Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
Não apedrejem a
moça nua
A hipocrisia da sociedade é,
às vezes, revoltante.
Não
vejo nenhuma reação social à
exibição de atrizes nuas, rodopiando
sensualmente em canais abertos de televisão,
em horários franqueados a todas as idades.
Interesses
comerciais altíssimos estão em jogo
nesses casos. O lucro é franquia para qualquer
comportamento, mesmo aqueles que agridem nossos
filhos, nossas filhas, nossos netos, nossas netas.
Os
artigos da Constituição Federal
que determinam tenha a televisão finalidade
educativa, com a criação de um Conselho
Nacional de Comunicação Social,
formado por representantes da sociedade civil,
ainda dependem de regulamentação,
não obstante a Constituição
já vá completar vinte anos de existência.
A regulamentação desses artigos
reduz o lucro e ai de quem queira mexer com o
"deus lucro".
Não
se vê qualquer relação (ou
se vê, mas se finge não ver) entre
a cena da atriz nua que rodopia com luxúria
diante de milhões de pessoas e a cena da
pobre Leidiane, que também rodopia, igualmente
nua, diante de um público de, quando muito,
duas centenas de pessoas.
O
fato, que aconteceu em Vitória, teve repercussão
nacional.
Leidiane
rodopiou para ganhar setecentos reais. Viúva,
com três filhos, tendo ainda sob responsabilidade
a Mãe, foi tentada pela promessa de recompensa.
Quem
são os responsáveis por esses bailes
que propiciam clima para essas coisas? Quais os
interesses econômicos que estão atrás
de tudo?
A
sociedade está preocupada em exaltar valores
positivos, em formar a juventude, em assegurar
escola pública de ótima qualidade
para todos? A sociedade está engajada no
esforço de formar cidadãos e cidadãs
que encontrem seu lugar no mundo? A sociedade
está abrindo canais de esperança
e de futuro para os milhões de pessoas
que suplicam por uma oportunidade de trabalho
honesto? Ou a sociedade só sabe levantar
o braço pedindo que Madalena seja apedrejada?
Não
apedrejem Leidiane.
Eu
me solidarizo com essa moça e com sua família.
Eu me solidarizo com a Mãe de Leidiane,
que teve uma crise nervosa na Delegacia, vendo
a filha ser fotografada e filmada.
Não
pode um gesto impensado destruir a vida de uma
jovem, comprometendo inclusive o sossego de seus
filhos, ainda pequenos.
Tenha
complacência com Leidiane dos Santos Muniz,
minha prezada delegada Tânia Zanoli. E se
o inquérito chegar à Justiça,
tenha complacência com Leidiane, juiz ou
juíza a quem couber o caso,
Temos
de defender valores morais, sim. Temos de velar
para que o sexo, um dom de Deus, não seja
banalizado. Mas temos de ter misericórdia
também.
A
lei não existe para ser interpretada friamente.
Em alguns momentos é preciso que o intérprete
pouse sobre a lei um olhar de ternura.
Como
seria bonito decidir assim: "saia livre,
Leidiane, e não faça mais isso". |