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Comunidades Eclesiais de Base
Entrevista com Frei Betto

Fermento de marca boa

Os tempos mudaram, o Brasil e o mundo não são os mesmos. Mas o espírito que animou as CEBs desde as suas origens segue vivo e atuante, propondo coisas novas para a Igreja e a sociedade.

O mineiro Carlos Alberto Libânio Christo, ou Frei Betto, 53 anos, da ordem dos dominicanos, dispensa grandes apresentações. Personagem conhecido, seu nome roda o Brasil e o mundo quando o assunto é Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

Jornalista e líder estudantil, com uma atuação de muitos anos na linha de frente da pastoral libertadora, foi preso pelos militares na época da ditadura. Assim que saiu da prisão, em 1973, ficou fascinado com a atuação das CEBs, segundo ele "um modelo nascido de baixo para cima, de profunda valorização do povo simples como sujeito histórico".

Desde 1974, Frei Betto acompanha as comunidades em nível nacional. Começou em Vitória/ES, onde participou da preparação do primeiro encontro intereclesial, em 1975. "Sou um frade dominicano que não sabe fazer muita coisa, a não ser acompanhar movimentos populares e CEBs", ele diz.

Modéstia à parte, tem 35 livros publicados no Brasil e no exterior, como fruto de mais de três décadas de trabalho popular. O trigésimo quinto, um romance intitulado Entre todos os homens, sobre a vida de Jesus, com cerca de quatrocentas páginas, está para sair do forno. Será lançado pela Editora Ática até dezembro.

O trabalho de pesquisa para a obra o levou à Terra Santa, de onde acabava de retornar ao conceder a entrevista a SEM FRONTEIRAS, sobre as CEBs a caminho do Nono Intereclesial, em São Luís/MA, neste mês de julho.

SF - Como foi que as CEBs começaram?

Frei Betto - Não sei se há uma pesquisa rigorosa sobre o assunto. A idéia que tenho é que elas surgiram no início dos anos 60.

Na época, havia bispos incomodados com a Ação Católica, porque esta era um movimento supradiocesano, com sede no Rio de Janeiro e diretamente ligado à direção da CNBB. Esses bispos resolveram barrar a intromissão da Ação Católica em suas dioceses. Por outro lado, devido à falta de padres no Brasil, a idéia era promover novos tipos de ministérios, onde os leigos pudesssem atuar mais, sobretudo na preparação aos sacramentos.

Criaram então as Comunidades Eclesiais de Base. A iniciativa partiu de dois bispos: Agnello Rossi, em Volta Redonda/RJ, e Eugênio Sales, em Natal/RN. No início, as comunidades constituíam uma extensão do trabalho do vigário. Tinham, portanto, um caráter muito clerical.

E como se deu a mudança?

- Com o golpe militar de 64, as comunidades cresceram. Primeiro, porque a Ação Católica foi reprimida pela ditadura e extinta por parte do episcopado. Segundo, porque muitos setores de esquerda, sem espaço de atuação, acabaram se voltando para essas comunidades. Terceiro, porque a repressão desmontou todas as organizações populares, menos as CEBs. É que na cabeça dos militares, comunidade de base era coisa de oração, não representando portanto nenhuma ameaça.

Dá para resumir esse processo de crescimento?

- Na década de 60, as comunidades viveram a sua fase de gestação, conquistando a simpatia de muitos bispos como novo modelo pastoral. Adotou-se a metodologia do ver, julgar e agir, utilizada antes pela Ação Católica.

Outro aspecto que levou ao seu crescimento foi a nova maneira de ler a bíblia, essa comparação entre fé e vida. E da preocupação com o que significa ser cristão nessa conjuntura, na virada dos anos 60 para os anos 70, as CEBs se tornam embriões dos movimentos populares.

Esse foi um período de muita produtividade, porque acompanhou o processo de migração, a explosão urbana. Fora das CEBs, a Igreja católica não tinha, como continua não tendo, nenhum outro modelo de evangelização que agregue os migrantes em estruturas comunitárias.

A falta de outros instrumentos sociais fez com que muita gente com competência se dedicasse às comunidades, levando para dentro delas o método Paulo Freire e fazendo a ligação com os movimentos populares.

Isso se deu sobretudo nos anos 70. Tanto que é difícil encontrar uma liderança popular de hoje que não tenha passado pelas CEBs: Vicentinho, Luiza Erundina, José Rainha, João Pedro Stédile e outros.

Como se pode explicar o que é uma CEB?

- É um grupo de dez, quinze ou mais pessoas na cidade, ou de trinta até oitenta no campo. Essas pessoas se reúnem periodicamente, com ou sem sacerdote, para refletir, aprofundar e celebrar a sua fé em vista de um engajamento social e político frente aos desafios que a realidade apresenta.

As CEBs não são um movimento da Igreja, como os carismáticos, neocatecumenais, etc. Elas pretendem ser a própria maneira de a Igreja ser no meio popular.

Você falou antes da ligação entre comunidades de base e movimentos populares. Um tema polêmico, não é mesmo?

- Nos anos 70, as comunidades tiveram um papel fundamental como incentivadoras da criação de movimentos populares. O mais expressivo foi o Movimento de Luta contra a Carestia, em São Paulo.

A partir daí, temos as CEBs incentivando os movimentos sindicais. No final dos anos 70 e na década de 80, elas ajudaram na criação do Partido dos Trabalhadores, da Central Única dos Trabalhadores e da Central de Movimentos Populares.

Embora tenham existido dificuldades pontualizadas, as comunidades possuem o grande mérito de nunca terem se confundido com os movimentos que ajudaram a criar. Existe complementaridade, mas também distinção. As tensões que sempre existiram, tanto na linha da absorção quanto na da exclusão, repito, são coisas pontuais, e não gerais.

Mais um tema quente: CEBs e Teologia da Libertação...

- É outro aspecto importante, na medida em que essas comunidades são a matriz da Teologia da Libertação. Essa teologia não nasceu da cabeça dos teólogos Leonardo Boff e Gustavo Gutiérrez, mas da prática de CEBs, no esforço de viverem as suas lutas sociais à luz da fé cristã. Elas favoreceram a criação de uma nova perspectiva teológica para Igreja, de reflexão da fé a partir do lugar do pobre e do oprimido.

Às vezes se ouve falar de crise das comunidades de base. Elas estão definhando?

- Com a reabertura democrática, ocorreu uma grande mudança nesse processo todo, deixando a impressão de que as CEBs tivessem acabado, ou perdido a sua força. Não é verdade.

Durante vinte anos, as comunidades foram a vedete no palco das contestações sociais. Você não tinha a CUT, partidos progressistas, instâncias políticas e sindicais em condições de questionar publicamente a ditadura militar e o sistema capitalista. Você tinha as CEBs.

Com o fim da ditadura, o quadro mudou. O palco das contestações sociais ganhou mais atores, o que é muito saudável. Efetivamente, as CEBs passaram a ter um papel menos evidente. Mas isso não quer dizer que tenham desaparecido.

Mas, no nível interno da Igreja, parece não existir tanta animação como antigamente...

- É verdade que as comunidades de base sofreram um forte refluxo na década de 90, devido à política do Vaticano de valorizar movimentos espiritualistas e solapar os movimentos com dimensão social e política.

Isso provocou um refluxo. Mas repito: as comunidades têm hoje menos visibilidade social e política e também menos apoio dos bispos. Mas continuam o seu trabalho. O tempo das CEBs não passou, porque é o tempo do futuro. Fora delas, não vejo outro modelo pastoral diante dessa pluralidade de Igrejas neopentecostais e dos desafios da globalização.

Que tipo de Igreja essas comunidades propõem?

- Elas são muito influenciadas pela teologia do Concílio Vaticano II. Querem uma Igreja democrática, que viva na linha da comunhão e não da hierarquia, da imposição. Querem uma Igreja na linha da partilha dos bens, tolerante, ecumênica. As CEBs realmente estruturam um novo perfil de Igreja que, a meu ver, é o único que temos para enfrentar o fenômeno das Igrejas neopentecostais.

Em que sentido?

- O grande fator de avanço da Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, é que ela faz um trabalho personalizado, valorizando ao mesmo tempo os ministérios de pessoas simples do povo. Isso acontece na Igreja católica apenas nas CEBs. Mas de maneira limitada, porque formalmente esses leigos estão impedidos de ter acesso à ordenação sacerdotal, sobretudo no caso das mulheres.

Então, você tem um leigo que atua nas CEBs há vinte anos ou mais e que nunca vai chegar a ser sacerdote, ao passo que com uns dez, doze meses de pertença à Igreja Universal, um lavrador ou desempregado pode chegar a ser pastor. Isso facilita a multiplicação da proposta eclesial.

Como as CEBs se inserem no contexto das paróquias tradicionais?

- A relação com as paróquias sempre foi difícil. Às vezes, a paróquia quer absorvê-las ou marginalizá-las. É um aprendizado contínuo esse, de o vigário entender a índole das CEBs e de estas manterem uma comunhão profunda com a paróquia, sem perder a sua identidade.

Há uma tendência, por parte de bispos e vigários, no sentido de reduzir as CEBs a um movimento paroquial. As comunidades de base têm resistido até agora a essa tentativa.

Porque, se isso acontecesse, elas se transformariam em simples grupos da paróquia, perdendo todo esse movimento, essa mística nacional e internacional que faz com que elas consigam quebrar os dualismos tradicionais dentro da Igreja, como a separação entre fé e política, entre povo e hirarquia, etc.

A paroquialização das comunidades, inclusive, traria conseqüências também para o movimento social. Viria refrear essa irradiação que elas possuem como alavanca do movimento social.

Quais as diferenças mais marcantes entre o tempo das origens das CEBs e o momento atual?

- A miséria, o desemprego e a violência aumentaram. Em termos de qualidade de vida, as classes populares vivem hoje pior que nos tempos da ditadura.

Além disso, outrora as CEBs eram a menina dos olhos da CNBB, e o próprio papa chegou a valorizá-las. Hoje não se tem mais essa simpatia de antes, o que pode ser até positivo para um amadurecimento das comunidades.

Um terceiro fator é que há novos temas para as CEBs hoje. Não é só fortalecer os movimentos populares, sindicais e políticos. É preciso tratar melhor a questão do negro, do índio, da mulher. São desafios que estão se apresentando.

Como a questão da massa, tema do Nono Intereclesial...

- Certo. É por isso que nesse encontro do Maranhão se vai discutir o trabalho de massa. As CEBs ainda trazem uma índole própria da época da ditadura - trabalhar com pequenos grupos -, sem conseguir uma irradiação massiva. Elas caminham bem num trabalho de pequenos grupos, mas não tão bem num passo de gigantes, como requer um trabalho de massas. E hoje a realidade exige um trabalho nesse sentido.

É preciso que as CEBs consigam resgatar as expressões da religiosidade popular, como procissões, romarias, vias-sacras... Mas é preciso também que elas consigam lidar com a mídia - os meios de comunicação -, tanto a mídia constituída quanto aquela ainda a ser criada pelas próprias comunidades. Isso não está sendo bem trabalhado. É por isso que o tema está na pauta do encontro de São Luís.

Uma experiência muito positiva no resgate das formas tradicionais de religiosidade vem sendo o Grito dos Excluídos, no dia 7 de setembro, em Aparecida do Norte. A cada ano tem mais gente, inclusive com maior repercussão na grande mídia. É curioso que, no ano passado, a mídia tenha coberto muito mais o Grito dos Excluídos que os desfiles militares do 7 de Setembro.

Se você tivesse que dar alguma dica para as CEBs, ou para os bispos, o que diria?

- Os bispos têm que pensar numa Igreja voltada para o Brasil, incorporando os valores que eles pregam: a opção pelos pobres, a inculturação, a libertação, a superação da crise da modernidade.

Para as CEBs, eu diria que elas têm que voltar a ativar os seus mecanismos de auto-formação, de aprofundamento bíblico, litúrgico e espiritual e, ao mesmo tempo, a sua consciência política.

É preciso encontrar o equilíbrio entre as três pontas do triângulo: a formação bíblica e pastoral, a formação política e a formação mística. Se conseguirmos isso, vamos ter uma Igreja que nasce dos pobres pelo Espírito de Deus, extremamente expressiva e preparando um modelo de Igreja para o Brasil em vista do terceiro milênio.

 

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