HSH
Um conceito equivocado e homofóbico que perpetua a conspiração
do silêncio contra o "amor que não ousava dizer o nome
Luiz Mott (
luizmott@ufba.br
)
Doutor em Antropologia, Universidade Federal da Bahia
Há anos, venho denunciando a impropriedade do uso da expressão
"HSH", "homens que fazem sexo com homens", nas
campanhas de prevenção da aids, tendo discutido os
inconvenientes deste neologismo, em diversos congressos e comunicações,
tendo sido aprovada moção contra o uso desta sigla no último
encontro de ONGs/Aids, Recife/2001 e no recente encontro
"Homossexualidade, Orientação Sexual e Aids" de Rio
Preto, junho/2001. Portanto, não se trata de uma ação
individual, ou de apenas um grupo, mas conta com o respaldo de
importantes fóruns nacionais de ONGs/GLT/Aids. Falo enquanto
autor de diversos artigos sobre aids, produtor de dezenas e
diversificados materiais de prevenção e representante da
comunidade científica junto à Comissão Nacional de Aids. Reuno,
portanto, a teoria e a prática.
Em síntese, considero que HSH se trata de um conceito importado
do primeiro mundo com o pretexto de se evitar a nefanda palavra
"homossexual", como reconhecimento da especificidade da
cultura sexual brasileira (e latino-americana). O mito de uma
sexualidade tropical, carnavalesca e selvagem, e da falta de
identidade gay no Brasil ainda persiste no imaginário de muitos
"brazilianistas", estando tais premissas na base desta
novidade classificatória. Apesar destas aparentes boas intenções,
não há como negar que o uso do neologismo HSH é totalmente
equivocado enquanto estratégia epidemiológica e postura política.
Sob o pretexto de respeitar a especificidade de uma parcela de
homens praticantes do homoerotismo que não têm identidade
homossexual, o conceito HSH desconsidera milhões de gays e
travestis brasileiros que se identificam com o termo homossexual e
que fazem parte do grupo social ainda o mais atingido pelo
HIV/aids: os homossexuais continuam representando por volta de 25%
dos casos de aids no Brasil.
Segundo, o conceito HSH não sensibiliza nem os "homens"
que transam com gays e travestis, que não consideram seus
parceiros "homens", mas "bichas", deixando de
atingir igualmente boa parcela das próprias "bichas e
travestis", posto que muitas não se identificam como
"homens". Portanto, mensagem epidemiológica jogada
fora, boa apenas "para inglês ver", pois não atinge
nenhum dos grupos do binômio HSH.
Politicamente, a sigla HSH é ainda mais condenável do que sua
inocuidade em termos de estratégia epidemiológica: após tantos
séculos de opressão do "amor que não ousava dizer o
nome", logo quando milhões de amantes do mesmo sexo ousaram
sair da gaveta e verbalizar sua identidade, inclusive se
organizando em grupos de homossexuais, eis que, do norte, vem um
"modismo" que passou a ser adotado acriticamente, sem
consultar a comunidade homossexual, pelo discurso governamental e
por algumas ONGs, inclusive da América Latina, substituindo a
consagrada classificação "homossexual" por HSH.
Nossa proposta, há anos defendida e aprovada oficialmente em
diferentes fóruns de discussão sobre aids, é que, nos trabalhos
de prevenção de DST/aids junto às minorias sexuais, nomeie-se
sempre os "homossexuais", ou, melhor ainda, os
"gays" e "travestis". Só quando se desejar
referir-se apenas aos praticantes de atos homoeróticos sem
identidade gay, estes sim, devem ser chamados de "homens com
práticas homossexuais", e não como "homens sexo
homens", aliás, como vem fazendo de longa data nosso
parceiro, o Ministério da Saúde da França.
Já que existe o conceito científico "homossexual",
universalmente consagrado e que descreve a contento a relação
HSH, e como tal conceito tem um significado político importante
para milhões de brasileiros, inclusive para muitas ONGs, que se
autonomeiam "grupo homossexual", evitá-lo equivale a
"racismo sexual", cientificamente chamado de
"homofobia". HSH é homofóbico pois descarta nossa
identidade política homossexual.
Argumentar que HSH é mais abrangente, também não tem
fundamento, pois "homens com práticas homossexuais"
cobre a contento todos os "HSH". A fim de
"preservar" a não identidade homossexual dos bissexuais
ou homoeróticos enrustidos, o uso do HSH mantém o complô do silêncio
contra os homossexuais - o grupo ainda mais atingido pelo HIV e o
que mais tem se empenhado em lutar contra a epidemia, inclusive
junto aos "homens com práticas homossexuais" mas sem
identidade gay.
Esperamos que estas explicações tenham convencido os que ainda
tinham dúvida sobre as vantagens de abandonar a sigla HSH por
"gays e homens com práticas homossexuais". E que os órgãos
governamentais e ONGs cumpram o que foi democraticamente e por
unanimidade deliberado nos fóruns competentes.
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