PROJETO QUE DESENVOLVE
A advogada Nazaré Gadelha, 40 anos, é militante
dos direitos humanos
há mais de 25 anos e há 12 faz assessoria jurídica
e coordena o Centro de
Defesa dos Direitos Humanos da Diocese (CDDHD), em Rio Branco. Ela
atende, encaminha casos e atua juridicamente nos processos de abuso de
autoridade, maus-tratos a crianças, mulheres e idosos, abuso sexual
de
crianças e adolescentes, exploração de mão-de-obra
de trabalhadores rurais,
entre outros. Desde 1995, Nazaré sofre ameaças de morte. A situação
se
agravou a partir de setembro de 1999, quando ela testemunhou na Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) do Narcotráfico, do Congresso
Nacional, sobre
a existência de grupos de extermínio organizados e de narcotráfico
no Acre.
Em depoimento público, divulgado pela imprensa local e nacional, ela
relatou
como funcionava o crime organizado e denunciou supostos integrantes (mais de
30 nomes), tendo papel fundamental para a desmantelação de uma
rede de
traficantes em seu estado.
PANORAMA DA ÁREA
O Acre tem 153
736 quilômetros e está localizado
na parte sudoeste da
região Amazônica, ocupando 3,2% de sua área
e fazendo fronteira com os
estados do Amazonas e Rondônia e com a Bolívia e Peru.
De acordo com o IBGE,
a população é de 557 526 habitantes, sendo que
48,62% se concentram na
capital, Rio Branco. Segundo o CDDHD, os jovens são os que
mais sofrem com a
falta de emprego, tendo que optar pelo subemprego ou emprego temporário,
que
exige longas e pesadas jornadas de trabalho com baixa remuneração.
Muitos,
no entanto, recorrem à comercialização de drogas,
facilitada pela fronteira
de 2 300 quilômetros com a Bolívia e o Peru.
PERFIL DA CANDIDATA
Mais velha de
nove irmãos, Nazaré Gadelha
nasceu em Xapuri, no Acre, e
cresceu em seringais da região, pois seu pai, João
Batista Ferreira, vivia
da extração da borracha. Até completar 9 anos,
ajudava a mãe a cuidar das
crianças e o pai a tirar a borracha. Na época, a família
morava em uma casa
de paxiúba (palmeira típica da região), próxima
a uma roça de milho. Um dia,
o dono do seringal decidiu colocar fogo na roça seca. "Acordamos
com as
chamas. Meu pai enrolava as crianças em um cobertor molhado
e as levava para
fora de casa. Eu e minha mãe fomos as últimas a sair
e achei que eu não iria
sobreviver, porque o fogo já estava no telhado. Meu pai ficou
muito
queimado", relembra Nazaré. "Ao ir saber do fazendeiro
por que havia
colocado fogo na roça sem avisá-los, ouviu que 'a propriedade
era dele e
queimava o que bem entendesse'." João Batista deixou
o seringal e foi para
Rio Branco com a família.
Na cidade, ele trabalhava como auxiliar de pedreiro, carpinteiro.
Para
ajudar, Nazaré vendia bananas e entregava as roupas que a
mãe lavava. "Nós
não éramos deprimidos por causa da pobreza. Meu pai
estava sempre de bom
humor e fazia questão que todos os filhos fossem à escola",
diz. Primeira
filha a ser alfabetizada, à noite lia a Bíblia para
o pai, que se tornou
militante e depois líder da comunidade da igreja do bairro. "Como
ele não
era alfabetizado, me levava às reuniões e eu, com 12
anos, já lia e escrevia
sobre todos os problemas e dificuldades enfrentados pelas pessoas",
afirma
Nazaré, que, nessa época, estudava e trabalhava como
empregada doméstica.
Com o passar dos anos, ela foi assumindo liderança no grupo
de jovens da
igreja, na Associação dos Moradores de Bairro, até entrar
em contato com o
Centro de Defesa dos Direitos Humanos ligado à igreja.
Em 1986, com 26 anos, Nazaré entrou no curso de história,
da Universidade
Federal do Acre, e conseguiu uma bolsa de estudos do projeto Rondon,
podendo
deixar o trabalho como doméstica. No tempo livre, dava aulas
de
alfabetização para adultos. Três anos depois,
foi convidada por um colega da
faculdade para ir a uma assembléia do Centro de Defesa dos
Direitos Humanos
da Diocese. Naquele mesmo dia, assumiu a coordenação
de uma comissão
provisória ligada à igreja que prestava serviços
de atendimento às vítimas
de injustiças. Em 1990, assumiu a coordenação
e passou a fazer atendimento à população
na sede. "No início, recolhia
os dados da vítima e a orientava
sobre seus direitos e a quais órgãos deveria recorrer",
conta. Para se
aprofundar mais no assunto, cursou direito na Universidade Federal
do Acre,
se formando em 1997.
Nesses 12 anos de atuação no Centro de Defesa dos Direitos
Humanos da
Diocese (CDDHD), Nazaré, que é casada e mãe
de Uriel, 4 anos, sofreu várias
ameaças de morte, tendo de deixar Rio Branco em 1997, com
o apoio do
Movimento Nacional de Direitos Humanos. Ela ficou pouco mais de um
mês em
Brasília, mas decidiu voltar para sua cidade. Em 1999, depois
de falar na
CPI do Narcotráfico, teve novamente de sair do Acre, mas retornou
pouco
tempo depois e, durante mais de dois meses, contou 24 horas por dia
com a
segurança de dois policiais militares.
HISTÓRICO
DO PROJETO
No Centro de
Defesa dos Direitos Humanos da Diocese, Nazaré e
sua equipe
trabalham com a defesa jurídica e social de crianças
e adolescentes vítimas
de maus-tratos, violência sexual, prostituição
e exploração do trabalho
infantil; mulheres vítimas de violência (principalmente
doméstica); pessoas
que sofreram abuso de autoridade e tortura; testemunhas ameaçadas
de morte;
e trabalhadores rurais expulsos de suas terras ou vítimas
da exploração da
mão-de-obra.
Nazaré também coordenou vários projetos, entre
eles:
Advoga Criança -- Defesa jurídica de crianças
e adolescentes; S.O.S.
Direitos Humanos -- Balcão da Cidadania -- Plantão
de atendimento às vítimas
de violações de direitos humanos; Projeto Segurança
Pública e Cidadania --
Formação de líderes comunitários em bairros
periféricos da cidade de Rio
Branco.
A advogada é vice-presidente do Conselho Deliberativo do Programa
de
Proteção às Vítimas e Testemunhas (PROVITA/AC)
e coordenadora da Central
Estadual da Campanha Contra a Tortura no Acre, projeto que mantém
uma
Central de Atendimento às Vítimas de Tortura.
IMPACTO
Entre 1994 e
1995, Nazaré atuou
na defesa dos direitos humanos dos
presidiários da penitenciária dr. Francisco de Oliveira
Conde. "Havia muitas
denúncias de torturas, maus-tratos e espancamentos de presos",
relembra ela.
A maioria das denúncias e reivindicações recebida
pelo CDDHD era encaminhada
ao Ministério Público Estadual, às corregedorias
de polícias civis e
militares, ao Tribunal de Justiça do Estado e à imprensa. "Isso
fez com que
alguns policiais fossem punidos, inviabilizando nosso trabalho dentro
dos
presídios", lembra Nazaré. Mesmo sem voltar ao
local, ela continuou
recebendo denúncias por meio de cartas e de familiares (principalmente
mães
e esposas). "Uma das
principais denúncias era relativa a fugas de presos, que,
na verdade,
saíam para fazer serviços para o crime organizado",
conta a advogada.
Nazaré guardou todos os relatos que ouviu dos presos e,
posteriormente, no Balcão de Denúncias. "Esses
arquivos foram fundamentais
para desmantelar o esquadrão da morte do Acre. As pessoas
confiavam em
Nazaré e deram a ela um volume imenso de informações",
diz Luiz Francisco
Fernandes de Souza, procurador da República do Distrito Federal, que
ajudou
a colocar na cadeia o ex-deputado Hildebrando Pascoal e mais 50 outras
pessoas ligadas com o narcotráfico e formação de grupo
de extermínio. "Só tive sucesso nesse caso porque ouvi as pessoas certas, como Nazaré,
e
confiei nelas", declara o procurador.
O centro atende por dia uma média de seis pessoas, vítimas de
diversas
violações, dando orientações, acompanhando processos
jurídicos. Nesses 12
anos, Nazaré atendeu mais de 10 000 pessoas e denunciou vários
policiais
militares por abuso de autoridade, prática de tortura e ameaças
e atentadoà vida. Ajudou também a salvar várias pessoas ameaçadas
de morte, retirando de
locais de risco e escondendo em lugares mais seguros.
CAPACIDADE DE
MULTIPLICAÇÃO
Atualmente o
Centro de Defesa dos Direitos Humanos tem sede em oito
cidades do Acre, entre elas Sena Madureira e Brasiléia. Três
vezes por ano,
cerca de 50 pessoas vêm do interior para participar dos cursos
específicos
do centro.
Nazaré faz parte da formação de lideranças comunitárias,
agentes de
direitos humanos, conselheiros e militantes católicos, dando cursos
e
palestras sobre: Direitos Humanos na Atualidade; Proteção do
Trabalho da
Mulher; Direitos Trabalhistas e Previdenciários da Mulher Trabalhadora
Rural; Segurança Pública e Cidadania; entre outros.
Já produziu cartilhas informativas como Direitos do Cidadão;
Resgate
da Cidadania; Constituição e Cidadania; Construindo os Direitos
Humanos e
Conselhos Populares um Instrumento de Participação.
EFICIÊNCIA E PARCERIAS
O centro conta
com uma equipe de quatro pessoas, uma secretária,
uma
pedagoga, um teólogo e uma advogada, e é financiado
por organizações ligadasà
Igreja Católica. Em 2001, Nazaré recebeu, na Assembléia
da República
Portuguesa, o prêmio Centro Norte-Sul de Lisboa, concedido
pelo Centro
Europeu para Independência e Solidariedade Mundiais. Entre
os homenageados
encontram-se Graça Machel (ex-primeira dama de Moçambique
e atual mulher do
ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela), Mário
Soares (ex-presidente
de Portugal) e Patricio Aylwin (primeiro presidente civil pós-ditadura
no
Chile).
Em março deste ano, Nazaré foi eleita uma das seis
coordenadoras nacionais
do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, rede que engloba 316
organizações em todo o país e que acabou de
completar vinte anos.
IMPORTÂNCIA
DA CANDIDATA
Para Romeu Omar
Klich, coordenador-geral do Movimento Nacional dos Direitos
Humanos, Nazaré tem papel importante na luta contra a impunidade
no Acre e
na defesa e promoção dos direitos humanos no Norte
do país. "Ela foi peça
fundamental no combate ao crime organizado, que culminou com a prisão
do
ex-deputado Hildebrando Pascoal e da quadrilha comandada por ele",
diz.
"
Nazaré é um exemplo de coragem, inteligência
e dedicação", elogia o
procurador Luiz Francisco Fernandes de Souza. "Teve de sair
do Acre para não
morrer, mas, mesmo recebendo ameaças, voltou para continuar
seu trabalho."
Dermi Azevedo, presidente do conselho deliberativo do Programa Estadual
de
Proteção a Testemunhas (Provita/SP), alerta que Nazaré é uma
pessoa que
ainda precisa de proteção. "Apesar de ela participar
do Provita/Acre e
ajudar testemunhas que correm risco de morte, também se encontra
em uma
situação preocupante", afirma. "Mas é uma
pessoa que não se deixa abalar e
continua trabalhando em condições bastante difíceis."
COMENTÁRIO
DA CANDIDATA
"Tenho muito medo de ser vítima do ódio e da
vingança, mas desde menina me
sensibilizei pelas injustiças sociais e decidi estudar para
colaborar com as
pessoas que não puderam ter as mesmas oportunidades."