Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
Joćo
Baptista Herkenhoff
Educação
em Direitos Humanos
Muitas
e variadas tarefas têm ocupado mente e
esforço dos militantes da causa dos Direitos
Humanos. Isto não só no Brasil,
como em muitos outros países.
A reflexão é oportuna neste 10
de dezembro, quando mais uma vez celebramos
o aniversário da Declaração
Universal dos Direitos Humanos.
Lutar por uma "Civilização
dos Direitos Humanos" traz uma grande satisfação
íntima. Essa alegria interior decorre
sobretudo da consciência de que o fruto
desta obra transpõe o tempo de nossa
própria vida, o termo da existência
individual, biológica.
Educar para os Direitos Humanos, transmitir
valores que constituem o arcabouço de
uma "Cultura dos Direitos Humanos"
também recompensa a alma e retempera
o ânimo.
Uma terceira tarefa tem de ser realizada mas
não é tão estimulante.
Pelo contrário, é psicologicamente
desgastante. Trata-se de corrigir tantos equívocos
correntes sobre o que são os Direitos
Humanos, sobre o sentido da luta pelos Direitos
Humanos.
É muito comum, por exemplo, a frase que
procura identificar o "militante dos Direitos
Humanos" como um "defensor de bandidos".
Se esse conceito fosse emitido apenas em conversas
ocasionais, não seria necessário
grande empenho para esclarecer o equívoco.
Pior é que essa falsificação
de idéias transita pelos jornais, rádio
e televisão, o que obriga os militantes
da causa dos Direitos Humanos a uma empreitada
hercúlea, uma vez que não dispõem
dos mesmos meios de contra-argumentar. O ataque
mencionado efetiva-se através de uma
frase feita, que entra pelos ouvidos e dispensa
racionalidade. A defesa da nobre causa dos Direitos
Humanos exige explicações, funda-se
na racionalidade.
Nenhum princípio do amplo "catálogo
dos Direitos Humanos" dá embasamento
para que os apoiadores desta luta sejam "defensores
de bandidos".
Pelo contrário, uma das prioridades,
em matéria de Direitos Humanos, é
a denúncia da impunidade. Só que
essa denúncia da impunidade não
abarca apenas os criminosos individuais, os
que assaltam e matam, os que estupram e praticam
crimes hediondos que, com razão, provocam
em nós um sentimento de repulsa. Os que
lutamos pelos Direitos Humanos queremos também
a punição dos poderosos, dos que
comandam o crime organizado, dos que exploram
o povo, dos que constróem edifícios
residenciais que desabam, dos que fraudam o
erário público. De certa forma
a ação desses "grandes criminosos"
provoca e estimula a criminalidade do varejo.
Essa criminalidade do varejo é grave,
sem dúvida, e perturba diretamente a
tranqüilidade das pessoas. Porque interfere
em nossa caminhada de volta para casa, depois
do trabalho, essa criminalidade é mais
sentida, mais visível que a criminalidade
oculta dos poderosos. Entretanto, se nos debruçarmos
sobre o problema com uma visão mais profunda,
menos superficial, concluiremos que os "grandes
criminosos" são muito mais nocivos
à coletividade do que os "criminosos
do varejo".
A idéia de Direitos Humanos exige que
toda pessoa, acusada de um crime, seja julgada,
na forma da lei, com direito de defesa e presunção
de inocência, até prova da culpa.
Este princípio prevalece em favor dos
indiciados e acusados poderosos. No caso de
pessoas pobres, envolvidas com razão
ou sem razão, em inquéritos ou
processos criminais, tais garantias são
inteiramente desconhecidas. Contra essa discriminação
rebelam-se os que estão comprometidos
com os Direitos Humanos.
Também desaprovam os militantes de Direitos
Humanos a prática de procedimentos bárbaros
como julgamentos sumários, linchamentos,
assassinato de criminosos depois de reduzidos
à condição de presos etc.
Difícil esclarecer tudo isso num simples
artigo. Sobre essas questões escrevemos
uma "trilogia dos Direitos Humanos",
livros que, para minha alegria, andam a percorrer
o Brasil. Essa trilogia foi fruto de nossa reflexão
e de nossa prática. O tema parece-nos
essencial neste momento de perplexidade diante
da violência, da impunidade e da aparente
falência dos mais fundamentais valores
humanos.
João Baptista Herkenhoff
Livre docente da Universidade Federal do Espírito
Santo
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