A
Futura Constituição de Angola.
Dalmo
Dallari**
Recebi, por
gentileza o documento intitulado " Princípios
Fundamentais a ter em Conta na Elaboração da futura
Constituição de Angola ", que examinei
atentamente, tendo em vista as perspectivas do moderno
Estado Democrático de Direito e os idéias de liberdade,
paz e justiça social que animam o prezado amigo e seus
companheiros Estudantes Angolanos de São Paulo.
Considero
muito bom o conjunto de princípios constantes daquele
documento. Cada um dos princípios ali enumerados está
explicitado com clareza e objetividade e, no seu conjunto,
esses princípios podem, efetivamente, assegurar a existência
de uma sociedade democrática e justa, que tenha primado a
dignidade da pessoa humana, sem privilégios e discriminações.
Para isso é necessário eficácia jurídica, valendo como
preceitos éticos e jurídicos.
O único
ponto sobre o qual acho oportuno fazer algumas considerações
mais precisas é o 7º. Principio, que preconiza a
consagração de um sistema de Governo Semi-Presidencial.
Em minha opinião o Parlamentarismo e o Presidencialismo,
ditos " clássicos " e geralmente apontados como
as opções de nossa época, são sistemas históricos,
que sofreram muitas e importantes transformações em sua
aplicação e que já não servem como padrões para a
reorganização do governo. Na realidade de hoje é
indispensável que cada povo componha seu sistema de
Governo considerando suas próprias necessidades e
peculiaridades.
Quanto à
designação " Sistema Semi-Presidencial ",
lembro que ela foi dada por Maurice Duverger ao atual
Sistema de Governo da França, pelo fato de que associa
elementos do parlamentarismo e do presidencialismo, sem
poder enquadrar-se com precisão em qualquer deles.
Considero muito positiva a experiência francesa, que já
tem inspirado outras formas novas de governo, mas
considero indispensável que, ao ser elaborada a Constituição,
sejam tomadas em conta as características do povo, para
que não se tenha um sistema bom em teoria, formalmente
bem equilibrado, mas sem eficiência ou fragilidade que
possam conduzir, ao desgoverno ou, em sentido oposto, ao
excesso de governo. Parece-me fundamental evitar a
superconcentração do poder, como também a excessiva
diluição, pois ambos podem encorajar o abandono dos
princípios emanados.
Em Conclusão,
parece-me boa a referência ao Sistema Semi-Presidencial,
mas como ainda não existe um padrão bem definido desse
Sistema fica aberta a possibilidade de inovações e de
criatividade, em função de cada realidade social e política.
Isso é bom mais exige atenção e prudência, para que o
resultado seja positivo. É indispensável que ambos, o
Chefe do Estado e o do Governo sejam escolhidos
democraticamente e que o Parlamento exerça o efetivo
controle de ambos. O Chefe do Governo deve ter independência
para agir no âmbito de suas competências, sendo responsável
perante o Parlamento mas sem estar tutelado por este, como
também não convém que fique subordinado ao Chefe do
Estado, mas deve harmonizar-se com ele.
São essas
as observações que tenho a fazer neste momento. Fico-lhe
muito grato por me Ter dado a oportunidade de conhecer
aqueles princípios e agradecerei toda notícia que me for
transmitida sobre o encaminhamento da redefinição
constitucional de Angola. Alem do interesse que decorre de
meus sentimentos de fraternidade em relação ao povo
angolano, interessam-me também, dos pontos de vista teórico
e prático, todos os esforços visando a definição de
mecanismos capazes de contribuir para a construção de
uma paz duradoura.
Fazendo
votos pela paz, felicidade e prosperidade do caro amigo,
de seus companheiros e de todo o povo de Angola,
externo-lhe meus comprimentos mais cordiais e a certeza de
minha fraterna amizade.
**Dalmo de Abreu Dallari -
Especial para Muangolê Notícias
Professor Titular da Faculdade de Direito da USP e
Vice-Presidente da Comissão Internacional de Juristas.
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