Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
 
 Direitos Humanos
 Desejos Humanos
 Educação EDH
 Cibercidadania
 Memória Histórica
 Arte e Cultura
 Central de Denúncias
 Banco de Dados
 MNDH Brasil
 ONGs Direitos Humanos
 ABC Militantes DH
 Rede Mercosul
 Rede Brasil DH
 Redes Estaduais
 Rede Estadual RN
 Mundo Comissões
 Brasil Nunca Mais
 Brasil Comissões
 Estados Comissões
 Comitês Verdade BR
 Comitê Verdade RN
 Rede Lusófona
 Rede Cabo Verde
 Rede Guiné-Bissau
 Rede Moçambique

 

Privatiza-se a soberania nacional

Frei Betto

George Orwell poderia escrever hoje o "2084", um novo exercício de futurologia crítica, consideradas as tendências atuais. Mas não é preciso recorrer a ele ou a Arthur Clarke para prever que a globocolonização nos conduz à redução do mundo a um só país e um só governo.

O comunismo deixa de ameaçar, o neoliberalismo impera, a internet põe abaixo as fronteiras da comunicação. Senhores de todas as terras, ares e mares, os EUA mantêm o planeta sob vigilância (vide a espionagem sobre a China) e intervêm em qualquer ponto, ainda que sob o disfarce de boina azul da ONU (como em Iraque e Timor Leste). O inglês torna-se o idioma internacional. Os países afunilam-se em blocos regionais: União Européia, Comunidade dos Estados Independentes, Associação das Nações do Sudeste Asiático, Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico, Comunidade da África Meridional para o Desenvolvimento e, em breve, a Alca. "A América para os americanos", eis em resumo a doutrina Monroe, vigente desde 1823, e a Alca vista pela ótica da Casa Branca.

Prova disso é o artigo publicado na "Folha de S.Paulo" (22/4/01) pelo general Colin Powell, secretário de Estado dos EUA. Entre 729 palavras, o verbo "comprar" não figura nenhuma vez. Mas ele não hesita em afirmar: "Nós poderemos vender mercadorias, tecnologia e serviços americanos sem obstáculos ou restrições dentro de um mercado único de mais de 800 milhões de pessoas, com uma renda total superior a US$ 11 trilhões, abrangendo uma área que vai do Ártico ao cabo Horn". O processo de adestramento ideológico é eficaz. O que se subtende quando se fala em "americanos"? Os do sul ou do centro? Óbvio, os do norte, como se o resto fosse mero apêndice. O que se entende por norte-americano? A pergunta caiu num exame. Muitos candidatos perderam pontos por responder segundo o "Aurélio": "Dos, ou pertencente ou relativo aos Estados Unidos da América. O natural ou habitante desse país". Poucos atinaram que os nascidos no México e no Canadá também o são.

O paradigma estadunidense é-nos imposto, primeiro, pelas figuras de Walt Disney que nos passam, como bem analisou Ariel Dorfman, os estereótipos de uma sociedade desigual e excludente. Os filmes de Hollywood infundem-nos o "american dream", a ponto de renegarmos o mais atávico dos hábitos, o culinário, trocando a variedade de nossos pratos por sanduíches com gosto de isopor. Engordam e dão status. A Alca, nos termos debatidos em Québec (que ninguém sabe se a Casa Branca respeitará, após ter jogado na latrina a Carta de Kyoto), assinala o fim de nossa soberania e autodeterminação. A ianquização da América Latina faz com que Panamá e Equador reneguem suas moedas nacionais em favor do dólar; a Argentina cavalga assustada na dolarização do peso; a Colômbia entrega polícia e Justiça em mãos ianques; poucos reagem ao bloqueio imposto pela Casa Branca a Cuba e ninguém diz da anexação de Porto Rico aos EUA. A elite de nossos países remete seus filhos para as mesmas escolas que formaram economistas na arte de estabilizar moedas sem estabilizar a esfera social; a política econômica de nossos governos é monitorada em Washington pelo FMI e pelo Banco Mundial; os índices da Bolsa de Nova York figuram diariamente no noticiário televisivo, prova de que o nosso parâmetro, eufemisticamente chamado de integração, é o Big Brother.

Por que o Brasil deve participar da Alca? Ela ampliará o nosso comércio exterior, criará novos empregos, atrairá mais investimentos diretos e fará com que os nossos produtos tenham acesso ao robusto mercado dos EUA, dizem os que têm a cabeça "alcalinizada" por Tio Sam. De fato, a Alca pode significar a privatização da soberania nacional. O caso Embraer-carne bovina, com o Canadá, demonstrou como, na prática, a teoria é outra. Canadá e EUA não parecem dispostos a levantar suas barreiras alfandegárias e tarifárias, mexer em sua legislação antidumping e suprimir os subsídios agrícolas e comerciais. Nem perder o controle sobre a Organização Mundial do Comércio. Segundo o Ipea, iniciada a Alca, as exportações brasileiras crescerão 10% ao ano. Seria ótimo se a previsão não fosse de as importações saltarem para 30%. Por enquanto, a Alca é um caso de sedução.

Noiva deslumbrada, a América Latina se entrega ao charme de Tio Sam, disposta a se casar. Esposa submissa, está disposta a fazer concessões, inclusive perder sua autonomia, para salvar a harmonia da união. Porá fim aos impostos destinados à área social, mudará a legislação trabalhista para prejudicar ainda mais a faxineira, deixará que o marido decida onde fazer compras, ainda que o concorrente venda mais barato um produto melhor.

Por que o Brasil não copia dos EUA o que têm de melhor: o senso de soberania e autodeterminação? Talvez a esperança de que as expectativas para 2084 sejam mera ficção resida na China, que sabe defender sua soberania e não tem medo dos falcões do Tio Sam.

Dignidade não tem preço, como demonstrou o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, demitido, por discordar da Alca, do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Ministério das Relações Exteriores. Foi punido por defender o Brasil. Enquanto o ministro Celso Lafer deixa claro que o Itamaraty não admite o pluralismo de opiniões, o barão deve estar com as barbas de molho.

Desde 1995 © www.dhnet.org.br Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: enviardados@gmail.com Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Notícias de Direitos Humanos
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
História dos Direitos Humanos no Brasil - Projeto DHnet
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Memória e a Verdade
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multimídia Memória Histórica Potiguar