olhos vazados".

   A investigação feita pela comissão não deixou dúvidas sobre as condições da morte de Bacuri, como era conhecido. A responsabilidade do Estado pelo assassinato foi reconhecida pela unanimidade dos membros da comissão, inclusive pelo general Oswaldo Gomes. (Registre-se que, apesar das terríveis torturas, Leite não deu aos agentes que o seviciavam qualquer informação que pudesse levar à prisão seus companheiros).

   E aqui chegamos a outro ponto fundamental do livro: ele não é apenas um relato de casos de sofrimento, de um lado, e de selvageria, do outro. É também um resgate da história de homens e mulheres comuns que, defrontados com circunstâncias terríveis e opções dramáticas, preferiram ficar fiéis a suas idéias e a seus companheiros, ainda que ao preço da própria vida. Foram heróis sem prentender sê-lo.

   Disse Bertolt Brecht, certa vez: "Triste do país que precisa de heróis". Poderíamos acrescentar: "Mais triste ainda do país que, tendo precisado deles um dia, acha que pode esquece-los depois". Nesse sentido, Dos Filhos Deste Solo é uma obra para ser lida com atenção pela mãe gentil, essa desmemoriada, para que ela se lembre sempre, com respeito, dos que não fugiram à luta e nem temeram a própria morte.

 
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