Direitos
Humanos – Uma Idéia, muitas Vozes
João Baptista
Herkenhoff
Capítulo
49
Dívida
Externa, fonte negadora dos Direitos Humanos
1.
Dívida externa, responsável principal pela fome e pelos
problemas sociais existentes nos países do Terceiro Mundo
A
dívida externa força os governos do Terceiro Mundo a adotar
políticas recessivas. Essas políticas por si só violam os
Direitos Humanos porque provocam, em cadeia, situações que geram
afrontas à dignidade das pessoas.
O
teólogo Jürgen Moltmann observou, num artigo publicado em 1990,
que três tônicas diferentes inspiram os Direitos Humanos no
mundo contemporâneo:
os
países capitalistas do Atlântico Norte, após a derrota do
Fascismo e do Nazismo, timbram nos “direitos individuais”;
os
países socialistas dão relevo aos “direitos econômico-sociais”;
no
seio da população pobre do Terceiro Mundo emerge a reclamação
pelo “direito à existência, à vida e à sobrevivência”.
Se
a maioria dos países socialistas está passando por transformações
que já não autorizam a generalização feita por Jürgen
Moltmann, a observação, relativamente ao Terceiro Mundo,
permanece plenamente atual.
O
principal Direitos Humanos, nos países do Terceiro Mundo, é o
direito a relações de Justiça, no comércio internacional.
Este
não é um Direito Humano individual, mas um Direito Humano dos
Povos do terceiro Mundo.
2.
O crescimento e a eternização da dívida externa, no Brasil e no
Terceiro Mundo em geral
No
caso do Brasil, grande parte da chamada dívida externa foi contraída
durante a ditadura que teve início em 1964.
A
dívida externa brasileira é hoje 50 vezes superior à dívida
deixada pelo presidente constitucional João Goulart, derrubado em
1º de abril de 1964.
Empréstimos
posteriores ao período da ditadura destinaram-se a pagar juros e
fazer reescalonamento da dívida.
No
conjunto dos países do Terceiro Mundo, a dívida cresceu de 113
bilhões de dólares em 1973, para 895 bilhões de dólares em
1984, conforme dados do Banco Mundial.
Rudolf
Strahm, antigo conselheiro econômico junto à Conferência das Nações
para o Comércio e o Desenvolvimento, demonstra como são cruéis
e injustos os mecanismos que eternizam e aumentam a dívida dos países
do terceiro Mundo.
Diz
este autor:
“Obtendo
cada ano um crédito novo de 100 milhões de dólares, por um período
de 10 anos, a juros de 10%. os países em desenvolvimento, depois
de 10 anos, chegam a um ponto tal que o pagamento dos juros das dívidas
em curso e o reembolso das dívidas vencidas ultrapassa os novos
créditos (...) O serviço da dívida (reembolso + juros) é, assim,
mais elevado que o novo crédito obtido”.
3.
Países em desenvolvimento ou países condenados a perpétuo
subdesenvolvimento?
O
livro de Rudolf Strahm, que acabamos de citar, é extremamente bem
documentado e suas afirmações sempre se fundamentam em fontes
seguras. Apenas temos uma pequena discordância para com o
autor. Não gostamos do termo “países em vias de
desenvolvimento”. Sabemos que esta expressão é extremamente
corrente. Certamente, foi em nome desse uso reiterado que Rudolf
Strahm a adotou. Mas a expressão, a meu ver, constitui um
eufemismo. Dá a idéia de que os países se dividem em dois
grupos: a) países já desenvolvidos; b) países em vias de
desenvolvimento, ou seja, países que se encontram na mesma direção
dos países desenvolvidos, apenas retardatários nessa trajetória
que, entretanto, será realizada.
Essa
divisão não é verdadeira e a própria substância dos textos de
Rudolf Strahm o demonstram. Há, na verdade, economias dominantes
e economias dominadas, economias que exploram injustamente outras
economias e economias que são exploradas. Há relações de
opressão e, consequentemente, opressores e oprimidos.
A
permanecerem de pé as regras vigentes na economia
internacional, a grande maioria dos países do Terceiro Mundo não
chegará jamais à condição de “país desenvolvido”.
Assim, não é cientificamente exato que os países estejam
“em vias de desenvolvimento”. Muito pelo contrário, estão em
vias de um empobrecimento cada vez maior. A distância entre
ricos e pobres, em vez de diminuir, aumenta. E este é o maior escândalo
de nossa era, em matéria de “Direitos Humanos
4.
Os juros extorsivos da dívida externa
Sem
citar dados estatísticos precisos como aqueles de que se utiliza
Rudolf Strahm, D. Paulo Evaristo Arns disse que, tendo em conta os
juros extorsivos, já pagamos por duas vezes nossa dívida.
Os
juros opressivos cobrados pelos Bancos credores são fator
essencial para a eternização da dívida.
Dados
da “Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico”
demonstram que:
“De
1978 a 1984, a taxa de juros praticada nas dívidas a longo prazo,
na modalidade de taxas variáveis, passou de 8,4 para 11,5%, em média,
para o conjunto dos países em desenvolvimento. A taxa média de
juros para o conjunto das dívidas dos países em desenvolvimento
(inclusive taxas do Banco Mundial e outros bancos de
desenvolvimento) passou de 6,3 para 9%.
No
caso do Brasil, a variação das taxas foi ainda mais chocante.
Conforme declarou o Cardeal Paulo Evaristo Arns em 1985, na Suíça,
o Brasil contraiu a maior parcela dos empréstimos a juros de 4%.
Em 1985, eles se elevavam a 8% e já tinham estado a 21%.
Duas
circunstâncias devem ser consideradas para um julgamento ético e
jurídico desses empréstimos:
em
primeiro lugar, deve-se pensar que esses juros elevados são
pagos a peso de dólar, moeda que é medida de valor,
diferentemente do que ocorre com empréstimos em moeda que a inflação
corrói;
em
segundo lugar, o aumento das taxas é decidido arbitrariamente
pelos credores, que têm uma espada de Dâmocles a pesar sobre a
cabeça dos países devedores.
Atendendo
essas duas circunstâncias, tais juros caracterizariam um crime
previsto na generalidade dos Códigos Penais nacionais, a
agiotagem. Mas os países do Terceiro Mundo, como o Brasil, não têm
força política para mandar sentar no banco dos réus, como
criminosos, os banqueiros internacionais que nos lesam.
A
condenação ainda é mais veemente, tanto à luz da Ética,
quanto à luz do Direito, quando se considera que não é tolerável
o forte tripudiar sobre o fraco.
5.
Empréstimos contraídos sem a participação do povo
Os
empréstimos, durante os governos militares latino-americanos,
foram contraídos sem qualquer participação do povo, sem
qualquer discussão pública. Destinaram-se a obras faraônicas
que deram sustentação política às ditaduras militares.
No
nosso país, milhões de brasileiros encantaram-se com a promessa
de um “Brasil Gigante” e com obras de impacto como a Rodovia
Transamazônica, que seria a conquista do Brasil para os
brasileiros.
Não
poupa palavras D. Paulo Evaristo Arns, quando denuncia que os empréstimos,
contratados pelo regime militar, destinaram-se a fins militares.
Quarenta bilhões de dólares, observa o Cardeal, foram
engolidos na construção de seis centrais nucleares, das quais
nenhuma funciona atualmente.
Também
examinando o destino dado ao dinheiro tomado de empréstimo, diz
Rudolf Strahm:
“O
Brasil, além de seus esforços de industrialização rápida e do
objetivo de importar armas, apelou para o dinheiro estrangeiro a
fim de financiar as gigantescas barragens de ltaipu e Carajás,
a usina de Açominas e as centrais nucleares de Angra. Esses
projetos gigantescos, ou só puderam ser explorados muitos anos
depois da data prevista, ou não tiveram utilização racional”.
Foi
principalmente graças a essas obras, financiadas com dólares
estrangeiros, que as ditaduras latino-americanas tiveram o apoio
de uma parte da sociedade.
O
outro sustentáculo das ditaduras foi a televisão, instalada em
grandes redes, nos principais países da América Latina, O
capital estrangeiro e os governos militares deram cabal apoio
financeiro a essas redes de televisão, inclusive
possibilitando-lhes a tecnologia da televisão em cores. A televisão
penetrou nos mais recônditos espaços do Continente Americano,
servindo ao projeto transnacional.
Enquanto
a tortura e o assassinato eram praticados diuturnamente, no
Brasil, na Argentina, no Chile e noutros países, os lares eram
invadidos pela propaganda colorida do modelo político e econômico
imposto à América Latina.
Os
empréstimos que permitiram a implantação e a sustentação dos
regimes de exceção são dinheiro manchado de sangue. A divida
externa latino-americana, na dimensão que assumiu, resultou, na
sua origem contábil, de empréstimos destinados a apoiar as
ditaduras.
6.
As relações desiguais no comércio internacional
Examinando
um outro aspecto da dívida, as relações desiguais no comércio
internacional, diz Susan George:
“Os
países devedores não obtêm um justo preço por seus produtos, o
que desencoraja as exportações. No fim das contas e a economia
mundial que se debilita. Não resta aos países devedores outra
solução que não a de reduzir as importações para criar
excedentes comerciais. Só assim podem reembolsar os bancos.
Por
esse mecanismo, primeiro é a gordura que derrete, depois são
os músculos e os ossos.
Rudolf
Strahm também aponta, no seu livro, as causas da degradação da
balança de pagamentos pela ação das multinacionais:
-
a remessa de lucros das filiais para as matrizes, no Exterior,
atinge hoje cifras nunca dantes imaginadas;
-
as filiais das empresas estrangeiras contribuem para aumentar o déficit
da balança de pagamentos quando importam equipamentos, energia,
peças de reposição;
-
a remessa de taxas de patentes e de licenças das filiais para as
matrizes agravam a situação;
-
as multinacionais situadas nos novos países industrializados
tomam empréstimos no estrangeiro, o que aumenta ainda o serviço
da dívida.’4
O
mesmo autor arremata suas conclusões dizendo que:
“a
capacidade de pagamento dos países em vias de industrialização,
fortemente endividados, tem sido diminuída pela remessa de
lucros realizada pelas empresas multinacionais, como também pelo
pagamento de patentes e outras licenças a essas mesmas
empresas”.
Em
vista dessas observações judiciosas e fundamentadas
relacionadas com as empresas multinacionais, a conclusão não
nos parece ser a de fechar as portas dos países do Terceiro
Mundo, inclusive o Brasil, à entrada de tais empresas. A
economia mundial tende à intercomunicação e não ao isolamento.
Entretanto,
regras têm de ser estabelecidas, quer no interior de cada país,
quer pelo conjunto dos países do Terceiro Mundo, de modo a
impedir a espoliação internacional dos países pobres pelos países
ricos.
No
Brasil, uma das bandeiras do presidente João Goulart, deposto em
1º de abril de 1964, era justamente regular a remessa de lucros
para o Exterior.
7.
Fome, negação fundamental dos Direitos Humanos
A
fome é negação dos Direitos Humanos, num aspecto fundamental.
Rudolf
Strahm e Susan George demonstram que está na lógica da manutenção
da dívida a redução das massas empobrecidas dos povos devedores
a uma situação literal de fome.
Uma
Comissão de Inquérito do Congresso Brasileiro, que investigou as
causas da miséria absoluta, concluiu, em 1991, que mais de 70
milhões de brasileiros não tinham o que comer. Isto acontece num
país de dimensão continental e com uma tão grande mão-de-obra
disponível.
Uma
das consequências mais visíveis da subnutrição crônica tem
sido o surgimento de toda uma geração (já são milhões de
brasileiros entre 15 e 18 anos) que atinge no máximo 1,60 metros
de altura, ficando abaixo dos padrões internacionais. É o
chamado “homem gabiru” que vive do lixo dos centros urbanos.
Não
se trata da baixa estatura decorrente de razões genéticas, pois
esta não compromete o conjunto da saúde. A pessoa pode ter,
obviamente, baixa estatura e excelente inteligência, bem como
todas as demais condições de rigidez física e mental. Na hipótese
aqui referida, trata-se da baixa estatura que provém pura e
simplesmente da desnutrição e que assim sacrifica o
desenvolvimento global do indivíduo.
Também
o Cardeal Anis, na denúncia que fez na Suíça e que já
citamos, disse que o serviço da dívida iria tomar ainda mais
faminto o povo brasileiro, à vista de que dois terços da população,
na data de suas declarações (1985) sofriam já de má nutrição.
Rudolf
Strahm critica o modelo de produção destinada à exportação,
adotado pelos países do Terceiro Mundo, por pressão do Banco
Mundial e outras agências internacionais. O ator demonstra que
esse modelo tira o pão da boca dos pobres:
“As
culturas de exportação trazem frequentemente prejuízo à produção
alimentar destinada à auto-subsistência (...) As classes
dominantes e os governos dos países em desenvolvimento procuram
obter divisas a fim de poder pagar bens de importação. (...)
Os agricultores obtêm preços tão baixos por seus produtos
destinados à alimentação que se tomam surdos a todo apelo de
aumento da produção. O Banco Mundial, o Fundo Monetário
Internacional e outras agências de desenvolvimento forçam os países
em desenvolvimento a aumentar suas exportações. Coagindo os países
devedores a adotar essa política, asseguram a amortização e o
pagamento dos juros da dívida externa”
Vicente
Leclercq destacou tendências alarmantes, sobretudo a partir de
janeiro de 1983. Nessa data o FMI aplicou pela primeira vez, no
Brasil, seu pacote de ajustamento estrutural. Uma das prioridades
estabelecidas pelo Fundo Monetário Internacional foi a de reduzir
o consumo interno, não obstante a capacidade da indústria
brasileira e o consumo, já então, reduzido de alimentos, se
considerado o tamanho de nossa população.
O
sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, falecido em agosto de
1997, propôs um desafio aos seus contemporâneos. Que em mutirão
vençamos o flagelo da fome.
Dentro
da realidade brasileira de hoje, milhões não têm as condições
mínimas para “ser pessoa”; não são também cidadãos.
Josué
de Castro já havia denunciado, no seu tempo, a fome como
“problema social”. Graciliano Ramos, nos seus romances,
retratou a fome como problema político. A fome não brota do céu.
A fome tem causas na terra, nas injustiças imperantes. Josué e
Graciliano sofreram exílio e prisão por dizer uma verdade tão
óbvia.
Mas
essa situação não é inevitável. Se ficamos de braços
cruzados, tudo vai continuar assim.
Mas
se a vida profética de Betinho, Josué de Castro, Graciliano
Ramos tiverem a força de nos acordar, nós venceremos a suprema
negação do Direito que é a fome.
8.
A dívida externa, decisão calculada, provoca a injusta distribuição
interna da renda
Susan
George observa que a dívida externa é a causa principal da má
distribuição de renda nos países do Terceiro Mundo. A mesma
autora demonstra que a dívida externa não é casual, nem é
fruto de circunstâncias fora de controle. A dívida externa é
uma decisão calculada e sórdida dos donos do mundo.
Segundo
dados do CEPAL, órgão ligado às Nações Unidas, nos últimos
10 anos foram repassados 275 bilhões de dólares da América
Latina aos países credores. Isso equivale a 60% da dívida da
América Latina. Entretanto, o montante da divida que os bancos
exigem, em vez de diminuir, subiu para 445 bilhões de dólares.
O
IV Congresso Latino-Americano de Economistas concluiu que a Dívida
Externa foi o fator que causou o maior impacto gerador de miséria
na América Latina, nos anos 80.
O
Bispo francês D. Jacques Gaillot publicou um livro por ocasião
da Guerra do Golfo (1991). Manifestou-se contra a solução
militar do conflito. Examinou a globalidade do problema em causa,
e não apenas suas aparências, propagadas em todas as línguas
pelos supostos donos do mundo. D. Gaillot afirmou que não era
Saddam Hussein que ameaçava a ordem do mundo. A grande ameaça à
ordem mundial e à paz advém das desigualdades extremas que se
perpetuam, nas relações internacionais.
9.
A dívida externa e a esterilização de mulheres no Terceiro
Mundo. A questão da população, no Brasil
Agora,
não contentes com a morte pela fome, os potentados econômicos
do mundo querem esterilizar as mulheres no Terceiro Mundo. Vozes
de Bispos e de líderes já se levantaram em denúncia. No Brasil,
o tema foi objeto de sucessivos pronunciamentos da CNBB.
A
propósito diz o jornal “Informativo Dívida Externa”,
publicado por um grupo de instituições populares, que 25 milhões
de mulheres brasileiras em idade reprodutiva teriam sido
esterilizadas por políticas de “planejamento familiar”.
Cabe
observar que se trata de uma estimativa. A esterilização é
sempre clandestina, pelo que não há estatísticas seguras.
O
problema do Brasil não é excesso de população. Temos duas
vezes e meia a superfície da Índia. Entretanto, nossa população
é seis vezes menor.
10.
A ilegitimidade da dívida externa: razões econômicas, políticas,
éticas e jurídicas
A
dívida externa dos países latíno-amerícanos é injusta, a
meu ver, por 5 motivos:
1º)
porque a parte relativa ao período dos governos militares foi
contraída sem conhecimento do povo. E como alguém que
emprestasse dinheiro a uma criança, impossibilitada de
discernir, e pretendesse depois cobrar o empréstimo aos pais;
2º)
porque essa parte da divida teve o objetivo político de sustentar
os regimes militares latino-americanos, com a finalidade econômica
de saquear nossas riquezas e nos escravizar. Uma outra razão
foi aplicar os excedentes financeiros dos países ricos. Se os
objetivos são injustos, o meio para alcançar o fim é também
injusto, segundo princípio ético-jurídico tradicional;
3º)
porque os empréstimos posteriores aos governos militares
destinaram-se a rolar a dívida e a pagar juros. Se a dívida
principal é injusta, as dívidas acessórias, complementares,
também são injustas;
4º)
porque outro fator da divida externa são as regras injustas e
opressivas do comércio exterior;
5º)
porque só podemos pagar a dívida e os juros da dívida com a
fome do povo, o que a torna ilegítima, segundo a palavra de João
Pauto II, na encíclica “Centesimus Anuns”:
“Não
é lícito pedir e exigir um pagamento quando esse pagamento)
resulta em impor, realmente, escolhas políticas de natureza a
impelir à fome e ao desespero populações inteiras”.
João
Paulo II analisou apenas esta última parte da questão porque
tem tratado do assunto numa perspectiva mais global, mundial. No
caso brasileiro e no de outros países latino-americanos, há
argumentos mais contundentes do que apenas este argumento humanitário
de que um Estado devedor não pode pagar a dívida com a fome do
seu povo.
O
Cardeal Paulo Evaristo Arns, Arcebispo de São Paulo, disse numa
mensagem dirigida à Conferência sobre a Divida Externa, que se
reuniu em Havana, em 30 de julho de 1985:
“O
problema da dívida externa é fundamentalmente político, mais
que financeiro. Como tal deve ser abordado. O que está em jogo não
são as boas contas dos credores internacionais, mas a vida de
milhões de pessoas que não podem suportar nem a ameaça
permanente de medidas repressivas, nem o desemprego, fonte de
indigência e de morte”.
Na
Suíça, o Cardeal foi ainda mais fulminante:
“Deve-se
parar de pagar aos ricos deste mundo com o sangue e a miséria de
nosso povo”.
A
questão é política e ética, como diz o Cardeal Arns. E é também
jurídica, como demonstramos, pois são rigorosamente nulos os
atos que geraram a divida.
11.
Repúdio à dívida externa num encontro internacional de
Direitos Humanos
Por
ocasião da 26ª Sessão do Instituto Internacional de Direitos
Humanos, que se realizou em Strasbourg, na França, tivemos
ocasião de obter o apoio de participantes de outros países para
a seguinte moção que apresentamos, a respeito deste assunto:
“Os
abaixo-assinados, cidadãs e cidadãos de países do Terceiro
Mundo, presentes na 21a Sessão do Instituto Internacional
de Direitos Humanos, ocorrida em Strasbourg, na França, no período
de 27 de junho a 27 de julho de 1990, tornam pública a seguinte
posição:
a)
entendem os subscritores deste documento que os Direitos Humanos
dos povos do Terceiro Mundo são permanentemente violados pelas
regras que presidem às relações econômicas e políticas
entre os países do Terceiro Mundo e os países ricos;
b)
as regras dessas relações econômicas e políticas são injustas
porque oprimem nossos povos e nos mantêm num estado continuo de
pobreza;
c)
nossos povos não podem continuar passando fome, sem saúde e sem
escolas, privados dos serviços sociais básicos, como decorrência
das relações de exploração vigentes na vida internacional;
d)
é inútil ou quase inútil toda a luta pelos Direitos Humanos, em
nossos países, se as relações do comércio internacional não
sofrerem radical mudança, se não forem alteradas as atuais
regras que sugam nossas riquezas naturais e estabelecem a miséria
no seio dos nossos povos;
e)
mesmo a luta ecológica, que sensibiliza a opinião pública dos
países ricos, mantém conexão com a questão econômica pois as
agressões à natureza, nos países de Terceiro Mundo, resultam,
em muitos casos, da falta de alternativas de sobrevivência dos
nossos povos;
f)
a divida externa dos países do Terceiro Mundo é injusta, atenta
contra os Direitos Humanos e merece nosso repúdio;
g)
acreditamos que os participantes deste Encontro, provenientes dos
países ricos, são pessoas portadoras de sensibilidade ética.
Apelamos para a sensibilidade ética desses companheiros para que
atuem nos seus países, de modo que ocorram as decisões políticas
necessárias para mudar as atuais relações econômicas
opressivas em relação aos povos do Terceiro Mundo”.
A
consciência de Justiça está a exortar os países que se dizem
credores a proceder com os países supostamente devedores, segundo
a apóstrofe fulminante do profeta Neemias:
“Devolvam
hoje mesmo seus campos, vinhas, olivais e casas. Perdoem também a
penhora em dinheiro, trigo, vinho e óleo, que vocês tomaram
deles”.
Questões
para debate, pesquisa e revisão (individual e/ou em grupo),
relacionadas com a Décima Quarta Parte deste livro
1.
Faça um estudo crítico do conjunto da matéria contida nesta
Parte da obra ou limite esse estudo a algum de seus capítulos.
2.
Resuma esta Parte do livro e assinale: a) os pontos com os quais
concordou com mais ênfase; b) os pontos dos quais discordou ou
relativamente aos quais tem alguma objeção ou reparo a fazer.
Fundamente a resposta.
3.
Desenvolva esta questão: Ordem econômica internacional e
efetiva vigência dos Direitos Humanos.
4.
Que matéria abordada nesta Parte do livro pareceu-lhe mais
interessante ou relevante? Fazer sobre essa matéria um debate ou
pequeno seminário.
5.
Fazer uma pesquisa sobre a questão da dívida externa brasileira,
reunindo dados absolutamente atuais. Entreviste pessoas, para
alcançar este objetivo. Procure dados e fontes que normalmente,
ou não são mencionados na grande imprensa, ou são mencionados
de maneira acidental e sem qualquer destaque. Tente descobrir a
razão pela qual hoje, na grande imprensa, fala-se em “dívida pública”,
sem distinguir “dívida pública interna” e “divida pública
externa”.
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