Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
João Baptista Herkenhoff
Federação
e Direitos Humanos
O pedido de federalização
das investigações relacionadas com
o assassinato do Juiz Alexandre Martins, no Espírito
Santo, coloca em pauta o “incidente de deslocamento
de competência para a Justiça Federal".
Este cabe quando ocorra grave violação
dos direitos humanos e a providência torne-se
necessária para assegurar a prevalência
de tratados internacionais subscritos pelo Brasil.
Segundo
observam Simone Schreiber e Flávio Dino
de Castro e Costa, a federalização
da competência para julgamento dos crimes
contra os direitos humanos está inserida
num sistema de cooperação de competências
jurisdicionais desencadeada em determinadas situações,
quando as instâncias de poder dos entes
subnacionais (Estados e Distrito Federal) se revelam
insuficientes para cumprir os objetivos inscritos
na Constituição Federal.
Aqueles
que, no campo doutrinário, opõem-se
ao “deslocamento de competência”
afirmam que a medida seria desnecessária
porque existem na Constituição mecanismos
que atenderiam os fins colimados: cooperação
da Polícia Federal nas investigações;
desaforamento na hipótese de suspeição
sobre a imparcialidade do júri; intervenção
federal no Estado-membro. Argumentam ainda que
este instituto fere princípios jurídicos
relevantes: o do pacto federativo; o do juiz natural;
o da legalidade; o que proíbe o pré-julgamento.
A
meu ver as objeções não procedem.
A
cooperação da Polícia Federal
nas investigações é muito
mais limitada do que o deslocamento da competência
jurisdicional. O desaforamento do júri
tem a ver apenas com a suspeição
em nível territorial. A intervenção
federal é muito mais ampla do que o simples
deslocamento de competência numa hipótese
singular. Apelar para a intervenção
federal seria, simbolicamente, buscar a UTI quando
o pronto-socorro é suficiente.
O
deslocamento de competência não despreza
o pacto federativo. Se na transgressão
aos direitos humanos é o Brasil, como Estado
soberano, que responde perante as Cortes Internacionais,
não pode a União quedar-se inerte
diante da responsabilidade de assegurar o império
interno desses direitos.
O
princípio do juiz natural só é
rompido quando o órgão acusador
escolhe o juízo para a tramitação
da causa. Na hipótese em discussão,
desloca-se apenas a competência para a Justiça
Federal, que não é um tribunal de
exceção.
A
Emenda Constitucional n. 45 não olvidou
o princípio da legalidade quando deixou
de definir o que são graves violações
dos direitos humanos. Nenhuma distribuição
de competência está subordinada a
uma prévia medida da gravidade dos delitos
confiados a este ou aquele ramo do Poder Judiciário.
Não
me parece também que o deslocamento de
competência induza a um pré-julgamento.
Quando o Procurador-Geral pleiteia e o STJ defere
o deslocamento de competência, não
estão eles pronunciando um juízo
de culpabilidade. Estão somente reconhecendo
que se encontram, em tese, diante de uma grave
violação dos direitos humanos e
que o ente subnacional (Estado federado) revela-se
insuficiente para o provimento judicial neutro,
insuspeito, merecedor da mais absoluta confiança
da sociedade. |