Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
Fim das utopias?
Há colocações
falsas que, de tanto repetidas, são absorvidas,
até inconscientemente, como verdadeiras.
Uma
dessas colocações equivocadas é,
a meu ver, a de que teríamos chegado, no
mundo, nesta época em que vivemos, ao fim
das utopias.
Em defesa da tese de que as utopias acabaram vários
argumentos são apresentados: a) a União
Soviética ruiu, o Socialismo é coisa
do passado; b) a ineficiência da máquina
pública é evidente, avançam
as privatizações, a economia de
mercado triunfou; c) Jesus casou com Maria Madalena
e teve um filho, a Fé Cristã naufragou;
d) a competição é o caminho
do progresso, só o materialismo pode libertar
o homem dos mitos que o aprisionam; e) a felicidade
de um povo mede-se pelos seus níveis de
consumo.
Essas
mentiras, afirmadas em várias línguas,
difundidas por sofisticados aparelhos de dominação
social, acabam por se tornar dogmas.
A
utopia, no seu sentido filosófico e político,
não é um sonho, uma quimera, conforme
o sentido que às vezes é atribuído
a esta palavra.
O
termo "utopia", em grego, significa
"que não existe em nenhum lugar",
ou tentando explicar com outros vocábulos
o conceito que a velha Grécia nos legou.
A utopia é a representação
daquilo que não existe ainda, mas que poderá
existir se lutarmos por sua concretização.
A
utopia é assim um "projeto de futuro".
A utopia quer construir um mundo diferente deste
que aí está.
Sempre foi a utopia que moveu a História.
Todos os grandes avanços da Humanidade
nasceram da utopia.
Tomás
Morus, Campanella, Marx, Teilhard de Chardin,
Kierkegaard, Gabriel Marcel, Ernest Bloch, Roger
Geraudy, Martin Luther King, Che Guevara, Hélder
Câmara foram alguns dos grandes utopistas
que alimentaram a caminhada dos homens na busca
de uma existência compatível com
sua suprema dignidade.
Foi
o pensamento utópico que levou Frei Caneca
à morte: sonhador de um mundo igual para
todos. Foi nutrido de sua seiva que Oswald de
Andrade defendeu o poder revolucionário
da imaginação. Foi com base nele
que Niemeyer pôs em arquitetura o seu projeto
de uma cidade humana, projeto aniquilado pelas
estruturas envolventes, pois é impossível
uma cidade humana dentro de uma sociedade fundada
no lucro, na discriminação, na desigualdade.
Dizer
que a utopia morreu é assinar carta de
abdicação à face das forças
poderosas que comandam este mundo.
A
utopia está viva. É preciso alimentá-la
com a nossa Fé, em todos os espaços
sociais onde possamos atuar. O desafio não
é apenas construir a utopia na organização
do mundo, mas construir também a utopia
em nosso país, em nosso Estado, em nosso
município, em nosso bairro, em nosso local
de trabalho. Construir a utopia com a nossa ação,
a nossa palavra, o nosso testemunho. Compreender
que a edificação da utopia não
é obra de uma só geração.
Temos de fazer o que cabe ao nosso tempo e transmitir
o bastão aos que venham depois de nós. |