Comitê
Estadual pela Verdade, Memória e
Justiça RN
Centro
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Página
Inicial | Anatália
de Souza Alves de Melo
| Djalma
Maranhão | Édson Neves
Quaresma | Emmanuel
Bezerra dos Santos | Gerardo
Magela Fernandes Torres da Costa | Hiran de
Lima Pereira | José Silton
Pinheiro | Lígia Maria
Salgado Nóbrega | Luís Ignácio
Maranhão Filho | Luís
Pinheiro | Virgílio
Gomes da Silva | Zoé Lucas
de Brito
A
alça na bolsa
Anatália
Melo Alves ( ? – 1973)
O
carcereiro Artur Falcão, da Delegacia de
Segurança Social, levou Anatália para o
2º banheiro, por volta das 17h20 do dia
22 de janeiro de 1973. A partir desse momento,
a história que ele conta é a versão oficial.
Passados 20 minutos, tempo que ele considerou
“demasiado longo para um simples banho”,
bateu na porta várias vezes. Sem resposta,
ele resolveu “por sua própria conta, arrombar
a porta, momento em que deparou-se com a
vítima no solo, com a alça envolvendo o
pescoço”. Alarmado, segundo ele, chamou
o delegado Amauri Brasil, que “no intuito
de prestar os socorros de urgência determinou
fosse o corpo removido para a sala de Secção
de Comissariado”. A causa da morte teria
sido então “asfixia por enforcamento”.
Este
depoimento compõe o laudo de exame do local
de morte. Estranhamente, o policial Artur
Falcão não relata que o corpo de Anatália
Melo Alves trazia queimaduras de 1º e 2º
graus na face anterior dos terços superiores
de ambas as coxas, na região pubiana e na
região hipogástica. Ele teria colocado fogo
nas próprias vestes, além de ter se enforcado
com a alça de sua bolsa, pendurando-se em
um cano de torneira. O policial Artur Falcão
não o odor provocado pelas queimaduras.
Anatália teria se queimado gravemente sem
um gemido. O policial Artur Falcão também
não se refere à fumaça.
Os
peritos encontraram Anatália na cama de
campanha. A versão oficial não informa se
ela já estava morta ao ser removida ou se
morreu naquele local. Por que estava no
solo? Pelas fotos e laudos encontrados nos
arquivos do Dops/PE, a alça não se rompeu.
Por que também seu braço esquerdo está distendido?
É espantoso que se possa ter deixado com
uma pessoa detida uma alça de bolsa de 1,09m
de comprimento. Isso contraria os procedimentos
habituais: pessoas detidas ou presas estão
proibidas de portar objetos que possam servir
para atentar contra a própria vida ou a
de terceiros. Além disso, a legenda da foto
nº 11 da perícia de local informa: “Na bolsa
em tela (que poderá ser vista na inclusa
Fotografia nº 1, obtida no local em que
se achava o cadáver) foi encontrada a cédula
de identidade nº 79028/4166”. Ou seja, Anatália,
presa, incomunicável, teria consigo sua
carteira de identidade.
Dentre
os documentos encontrados, há um rol dos
pertences de um grupo de cinco presos, entre
os quais Anatália e seu marido Luiz. São
relacionados objetos pessoais de Edmilson
Vitorino de Lima, Severino Quirino de Miranda,
José Adeildo Ramos, Luiz Alves Neto e Anatália
Melo Alves.
“Objetos
pessoais de Anatália Melo Alves, Marina:
1 (um) cartão de identidade registro n 79028,
cartão nº 4166 do Instituto Médico Legal
do Rio Grande do Norte; Cr$ 20,30 (vinte
cruzeiros e trinta centavos); 1 (uma) carteira
para cédulas; 1 (uma) bolsa de couro marrom
para senhora; 2 (duas) chaves”. P policial
Hilton Fernandes da Silva assina o recibo
da guarda desses objetos.
A
imprensa de plantão da Secretaria de Segurança,
onde funcionava a DSS no 1º andar, foi chamada
para ouvir a versão oficial. O Diário
de Pernambuco de 23 de janeiro de 1973
traz uma foto da bolsa e de sua alça, com
o título “Subversiva suicida-se com alça
da bolsa no banheiro”.
E
informa: “Na curta entrevista que deu à
imprensa, Luiz Alves Neto disse que residia
com a esposa em Mossoró, no Rio Grande do
Norte. Mas, como os subversivos sofrem muita
perseguição, não podendo fixar residência
em um só lugar, vivia se mudando constantemente,
para melhor despistar as autoridades. Assim
sendo, juntamente com Anatália de Souza
Melo, Luiz pertencia ao PCBR e atuava na
zona canavieira, residindo por conveniência
do partido em Gravatá, onde foram presos
no dia 17 de dezembro do ano passado e levados
para local desconhecido. Somente no dia
13 do corrente foram enviados para o Dops.
Neste órgão da Secretaria de Segurança Pública
receberam melhor tratamento, segundo Luiz
Alves Neto”. A
seguir, o jornal publica a versão oficial,
divulgada pelo delegado José Silvestre.
Naquele
período, o PCBR foi severamente golpeado. No dia 17 de dezembro
foram presos, levados ao DOI-Codi e torturados, Anatália e Luiz
Alves, Edmilson Vitorino de Lima, Severino Quirino de Miranda e José
Adeildo Ramos.
José
Adeildo Ramos, um dos oito que fugiram da Lemos de Brito em maio de
1969, relatou em juízo, em 1995, a morte, após bárbaras torturas,
de Fernando Augusto Valente da Fonseca (Fernando Sandália) no
DOI-Codi do Recife e de outros cinco militantes do PCBR.
A
DSS era um centro de torturas. Um ano antes, Odijas Carvalho de
Souza, também do PCBR, fora barbarizado até a morte nesse local,
sob o comando do delegado José Silvestre.
Não
se sabe o que realmente ocorreu com Anatália Melo Alves naquela
tarde de 22 de janeiro de 1973, em meio ao clima aterrador de
repressão ao PCBR. Naquele mesmo janeiro, seis militantes da VPR
foram chacinados no Recife, no episódio que ficou conhecido como
Massacre na Chácara São Bento.
Anatália
nasceu em Martins, atual Frutuoso Gomes, RN, mas morou a maior parte
de sua vida em Mossoró, onde fez os cursos primário, secundário e
científico no Colégio Estadual, concluindo os estudos em 1967.
Seus amigos e parentes dizem que era tímida, calada, solidária e
estudiosa. Era ótima costureira. Desde 1965 passou a trabalhar na
Cooperativa de Consumo Popular.
Em
1966 conheceu o radiotécnico Luiz Alves Neto; com ele namorou,
noivou e casou em 1968, moraram em uma casa modesta num conjunto
habitacional popular da Fundap. Luiz era militante do PCBR. Anatália
vinculou-se depois. A partir do AI-5, durante 1969, Luiz sentiu-se
ameaçado em Mossoró, e também por deliberação de seu partido
propôs à Anatália vender o que tinham e entregarem-se à militância
entre os trabalhadores rurais da Zona da Mata canavieira.
Peregrinos, viveram em Recife, Campina Grande, Palmeira dos Índios
e, finalmente, Gravatá. Ali foram presos por agentes do DOI-Codi
pernambucano.
A
versão de suicídio não convenceu os presos políticos da época.
As queimaduras, inexplicadas, levaram-nos à suspeitar de que Anatália
teria sido vítima de violências sexuais quando se encontrava
psicologicamente abalada pelas torturas e pelo clima de terror nos cárceres
de Pernambuco. Sua morte e as queimaduras na região pubiana seriam
uma forma de impedir que ela denunciasse os responsáveis pelas sevícias.
O
certo é que a verdade sobre a morte de Anatália Melo Alves ainda não
veio à tona. Paulo Gustavo Gonet Branco foi o relator do caso na
Comissão Especial, reconhecido por unanimidade (7 x 0).
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