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OS JOVENS E A RESPONSABILIDADE PENAL

(Do Livro Violência – o Brasil cruel e sem maquiagem, Ed. Moderna, 1994, pág. 50-54)

HÉLIO BICUDO

Nesse quadro, tenciona-se fixar em 14 ou 16 anos a idade mínima de responsabilidade penal, que hoje começa aos 18 asnos de idade.

Alega-se que a constituição já atribui o voto facultativo aos jovens de 16 anos e pretende-se considerar a mesma idade para a direção de veículos automotores.

Portanto, seria pelo menos discutível a hipótese de se rebaixar a idade de responsabilidade penal.

A primeira tentativa para concretizá-la ocorreu durante a ditadura militar, quando os menores de 16 anos foram considerados sujeitos ativos nos chamados "delitos contra a segurança nacional" (Lei 6.620, de 17 de dezembro de 1978.

A idéia ficou no ar e reapareceu pelas mãos daqueles que vêem na pena tão-somente uma forma de exclusão social.

Se os meninos que lutam nas ruas, como um fator de seleção natural, transformaram aqueles que nunca brincaram em elementos potencialmente perigosos para a manutenção das regras estabelecidas de convivência sociais, não há por que, argumentam, considerá-los penalmente inimputáveis.

Esquecem-se, em suas considerações, do descaso dos órgãos estatais responsáveis pela aplicação da política, definida legalmente, de atendimento á criança e ao jovem infrator.

Em vez de defenderem uma atuação que proteja a criança ou o adolescente jogadas à marginalidade por uma ordem social injusta, enfatizam a necessidade de uma repressão sem limites.

Nestas condições, a Febem, em lugar de promoverem o "bem-estar do menor", funcionam como órgãos de contenção, onde prevalecem os maus-tratos e o desconhecimento dos direitos elencados no estatuto da Criança e do adolescente.

Se o jovem de 16 anos já vota e logo dirigirá veículos automotores, conclui-se que ele não deve escapar da responsabilidade penal.

Isso é totalmente falso.

Argumenta-se: ao escolher os dirigentes da República, dos estados e dos municípios, o menor sujeita-se a todas as regras insertas na legislação eleitoral, inclusive as de natureza penal.

Ou, dirigindo um carro, ele pode envolver-se em acidentes, que danifiquem o patrimônio e a integridade física ou a vida de terceiros.

Então, por que não considerá-lo sujeito ativo para os efeitos penais?

Ora, tanto o voto facultativo como a condução de automóveis são direitos que se outorgam aos jovens das classe mais favorecidas.

Conforme observa Dom Luciano Mendes de Almeida, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do brasil), na luta diária pela sobrevivência, uma menina ou um menino de rua não estão interessados em qualificar-se como eleitor e votar.

E muito menos terão acesso a uma carteira de motorista, para exercer uma profissão no contexto do transporte de pessoas ou de mercadorias.

Esses jovens vêem a vida, com a qual não contam, de outro prisma. Não conhecem a solidariedade, o amor ou o aconchego da família.

E mais: as faculdades concedidas aos jovens dos estratos superiores da sociedade transformam-se numa verdadeira armadilha para os demais jovens, a grande maioria. As discriminações já existentes contra as meninas e meninos de rua tendem a agravar-se ainda mais.

Os jovens infratores das famílias ricas conseguem escapar facilmente das malhas policiais ou dos procedimentos judiciais.

Entretanto, os meninos e meninas de rua continuarão a ser penalizados, não porque desejamos abrir-lhes possibilidades de integração á comunidade, mas simplesmente porque não queremos vê-los nas ruas, desejamos afastá-los do nosso convívio.

Além disso, falar em responsabilidade criminal aos 14 ou 16 anos eqüivale a ignorar a realidade brasileira.

Segundo dados do IBGE (Fundação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 1990 tínhamos 60 milhões de crianças e adolescentes, dos quais 32 milhões (53,5%) viviam em famílias cuja renda per capita não ultrapassava meio salário mínimo. Aproximadamente 4 milhões de crianças em idade escolar não freqüentavam a escola, e 18 milhões de pessoas com mais de 15 anos eram analfabetas.

Esses indicadores, por si só perversos, ainda não evidenciam os problemas das crianças de rua, que se avolumam nas grandes cidades, e os dos jovens infratores que, apesar de numericamente insignificantes, assumem proporções alarmantes nas rebeliões no sistema de contenção.

A falência das políticas sociais públicas necessárias ao atendimento da população na faixa etária até 18 anos é um dado da realidade, expresso nos índices de mortalidade infantil, de evasão escolar, de desnutrição, fome e miséria.

Pesquisa desenvolvida pela professora Myriam Mesquita Pugliese de Castro, do Núcleo de Estudos sobre a a Violência da USP, revelou um cenário contristador. De acordo com os registros do IML-SP, em 1990 ocorreram, na capital paulista, 994 homicídios de crianças e jovens, sobretudo na faixa etária de 15-17 anos – uma média de 2,7 assassinatos/dia. Esse tipo de quadro também demonstra a intencionalidade de matar por parte dos agentes agressores (10,9% identificados como policiais, segundo apurou a mesma pesquisa) e a exacerbação da violência (criança no Rio de Janeiro morta com 38 tiros na cabeça, conforme divulgou a imprensa carioca).

Enfim, estamos diante da banalização da morte. E tudo decorrência da não-adoção de uma política social voltada para a erradicação da violência pelo tratamento adequado de suas causas (injustiças sociais, miséria) e vítimas.

No lugar da erradicação da violência pela violência, é preciso exigir a erradicação da violência pela construção da cidadania.

E isso implica, sobretudo alimentar, educar, dar acesso a recursos médios e prover os pais de salários dignos, que viabilizem a moradia sem promiscuidade e impeçam o abandono das crianças.

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(Hélio Bicudo, 77, jornalista e advogado, é presidente do Centro Santo Dias de Direitos Humanos e membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos) 

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