Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
Justiça aberta
Nos tempos em que fui juiz, vigorava
a idéia de que uma das virtudes do magistrado
era um acendrado recato. O princípio é,
sem dúvida, corretíssimo. O juiz,
na vida pública e particular, deve fazer-se
credor do respeito da comunidade através
de uma conduta condizente com a grandeza de sua
função. Muitos atos, absolutamente
lícitos à generalidade das pessoas,
não são apropriados para aquele
que desempenha a função de juiz.
Mas
se por recato entende-se que o juiz deve guardar-se
de qualquer contato externo, afastar-se da imprensa,
isolar-se no mundo dos autos, esse procedimento
não me parece condizente com uma visão
democrática do Poder Judiciário.
Aliás,
nem poder o Judiciário deveria ser, mas
serviço - Serviço Judiciário.
Assim também, endereçados ao bem
público, o Serviço Legislativo e
o Serviço Executivo. Não obstante
as conhecidas justificações teóricas
para que se considere o Judiciário como
poder (dentro da tese de três poderes),
cabe analisar a questão numa outra perspectiva,
que privilegie o social e o ético. Então,
a Justiça será entendida como um
serviço e o juiz como servidor.
Partindo
dessas premissas, a Justiça tem de ser
aberta e não fechada. Um processo só
pode correr debaixo de sigilo quando razões
de respeito à pessoa humana o exijam. As
portas da Justiça têm de estar sempre
franqueadas. Nunca a exigência de roupa
ou calçado pode obstar a entrada de alguém
nos recintos judiciais.
Arrostar
o pensamento dominante, na época em que
exerci a magistratura, custou-me alguns percalços
que hoje compreendo com clareza. Fui censurado,
em razão de uma entrevista que concedi
a jornal. Essa entrevista continha críticas
(teóricas) ao Poder Judiciário,
decorrentes de um livro que eu havia publicado.
De outra feita, recebi ofício advertindo-me
de que não deveria publicar no Diário
da Justiça os relatórios estatísticos
de minha comarca.
A
conduta da cúpula judiciária estava
de acordo, a meu sentir, com o entendimento, então
vigente, dos limites que se impunham ao papel
do magistrado.
Pautei
a linha de meu procedimento, em oposição
à concepção imperante, não
com a intenção de ser ''diferente''.
Na verdade, pareceu-me que abrindo a toga ao conhecimento
público eu contribuía para o avanço
da cidadania, nem que fosse apenas no restrito
âmbito de minha comarca, já que no
cenário nacional os tempos eram de escuridão.
Agora,
quando ligo a televisão e vejo a TV Justiça,
tenho uma profunda satisfação interior.
Constato que a intuição que me acudiu,
no sentido de perceber a Justiça como terreno
aberto ao povo, não foi despropositada.
Assisto a sessões do Supremo Tribunal Federal.
Vejo a imagem dos ministros e acompanho os votos
que proferem. Nos noticiários, tomo conhecimento
do que anda a acontecer nos arraiais da Justiça,
por todo o território deste vasto país.
É o Serviço Judiciário aberto
à atenção e à fiscalização
popular.
Lamento
apenas que a TV Justiça não seja
um canal aberto com penetração em
todo o território nacional, inclusive nas
cidades do interior. O avanço tem de ser
complementado. É preciso que todos os televisores
possam captar o sinal da TV Justiça. Aí
sim, as salas dos tribunais estariam dentro de
nossas casas, como imposição de
cidadania.
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