Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
Justiça com as próprias
mãos
Tem largo curso, no Brasil, a
obtenção de certos direitos creditícios,
por ato direto dos próprios credores.
Refiro-me,
por exemplo, ao corte de energia elétrica
e à suspensão do serviço
telefônico, em desfavor do usuário
do serviço que não paga sua conta
no vencimento.
A
ameaça de suspensão, que se sabe
será seguida do efetivo bloqueio do serviço,
constitui, por si só, um instrumento de
pressão que coloca as empresas de energia
e de telefonia em situação absolutamente
privilegiada, dentro do sistema jurídico
nacional.
Quando
o corte de serviço se realiza – o
fornecimento de energia elétrica é
suspenso, a linha telefônica fica muda –
tem-se, insofismavelmente, a justiça feita
com as próprias mãos, autorizada
por lei e já chancelada, pelo Poder Judiciário,
em algumas decisões, a meu ver extremamente
infelizes, proferidas por magistrados.
Creio
que esses procedimentos ferem a Constituição
Federal.
No
mundo moderno, ficar sem luz e sem telefone significa
estar privado de bens essenciais. A prestação
de tais serviços está ligada ao
respeito que é devido à família
e à pessoa humana. Tanto a família,
quanto a pessoa humana, são titulares de
direitos que traçam o perfil da sociedade
democrática de direito.
A
dignidade da pessoa humana constitui fundamento
da República (artigo 1º, inciso III,
da Constituição).
A
família, base da sociedade, tem direito
à especial proteção do Estado
(art. 226).
Os cortes assumem o caráter de brutalidade
revoltante quando atingem pessoas idosas, doentes
e crianças.
Autorizar
que se faça justiça com as próprias
mãos agride o estado democrático
de direito, por cuja implantação
tantos lutaram e morreram em tempos recentes de
Brasil.
A
conquista, que resultou da luta do povo, está
expressa no artigo que abre nossa Constituição:
“Art. 1º A República Federativa
do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado democrático
de direito.”
Não
estamos afirmando que as empresas fornecedoras
de energia elétrica e serviço telefônico
têm de oferecer gratuitamente esses bens.
Nem estamos negando que sejam titulares de crédito,
em face do devedor.
Contudo,
que as empresas cobrem seus créditos, como
os demais credores, já que todos são
iguais perante a lei. (Art. 5º da Constituição
Federal). Recorram à cobrança judicial,
se a cobrança amigável e a composição
falharem. As empresas, como os particulares, estão
amparadas pelo princípio da ubiqüidade
da Justiça. (Artigo 5º, inciso 35,
da Constituição). Em razão
desse princípio, têm direito de acesso
aos tribunais para a busca de seus direitos. O
que não se pode é atribuir a empresas
o indefensável arbítrio de suspender
serviços de primeira necessidade, colocando
pessoas e famílias numa situação
aflitiva.
Isso,
além de afrontar a Constituição,
pelos motivos apresentados, é incompatível
com um padrão mínimo de civilização. |