Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
A Ética e o jejum
do Bispo
Não vou examinar neste
artigo as questões técnicas relacionadas
com a transposição das águas
do Rio São Francisco.
Limito-me
a refletir sobre aspectos éticos do jejum
e oração a que se entregou o Bispo
Dom Luiz Flávio Cappio, em protesto contra
o projeto de transposição.
É
ético jejuar, colocando a própria
vida em perigo, em nome de uma causa? O jejum
de Dom Cappio é um ato religioso ou um
ato político? Se é um ato político,
não estará o Bispo usando a força
simbólica do solidéu para invadir
esfera que não lhe compete, atitude que
o colocaria em desacordo com a Ética?
Vamos
tentar colocar pistas para o exame destas questões.
Expor
a vida a perigo, na defesa de uma causa, não
afronta a Ética. Mártires de todos
os tempos ofereceram o próprio sangue em
holocausto, por fidelidade à Fé.
E não apenas nos arraiais do Cristianismo
aceitou-se a idéia de que a causa pode
sobrepujar a vida. Lembremo-nos do Mahatma Gandhi,
apóstolo da resistência civil, que
jejuou muitas vezes e ameaçou jejuar até
a morte para conquistar a liberdade para seu povo.
O
jejum de Dom Cappio é um ato religioso
com repercussão na política. É
um gesto extremo de dedicação, zelo,
amor, compaixão por sua gente.
Os
motivos que justificam a atitude do Bispo são
motivos éticos. Segundo suas palavras,
o projeto de transposição das águas
do São Francisco é socialmente injusto.
A água a ser transposta é destinada
aos grandes empresários, vai passar muito
distante das comunidades que realmente necessitam
dela. É um projeto ecologicamente insustentável
porque vai sacrificar um rio que precisa ser urgentemente
revitalizado. Atenta contra a Ética porque
transformará a água em objeto de
compra e venda quando, na verdade, a água
é um bem essencial que não se pode
transformar em barganha de mercado.
Dom
Cappio não está praticando um ato
solitário. Caravanas e mais caravanas de
nordestinos estão indo ao seu encontro
para emprestar apoio a sua luta.
Como
escreveu Gey Espinheira, professor do Departamento
de Sociologia da Universidade Federal da Bahia,
“a
fome do bispo é a nossa fome de sinceridade,
de liberdade, de justiça; a fome do bispo
é a sede que todas as águas do São
Francisco não saciarão”.
A
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
está convidando as comunidades cristãs
e pessoas de boa vontade a se unirem em jejum
e oração a dom Luiz Cappio, em solidariedade
à causa por ele defendida.
É
contra a Ética que se faça a transposição
sem ouvir as comunidades atingidas. Ajusta-se
ao caso a consulta plebiscitária que a
Constituição Federal prevê
no seu artigo 14. As populações
envolvidas é que devem dizer se querem
a transposição, é que devem
discutir as melhores alternativas de abastecimento
hídrico para o Nordeste.
Fora
disso é o primado do autoritarismo que
o povo sepultou com a Constituição
cidadã de 1988 e que não pode voltar
por caminhos transversos e por razões nada
éticas. |