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Médicos e Tortura

Cecília Coimbra *

Os regimes de força se mantiveram em muitos momentos da História — e alguns continuam em funcionamento, torturando, extorquindo e ameaçando — graças a uma bem-azeitada máquina repressiva, que tem se organizado desde as sórdidas salas de tortura e as fétidas celas, passando pelas assépticas análises de informações e chegando às frias salas de necropsia dos institutos médicos legais, e quando se conhece a produção e funcionamento dessas engrenagens percebe-se a importância de cada elo que a compõe e possibilita a sua manutenção e fortalecimento. No Brasil, durante o período militar muitos elos fizeram a máquina repressiva funcionar contra a oposição ao regime: havia desde os que prendiam, torturavam, analisavam, acompanhavam, até os que tentavam dar foros de legalidade a essas atrocidades. Absurdamente muitos dos que ‘acompanhavam’ as torturas e as ‘legalizavam’ eram profissionais que deveriam preservar a vida, médicos que colocavam o seu respaldo teórico/técnico a serviço do terror e da morte e com os seus laudos confirmavam e tornavam legais as versões oficiais da ditadura: os seus opositores haviam morrido em tiroteio, por atropelamento ou por suicídio. Assim, as mentiras encobriam e/ou negavam as torturas praticadas, produziam outra História, assassinavam pela segunda vez esses militantes.

Mas embora o Brasil, nesse passado recente, tenha exportado o terror e a morte para as demais ditaduras latino-americanas, através das técnicas de tortura, dos torturadores e da figura do desaparecido político, hoje ele consegue, mesmo que timidamente, mostrar outra face — face que aponta para a justiça, para a vida, para a luta contra a impunidade. Desde 1998 o Grupo Tortura Nunca Mais – RJ tem conseguido produzir um pouco de justiça num país tão necessitado dela: naquele ano tiveram início os julgamentos de médicos envolvidos direta e indiretamente com torturas a presos políticos, durante os anos 60 e 70. Já em 1990 a entidade, após longas pesquisas, solicitava aos Conselhos Regionais de Medicina do Rio de Janeiro e São Paulo que se investigasse 110 médicos legistas e outros médicos acusados de assessorar os torturadores, e nos dois Conselhos foram abertas sindicâncias que depois se tornaram processos ético-profissionais. O Grupo já havia participado ativamente, através de depoimentos e envio de testemunhas, de dois processos abertos pelo próprio Conselho do Rio contra o candidato à psicanalista Amílcar Lobo e o hoje general-de-brigada Ricardo Agnese Fayad, que deram respaldo técnico às torturas contra presos políticos num dos mais terríveis centros de repressão à época: o DOI-CODI – RJ. Eles, que deveriam ser profissionais da vida, ‘atendiam’ aos prisioneiros antes, durante e depois das sessões de tortura: antes, executando um ‘trabalho’ de modo a torná-las mais eficazes; durante, avaliando a resistência dos prisioneiros para saber o quanto agüentariam; depois, ‘acompanhando’ os farrapos humanos em que o terror os convertia, para que, se necessário, voltassem a ser torturados. Lobo teve o registro médico cassado em 1988 e Fayad, em 1994 — por ironia, no ano em que o então presidente Itamar Franco o alçava à categoria de general-de-brigada do Exército brasileiro.
No Rio, já foram julgados e cassados três médicos: dois legistas e José Lino Coutinho França Neto, que fazia nos anos 60 e 70, num quartel na Ilha das Flores, o mesmo ‘trabalho’ de Lobo e Fayad; em 15 de setembro último a cassação do dr. Coutinho foi referendada pelo Conselho Federal de Medicina. Em São Paulo quatro legistas tiveram os registros cassados e quatro foram culpados sem que se chegasse à cassação.

Esses julgamentos e os seus resultados abrem nos Conselhos de Medicina precedentes jurídicos inéditos: uma vez que em nenhum outro país recentemente sujeito a regime de força se conseguiu punir médicos envolvidos com crimes de lesa-humanidade, o Brasil se torna pioneiro e dá ao mundo um importante exemplo: em alguns casos é possível fazer justiça, é possível escrever outra História; não a História oficial, sob a ótica dos dominantes, mas outra sempre esquecida, sempre negada.

Essa História vem sendo escrita no cotidiano de muitos grupos de direitos humanos, que resgatam uma certa memória, produzem justiça e lutam contra a impunidade, e por isso muitos militantes freqüentemente sofrem ameaças. Sabemos que alguns dos que participaram e/ou participam das engrenagens repressivas só conhecem a violência e a intimidação, mas, apesar da força que tiveram um dia, eles hoje recebem indignadas reações de repúdio, ao mesmo tempo em que se dedica solidariedade aos que teimosamente tentam fazer do nosso país uma democracia.

* Psicóloga e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais – RJ
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