Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
Mulheres que julguei
Na minha vida de juiz procurei
ter um olhar de ternura para com a mulher. Creio
que a reflexão sobre este tema é
bem própria para o Dia das Mães.
E a reflexão será, a meu ver, tanto
mais válida quanto mais carregada do depoimento
pessoal daquele que ultrapassou sete décadas
de existência, cinco das quais dedicadas
ao culto do Direito.
Vou
começar pelo caso da empregada doméstica
que estava presa sob a acusação
de que cometera crime de furto na casa onde trabalhava.
Tinha tirado de uma caixa onde havia mais dinheiro
apenas o valor de uma passagem de trem para regressar
à casa da mãe em Governador Valadares
(MG), por se sentir inadaptada em Vitória
(ES). Agiu assim depois que os patrões
se recusaram a lhe pagar pelo menos os dias trabalhados,
alegando que ela só teria direito de receber
salário depois que completasse um mês
de casa.
Eu
a coloquei em liberdade considerando, dentre outras
razões, que a acusada era quase uma menor,
considerando que o Estado processava uma empregada
doméstica que lesava seu patrão
em bagatela, mas não processava os patrões
que lesavam seus empregados. Lamentei que a Justiça
não estivesse equipada para que o caso
fosse entregue a uma assistente social que ajudasse
a moça a retomar o curso de sua jovem vida.
Mas se assistente social não tinha, o verbo
eu tinha, acreditava no poder do verbo porque
o Verbo se fez carne e habitou entre nós.
Pedia a Deus, presente naquela sala, por Neuza,
que era o nome da mocinha. Que sua lágrima,
derramada na audiência, como a lágrima
de Madalena, fosse recolhida pelo Nazareno.
Numa
outra decisão, mandei libertar Marislei
e Telma, que foram presas como vadias, num dia
de sábado. Lembrei Vinicius de Moraes,
que consagrou o sábado como dia de ócio.
Numa
terceira decisão, libertei Maria Lúcia,
meretriz, acusada de suposta tentativa de homicídio
contra um "cliente" que quis dela abusar,
desrespeitando sua dignidade de pessoa humana.
Numa
quarta decisão absolvi uma jovem acusada
da prática do crime de aborto. Segundo
as testemunhas, toda noite embalava um berço
vazia, como se nele houvesse uma criança.
Percebi que não era suficiente eximi-la
do processo penal mas libertá-la também
do sentimento de culpa que a atormentava. Disse-lhe
então que ela era muito jovem, sua vida
não tinha acabado. A criança, que
ia nascer, não existia mais. Entretanto,
ela poderia ter outras crianças que alegrassem
sua vida. Eu a absolvia se ela prometesse, como
prometeu, não mais embalar um berço
vazio.
Numa
quinta decisão assegurei visita íntima
de companheiro a uma presa provisória que
estava sob minha jurisdição. Argumentei,
no meu despacho, que a prisão não
subtraía da requerente o seu direito ao
exercício da sexualidade. Quanto a engravidar,
somente à presa competia decidir sobre
este tema. Não tinha razão jurídica
o óbice que se opunha às visitas
íntimas justamente sob a alegação
daquilo que indevidamente se chamava de “risco
de gravidez”. Gravidez não é
risco, é um ato livre. |