Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
Concursos públicos
honestos, imposição de cidadania
Em 1988, pela primeira vez na
História do Brasil, uma Constituição
foi votada com a manifestação, pelo
povo, de seu expresso desejo de participação
efetiva no processo.
Pela
primeira vez, em conseqüência, a Constituição
deixou de ser um documento de juristas e assumiu
verdadeiro caráter de pacto social.
É
verdade que os movimentos populares sofreram derrotas,
no processo de elaboração constitucional.
Mas, a meu ver, o que a Constituição
apresenta de melhor nasceu, direta ou indiretamente,
de emendas, reivindicações e pressões
populares.
Uma
das exigências do povo, perante o Congresso
Constituinte, foi a de que houvesse, no país,
a superação do regime de nepotismo.
A
fórmula "todos são iguais perante
a lei", de tradicional existência,
ganhou, em 1988, conteúdo de efetividade
social. A igualdade passou a ser demanda incontornável.
Da mesma forma, o princípio da investidura
em cargos públicos, por meio de concurso,
deixou de ser uma promessa vã, para tornar-se
pleito marcado pela luta do povo.
Concurso
tem, no texto constitucional, o sentido de disputa
honesta. Não iria a sociedade civil organizada
exigir, como exigiu, concursos públicos
e admitir, em contrapartida, que tais concursos
pudessem ser fraudados. Concurso fraudado não
é concurso, mas embuste, mentira, negação
do mérito, mau exemplo para os jovens,
desestímulo ao estudo responsável.
Efetiva
igualdade perante a lei e acesso igualitário
aos cargos públicos são afirmações
que se completam, conseqüência necessária
do regime democrático, naquilo que é
a sua essência, sua base ética.
Igualdade
perante a lei é abolição
de privilégios, é equivalência
de oportunidades. Impõe, dentre outras
franquias, a disputa limpa dos empregos públicos.
Falsifica-se
o princípio democrático da disputa
pública dos cargos:
quando o regime dos concursos é substituído
pela criação abusiva, às
centenas, de "cargos comissionados",
ou quando se encontram as mais variadas brechas
para nomear sem concurso;
quando os concursos são realizados, mas
não são transparentes e honestos,
de modo a eliminar toda suspeita de fraude.
A
eliminação dos concursos ou os concursos
fraudados instalam uma "ação
entre amigos", a troca de favores, a prevalência
dos que fazem do poder e do prestígio moeda
pronta para conluios escusos.
A
coletividade sofre, a meu ver, cinco grandes prejuízos
com a supressão dos concursos, ou com concursos
fraudados:
deixam
de ser selecionados para as funções
públicas os candidatos mais capacitados,
que poderiam prestar melhor serviço ao
povo;
perdem
a independência os que são escolhidos
pelo crivo do favoritismo, atrelados que ficam,
perpetuamente, ao indevido "favor" que
receberam;
instala-se
a multiplicação dos cargos desnecessários,
pois nomeação sem concurso é
"favor" político;
elimina-se
totalmente dos mais pobres, dos desprovidos de
poder, dos que nada têm para barganhar as
possibilidades de acesso aos cargos públicos;
retira-se
dos jovens a confiança no futuro, a crença
no valor, a estima ao estudo e ao saber.
Dos
cinco males acima especificados, parece-me que
o mais pernicioso é o último.
Nada
agride mais a saúde moral de um povo do
que o esmagamento da fé e ideais da juventude. |