Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
Bem comum e interpretação
da lei
"Na aplicação
da lei, o juiz atenderá aos fins sociais
a que ela se destina e às exigências
do bem comum".
Embora
colocado na Lei de Introdução ao
Código Civil, esse dispositivo não
se aplica apenas à interpretação
do Código Civil: é uma diretriz
básica do ordenamento jurídico.
Não
há unanimidade dos autores quanto ao alcance
do art. 5º da Lei de Introdução
do Código Civil. Duas correntes contrapõem-se:
a)
entendem alguns que o bem comum a que a lei de
destina é aquele que a norma, objeto da
interpretação, está orientada
a satisfazer;
b)
outros pensam que deve o juiz atender as exigências
últimas e gerais do bem comum, afastando
a incidência da lei ao caso concreto, quando
dessa incidência resulte obstrução
àquele desiderato.
Dentre
os autores que optam pela interpretação
extensiva do art. 5º da Lei de Introdução
ao Código Civil podem ser citados: Rogério
Gordilho de Faria, J. Pinto Antunes, J. A. Nogueira,
Oscar Tenório e C. H. Porto Carreiro.
Modestamente,
incluo-me entre os estudiosos que seguem esta
corrente.
Comentando
o art. 5º da Lei de Introdução
ao Código Civil, escreveu Oscar Tenório:
"O
direito positivo brasileiro preferiu caminho mais
seguro e menos difícil. Deu ao juiz a missão
de, na aplicação da lei, apreciar
a sua finalidade social e as exigências
do bem comum. Confiou ao juiz a missão
de vencer óbices, criados por leis prenhes
de individualismo. Instaurou-se o governo dos
juízes, sem que possamos falar, entretanto,
em oligarquia ou ditadura judiciária".
C.
H. Porto Carreiro não vê, com otimismo,
a efetiva aplicação do art. 5º
da Lei de Introdução ao Código
Civil, encontrando um conflito entre o artigo
e o sistema jurídico-político-econômico,
em que está inserido:
"Não
especificando as fronteiras dos fins sociais a
que se destina a lei, deixa a critério
do juiz o exame da questão. Mas qual espada
de Dâmocles, pendente sobre a cabeça
do julgador, estão os princípios
gerais do Direito, garantidores do status quo
e das vigas mestras do regime. Teoricamente, o
juiz tem liberdade de pesquisar os fins sociais
da lei, perquirindo, como filósofo e como
sociólogo, a verdadeira ratio legis. No
entanto, ao fazê-lo, há ele de esbarrar,
fatalmente com os institutos jurídicos
preestabelecidos (e que não podem ser por
ele mudados), que têm ser seguidos e mantidos,
sob pena de ser apontado como uma ameaça
à segurança nacional.
E
segurança nacional é preceito que
visa à manutenção de uma
situação vigente, mesmo que esteja
ela panda de conflitos sociais. Qualquer reforma
deve partir de cima para baixo, de governantes
para governados, como uma espécie de outorga
de direitos. As reivindicações,
que têm sentido inverso, podem ser interpretadas
como perigosas ao sistema jurídico e ao
regime político. O mesmo ocorrerá
ao aplicador que der interpretação
diversa às leis vigentes, ainda que fundamente
sua decisão com base nos fins sociais a
que elas se destinam. Afinal, a que se destinam
elas? À mudança social? À
ampliação de direitos? Não
cremos."
Penso
que a interpretação teleológica
– sufragada, sem restrições,
pelo Direito brasileiro – arma o Judiciário
de grandes poderes e de inarredável missão
política.
De
independência e coragem os juízes
sempre precisarão, caso queiram ser úteis
ao povo, e não dóceis instrumentos
da dominação de poucos. Independentes
e corajosos, ao aplicarem teleologicamente o Direito,
tendo em vista as exigências da finalidade
social e do bem comum, os juízes não
poderão obscurecer que o bem comum é,
até etimologicamente, felicidade coletiva,
bem geral, e nunca o individualismo, a opressão,
que uma lei particular ou artigo de lei consagrar. |