SITUAÇÃO DOS DIREITOS
              HUMANOS NO BRASIL
          MOVIMENTO NACIONAL DOS
              DIREITOS HUMANOS – MNDH
  Paulo César Carbonari
  Coordenador Nacional de Formação do MNDH
           
          1 – ALGUNS ELEMENTOS DA LUTA HISTÓRICA
              PELOS DIREITOS HUMANOS 
          Todos sabem que a garantia
              da dignidade da pessoa humana e seu reconhecimento como sujeito
              de direitos, como cidadão, não se fazem
            só com belas palavras. Aliás, os vemos do poeta João
            Cabral de Meio Neto, em “Morte e Vida Severina”, confirmam: “Não
            se defende só com palavras a vida, e sim com ações”.
          Se o poeta tem razão – e a tem –, a garantia
            dos direitos humanos é feita concretamente, por meio de instrumentos
            e mecanismos históricos que possibilitam arranjos públicos
            capazes de se traduzir em condições para desenvolver
            ações efetivas. As lutadoras e lutadores de direitos
            humanos sabem quão é difícil a luta para construir
            esses arranjos. A desigualdade, a exploração, os sucessivos ‘ajustes
            estruturais’ que priorizam dívidas em detrimento de
            vidas insistem em forçar a sociedade a ter que escolher e
            até a abdicar de garantias fundamentais. Lutar pelos direitos
            humanos significa não arredar pé. E insistir em que
            a vida humana, a dignidade humana, traduzida em condições
            históricas, é patamar intransponível e base
            de construção do edifício social, político,
            econômico e cultural.
          A luta pelos direitos
              humanos no Brasil tem acompanhado o longo, difícil e, ao mesmo tempo, gratificante processo de aprendizagem
            popular de luta pela anistia; pelas diretas-já; pelo impeachment;
            pelo fim da corrupção; pela reforma agrária
            e urbana; pela garantia dos direitos sociais, econômicos e
            culturais; para que o direito de ir e vir não acabe nos primeiros
            dias do mês, já que não há nem sequer
            como ir ou vir por não haver um salário decente; pelo
            fim da discriminação de todo tipo; pela erradicação
            da tortura e de todo tipo de tratamento cruel, desumano e degradante;
            pelo fim da impunidade; para que a vida esteja acima da dívida;
            pela garantia de legislações que respeitem os interesses
            populares no processo constituinte e no processo legislativo ordinário;
            para que o Judiciário não confunda imparcialidade com
            neutralidade; pela efetivação de instrumentos de participação
            popular, na definição de políticas públicas
            e no controle orçamentário; para que o País
            cumpra seus compromissos internacionais. Para isso, militantes, entidades
            da sociedade civil e movimentos sociais recorrem ao sistema regional
            e global de Direitos Humanos, na luta para que a cidadania encontre
            lugar e tempo no Brasil e no mundo. Isto só vem se sustentando
            porque é certo que “um outro mundo é possível” – como
            afirma o Fórum Social Mundial – e já está sendo
            construído.
          Da mesma forma, os esforços para promover os direitos humanos
            têm acompanhado a construção e a implementação
            de políticas públicas centradas na garantia dos direitos.
            Assim tem sido na luta pelo Sistema Único de Saúde,
            pela implementação do Estatuto da Criança e
            do Adolescente e pela efetivação da Lei Orgânica
            da Assistência Social, entre muitas outras. Nestes aspectos,
            particularmente, os militantes e suas entidades têm-se habilitado
            e efetivamente participado dos espaços de controle social,
            das conferências e dos conselhos em todos os níveis;
            têm feito propostas para as políticas públicas,
            na definição dos planos e dos orçamentos, além
            de monitorar e avaliar as ações dos gestores públicos.
            Enfim, vêm construindo instrumentos e mecanismos concretos
            que reforçam a idéia de que o Estado deve ser colocado,
            sob o controle da cidadania, a serviço do interesse público.
          2 – QUADRO DOS INSTRUMENTOS DISPONÍVEIS PARA A PROTEÇÃO
            DOS DIREITOS HUMANOS
          O Brasil ratificou a maioria
              dos principais instrumentos globais e regionais de proteção dos direitos humanos. Após
            a adoção e a proclamação, pela Assembléia
            Geral das Nações Unidas, da Declaração
            Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, foram
            ratificados pelo Estado brasileiro: o Pacto Internacional de Direitos
            Civis e Políticos; o Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
            Sociais e Culturais; a Convenção de Prevenção
            e Repressão do Crime de Genocídio; a Convenção
            Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas
            de Discriminação Racial; a Convenção
            sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
            contra a Mulher; a Convenção Interamericana para Prevenir,
            Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; a Convenção
            das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos
            ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; a Convenção
            sobre os Direitos da Criança; os Protocolos Adicionais à Convenção
            Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura; a Convenção
            Americana sobre Direitos Humanos; o Protocolo Adicional à Convenção
            Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos,
            Sociais e Culturais; e a abolição da Pena de Morte;
            entre outros. Ainda não ratificou a Convenção
            Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas.
          A Constituição Brasileira reconhece integralmente
            a vigência dos direitos humanos. Apesar das diferenças
            de doutrina e jurisprudência, uma interpretação
            sistemática e teleológica dos principais pontos da
            Constituição Federal que tratam do assunto, qual as
            entidades e os militantes são partidários, indica a
            que os instrumentos internacionais cie proteção dos
            direitos humanos tem uma posição hierárquica
            constitucional. Além disso, vários dos direitos fundamentais
            (tanto civis e políticos quanto econômicos, sociais
            e culturais) são explicitamente garantidos pela Constituição
            Federal e, muitos deles, também por meio de legislações
            específicas. Exemplos disso são a garantia do direito à saúde’ e
            o direito à moradia.
          Apesar de, em alguns casos
              específicos, haver necessidade
            de aprimoramento dos instrumentos legais disponíveis, especialmente
            no sentido da complementação com normalizações
            operacionais, na imensa maioria das áreas o Brasil reconhece,
            em termos de marco legal, os direitos humanos e está, portanto,
            dotado de recursos fundamentais para a sua promoção
            e proteção. O Brasil também conta com diversas
            instâncias de proteção e controle social de direitos
            específicos, os conselhos e comitês, compostos por representantes
            dos órgãos públicos e da sociedade civil organizada,
            tanto em nível federal quanto nos estados e nos municípios. É o
            caso do Comitê Nacional para os Refugiados e dos Conselhos
            de Saúde, de Criança e Adolescente, de Assistência
            Social, para citar alguns.
          O Conselho de Defesa dos
              Direitos da Pessoa Humana – em funcionamento
            há quase vinte anos – é a instância especifica
            de proteção aos direitos humanos. Com capacidade de
            atuação restrita, tem pouca autonomia em relação
            ao Poder Executivo. Depois de recente episódio no qual o Conselho
            aprovou a intervenção federal no estado do Espírito
            Santo e sua decisão foi arquivada, ele ficou desarticulado,
            vários de seus integrantes pediram afastamento e até o
            momento não houve qualquer reestruturação de
            tão importante órgão.
          O Pais também conta, desde 1996, com o Programa Nacional
            de Direitos Humanos (PNDH), um instrumento que tem cumprido a função
            de direcionar a intencionalidade do Poder Público em matéria
            de Direitos Humanos. Mesmo assim, ele tem pouca força para
            fomentar ações articuladas e coordenadas em sentido
            amplo. Além disso, com uma baixa dotação orçamentária
            (normalmente vitima de cortes em razão do superávit
            primário), praticamente não dispõe de mecanismos
            e instrumentos de monitoramento das ações nele previstas
            e acaba, em grande medida, por constituir-se numa cana de intenções.
            Considerando que se constitui no principal instrumento de ação
            governamental neste campo, convém fazer dele uma análise
            mais detalhada.
          Na II Conferência Nacional de Direitos Humanos, em 1997 – portanto
            um ano após a divulgação do Programa Nacional
            de Direitos Humanos –, o MNDH denunciou sua parcialidade, por
            entender que contemplava apenas os direitos civis e políticos,
            ferindo a idéia da indivisibilidade e universalidade dos direitos
            humanos. Isso levou à proposição de uma série
            de medidas para seu aprimoramento e também para a criação
            de um instrumento de monitoramento permanente de sua implementação.
            O governo Fernando Henrique Cardoso acolheu a proposta e criou uma
            Comissão de Monitoramento e encaminhou a reformulação
            do Programa; no entanto, tal comissão só realizou em
            todo o período, uma única reunião e a reformulação
            só foi efetivada cinco anos depois (em maio de 2002, foi lançado
            o PNDH II).
          No processo de reformulação, o governo promoveu uma
            ampla consulta à sociedade civil. No entanto, mesmo que o
            Programa divulgado por Fernando Henrique Cardoso contemple a grande
            maioria das propostas apresentadas pela sociedade civil, questões
            estruturais como as que se referem ao fim rios cortes na área
            social, entre outras, não foram contempladas. A sociedade
            foi consultada, mas não teve participação efetiva
            em todo o processo de sistematização. O documento final,
            mesmo com sugestões da sociedade civil, representa a proposta
            governamental e é, portanto, um programa mais de governo do
            que de Estado. Na sua reedição, o PNDH foi divulgado
            com um Plano de Ação para o ano de 2002. Na ocasião
            do seu lançamento, durante a VII Conferência Nacional
            de Direitos Humanos (realizada em final de maio de 2002), várias
            organizações da sociedade civil saudaram a divulgação
            de um Plano de Ação, mas manifestaram profunda preocupação
            com as previsões nele contidas, consideradas insuficientes.
            Reconhecem o avanço na perspectiva da indivisibilidade dos
            direitos, no entanto entendem que ainda está aquém
            de dar um tratamento integral na perspectiva da promoção
            dos direitos humanos.
          Segundo análise elaborada por entidade da sociedade civil,
            das 518 ações do Plano (PNDH II), 93 referem-se à garantia
            de direitos entre os setores sociais excluídos (18% do total).
            Os recursos destinados ao cumprimento destas ações
            alcançam o valor de R$ 4,4 milhões do já previsto
            no orçamento federal para 2002.
          O mais grave é que o PNDH continua sem mecanismos e instrumentos
            concretos de monitoramento. Além disso, é coordenado
            por um órgão de governo, a Secretaria de Estado dos
            Direitos Humanos, que tem pouca força política entre
            os principais órgãos responsáveis pela implementação
            das ações previstas nele.
          Um dos primeiros atos
              do presidente da República, Luiz Inácio
            Lula da Silva, foi o de transformar esse órgão em Secretaria
            Especial de Direitos Humanos, vinculada diretamente ao seu gabinete.
            Atendeu, assim, a uma antiga reivindicação das entidades
            de direitos humanos.
          3 – TRAÇOS DA SITUAÇÃO;
              O BRASIL TEM DIFICULDADE PARA EFETIVAR A GARANTIA DOS DIREITOS
          PROGRAMAS DE AJUSTE ESTRUTURAL
              PÕEM EM RISCO OS DIREITOS
            HUMANOS
          Nos últimos anos, a aplicação permanente da
            política ditada pelo Consenso de Washington obrigou o Brasil
            a implementar um conjunto de ajustes de política econômica
            que tem levado o País ao aumento do endividamento interno
            e externo e à redução gradativa dos gastos em
            investimentos sociais. Essas situações, em consequência,
            põem em risco a garantia de autodeterminação,
            em relação ao modelo de desenvolvimento e à garantia
            de avanços na efetivação dos direitos humanos.
          Exemplo disso são os dados referentes às dividas externa
            e interna brasileira: o total da dívida externa saltou de
            U$ 148,29 bilhões, em 1994, para U$ 236,16 bilhões,
            em 2000. No mesmo período, o País pagou o montante
            de U$ 75,89 bilhões em juros e U$ 218,80 bilhões em
            amortizações, o que perfaz um total de U$ 294,69 bilhões.
            Um exercício matemático elementar mostra que, no período,
            o Brasil praticamente pagou, em juros e amortizações,
            quase o equivalente ao que continuava a dever em 2000. No mesmo período,
            a dívida cresceu U$ 87,87 bilhões, em contraste com
            um pagamento que é mais do que três vezes esse valor.
            A dívida interna passou de R$ 59,4 bilhões, em 1994,
            para R$ 555,90 bilhões, em 2000, um crescimento acumulado
            no período equivalente a 836%. O saldo da balança de
            pagamentos saltou, na última década, de U$14,7 bilhões
            para U$ 30,7 bilhões e o déficit de contas de transações
            correntes passou de U$1,7 bilhão para U$ 35,2 bilhões – nada
            menos do que 24 vezes mais.
          O último acordo com o FMI (em agosto de 2002), feito com
            a finalidade de enfrentar o fluxo de capitais e a escalada da dívida
            pública, resultou na disponibilização de U$
            30 bilhões. Em contrapartida, o País precisava, já em
            2002, garantir um superávit primário (economia nos
            gastos públicos) de 3,88% do PIB e, nos próximos anos,
            de pelo menos 3,75% do PIB. Exige “reformas estruturais” consideradas
            necessárias ao Brasil, entre as quais está “o
            avanço no processo de alienação dos bancos estaduais
            federalizados” Trata-se de uma nova linguagem para falar da
            privatização que, desde 1998, já levou à venda
            o setor de telecomunicações, parte do setor de energia
            e do setor de siderurgia, entre outros, em consequência do
            acordo realizado naquele ano e que resultou em doze Emendas Constitucionais,
            aprovadas, de li para cá, com o intuito de reduzir a importância
            econômica do Estado, acelerando a privatização.
            Além disso, o acordo tem Lima inovação importante:
            introduz uma cláusula que autoriza o FMI a interferir trimestralmente
            o pode até sugerir a modificação da meta de
            superávit primário previsto.
          Ora, o que prevê este assunto é a Lei de Diretrizes
            Orçamentárias e a Lei Orçamentária, aprovadas
            anualmente pelo Congresso Nacional. Com isso, efetivamente o FMI
            poderá, se achar necessário, condicionar a aprovação
            da liberação de novos recursos já acordados
            ao cumprimento do que entende ser meta necessária num ou noutro
            trimestre do ano, introduzindo, possivelmente, novas exigências
            de restrição na execução orçamentária
            que, habitualmente, resultam na redução dos gastos
            em programas sociais e de investimento.
          O acordo põe em risco a autonomia do País, tanto em
            seu processo de aprovação quanto ao introduzir mecanismos
            de incidência direta do FMI na política nacional. No
            primeiro caso, o acordo foi feito e aprovado sem passar pelo Poder
            Legislativo, o que fere frontalmente a Constituição
            Federal, que determina que qualquer financiamento externo deve ser
            analisado e autorizado pelo Senado Federal. Essa situação
            motivou a apresentação de uma representação,
            assinada por várias organizações da sociedade
            civil organizada, pedindo que a Procuradoria Geral da República
            intervenha, agindo junto à Justiça para que os preceitos
            constitucionais sejam garantidos.
          Outras questões que vêm preocupando os brasileiros
            são o processo de implementação da Área
            de Livre Comércio das Américas (ALCA) e a proposta
            de transferência de controle da Base de Alcântara ao
            governo americano. Em plebiscito popular nacional realizado na primeira
            semana de setembro de 2002, mais de dez milhões de brasileiros
            (cerca de 10% do eleitorado) compareceram espontaneamente para votar
            e disseram não à ALCA e não à transferência
            do controle da Base de Alcântara. Da parte das organizações
            da sociedade civil, há um posicionamento claro e quase unânime
            sobre a repercussão negativa dessas medidas, especialmente
            no tocante à capacidade de autodeterminação
            do Pais. No campo específico da garantia dos direitos humanos,
            a avaliação também vem sendo a mesma.
          O que também preocupa gravemente a sociedade civil brasileira é a
            nova Doutrina Bush, enviada em setembro ao congresso americano, na
            qual fica explícita a posição belicista, de
            ameaça preventiva (para a sociedade civil, já que,
            para o governo Bush, trata-se de segurança preventiva) e de
            exigência de alinhamento como condição à ajuda
            americana. Essa disposição expressa claramente a intenção
            de o governo americano restringir financiamentos e ajudas a instituições
            e países que não se posicionarem a favor da sua proposta.
            Ademais, não é possível compartilhar a perspectiva
            de impunidade aos nacionais estadunidenses que possam cometer genocídios,
            crimes contra a humanidade ou crimes de guerra, a ser viabilizada
            por resoluções do Conselho de Segurança das
            Nações Unidas ou mediante acordos bilaterais entre
            os Estados Unidos e outros países no sentido de evitar a entrega
            dessas pessoas ao Tribunal Penal Internacional e o exercício
            da jurisdição universal ou interna. Nada justifica
            essa perspectiva de tutela a criminosos internacionais, contrária
            ao sistema interamericano de direitos humanos e ao ordenamento jurídico
            brasileiro, ambos a recomendar a igualdade perante a lei e a responsabilidade
            penal individual daqueles que atentem contra a consciência
            da humanidade.
          Este conjunto de aspectos,
              somado à crescente dificuldade
            dos organismos internacionais de resolução multilateral
            de conflitos, especialmente da ONU (Organização das
            Nações Unidas), vem indicando o avanço do unilateralismo
            e a maior dificuldade, portanto, de cada pais implementar, por seus
            próprios meios democráticos, o modelo de desenvolvimento
            e os instrumentos concretos para realizá-lo.
          O contexto de globalização exige novos posicionamentos
            e haveria de ensejar o aprimoramento das relações multilaterais
            e democráticas também em nível internacional
            e, em consequência, o fortalecimento dos organismos mundiais
            e regionais de garantia de solução pacifica de conflitos
            e de proteção dos direitos fundamentais.
          Deste quadro, ao menos
              resulta evidente o risco que países
            como o Brasil correm de terem condições de assegurar
            sua autodeterminação e, também, a efetiva execução
            de políticas que possam primar pela garantia dos direitos
            humanos fundamentais.
          APLICAÇÃO DE RECURSOS NA GARANTIA DOS DIREITOS ESTÁ AQUÉM
            DO MÁXIMO
          É justo reconhecer e entender os grandes esforços
            que o governo brasileiro tem feito para ampliar as garantias efetivas
            dos direitos fundamentais, tanto os civis e políticos quanto
            os econômicos, sociais e culturais. No entanto, o uso dos recursos
            ainda está aquém do necessário.
          No campo dos direitos
              civis e políticos, a efetivação
            de mecanismos de acesso à garantia dos direitos fundamentais
            estabelecidos constitucionalmente tem dado passos significativos.
            O Pais vive a afirmação do processo democrático
            e de fortalecimento institucional. Viveu em 2002 a maior eleição
            direta de sua história, escolhendo o presidente da República,
            governadores de estados e do Distrito Federal, deputados federais
            e estaduais e senadores. No entanto, ainda subsistem a corrupção
            e o clientelismo como instrumentos de ação do poder
            público, que efetivamente enfraquecem as instituições.
            Os pobres, em geral, têm dificuldades de ter garantido o básico
            dos direitos à documentação, por exemplo. O
            acesso à Justiça, sobretudo para as populações
            mais pobres, ainda é precário.
          No campo da garantia dos
              direitos econômicos, sociais e culturais,
            a análise do investimento público em programas sociais
            indica um crescimento. Segundo o próprio governo, os gastos
            sociais, que eram de 13% do PIB em 1995, passaram a 14% em 1998 e
            1999. Contrastando, porém, o impacto dos gastos com juros
            e encargos da divida interna e externa aos gastos sociais, fica claro
            o potencial que vem sendo simplesmente escoado para tal fim em detrimento
            da aplicação na garantia dos direitos sociais e de
            investimentos para sua garantia. Em 2002, até 26 de julho,
            em razão da exigência de superávit primário,
            os gastos públicos sociais haviam sido reduzidos. Segundo
            o Instituto de Estudos Sócio-Econômicos: “Analisando
            os 357 programas que compõem o orçamento da União
            e o Plano Plurianual, que contam com previsão de recursos
            para o ano de 2002, observamos o seguinte: 1) programas estão
            com a execução a 0%; 2) 92, com menos de 5%; 3) 118,
            abaixo de 10%; e 4) mais da metade (185 programas) com menos 20%.
            Dessa forma, fica muito difícil acreditar que o governo esta
            utilizando o orçamento como um instrumento de planejamento
            e de execução das políticas públicas
            por ele definidas. De outro lado, observando-se o mesmo período,
            pode-se perceber claramente os compromissos com pagamentos de juros,
            encargos e amortizações das dívidas públicas
            interna e externa, conforme acordado com o Fundo Monetário
            Internacional desde 1998. De janeiros a 26 de julho de 2002, o governo
            federal gastou, com este item do orçamento, R$ 57,46 bilhões
            (ou 35,45% da disponibilidade líquida do Poder Executivo).
            Foram pagos R$ 47,70 bilhões para a dívida interna
            e R$ 9,76 para a externa. Para ter-se um comparativo, em 1995, os
            pagamentos com os serviços das dívidas externa e interna
            representavam 17,15% da disponibilidade líquida do Poder Executivo.
          Estes dados mostram claramente
              o sentido das prioridades. Pode-se afirmar com certeza: não está nesta lista a promoção
            ao máximo dos direitos.
          POBREZA E DESIGUALDADE EXCLUEM AMPLOS CONTINGENTES DO ACESSO AOS
            DIREITOS
          O Brasil é um dos países com maior índice de
            desigualdade do mundo e com um grande contingente de pobreza e miséria,
            o que gera um enorme número de brasileiros excluídos
            do acesso aos direitos fundamentais. Os últimos dados sobre
            a situação no Brasil indicam que o governo brasileiro
            conseguiu melhorar alguns índices, mas não o suficiente
            para avançar na distribuição de renda. A renda
            média do brasileiro caiu 10,3% nos últimos cinco anos;
            no caso dos mais pobres, a queda foi ainda maior, de 11,6%, e dos
            mais ricos a perda foi menor, de 9,1% (os 10% mais ricos controlam
            10% da renda); o índice de Gini permanece estável na
            faixa de 0,575; o desemprego aumentou de 7% em 1996, para 9,4% da
            População Economicamente Ativa em 2001; a distribuição
            dos rendimentos indica que os 10% da população que
            ganham menos recebia, em 2001, um salário aquivalente a R$
            61,00 e controla menos de 1% dos rendimentos, enquanto os 10% que
            ganham mais passaram de uma renda de R$ 7,53 mil para R$ 7,92 mil;
            dos trabalhadores empregados, 63% ganham até três salários
            mínimos; o Índice de Desenvolvimento Humano passou
            de 0,753, em 1999, para 0,757, em 2000.
          O número dos brasileiros que vivem na indigência e
            na pobreza, segundo dados do governo, apesar de uma leve diminuição,
            ainda é alto: em 1998, 21,4 milhões eram considerados
            indigentes (13,9% da população) e 50,1 milhões
            estavam na pobreza (32,7% da população). Segundo um
            organismo do próprio governo, considerando o nível
            de renda per capita que o País atingiu a partir dos anos 70,
            poder-se-ia ter hoje uma incidência da pobreza em torno de
            10% (mais de um terço a menos do que a registrada), levando
            em conta a média mundial de concentração de
            renda. Deste modo, o Brasil é recordista mundial em concentração
            de renda; 15,8% da população não têm acesso às
            condições mínimas de higiene, educação
            e saúde; 11,4% morrem antes de completar 40 anos; 16% são
            analfabetos.
          Se a questão for vista pelo viés étnico, por
            exemplo, tem-se uma mostra clara da desigualdade. Um estudo feito
            com base no Índice de Desenvolvimento Humano de 1999 indica
            claramente que, à época, o Brasil ocupava a 79.ª posição
            no ranking dos países. Porém, se incluída a
            população negra, o Brasil ocuparia a 108.ª posição,
            enquanto, com base na população branca, ocuparia o
            49.º lugar. Um levantamento sobre a pobreza indica que a população
            negra no Brasil representa 45,3% do total, no entanto entre os pobres
            63,6% são negros e dos indigentes 68,8% são negros.
            A taxa de analfabetismo é de 19,8% se considerada a população
            negra com mais de 15 anos de idade e de 8,3% se for levada em conta
            a população branca. A taxa de mortalidade infantil
            em 1996, considerando a população branca, era de 37,3%;
            se incluída a população negra, era de 62,3%,
            uma diferença se 25%. Segundo Cano, “no Rio de Janeiro
            e em São Paulo, a probabilidade de os negros serem mortos
            pela polícia é três vezes maior do que o seu
            peso na população”.
          Uma Comissão Mista Especial do Congresso Nacional, criada
            no segundo semestre de 1999 para estudar as causas estruturais e
            conjunturais da pobreza e das desigualdades sociais e apresentar
            soluções, concluiu que “os resultados (da pesquisa),
            além de mostrarem um graus de desigualdade não tem
            se atenuado nos últimos tempos, mantendo, ao contrário,
            uma elevada estabilidade, pois o grau de desigualdade hoje é praticamente
            o mesmo de vinte anos atrás”.
          O quadro aqui rapidamente
              descrito, apesar de não ser exaustivo,
            indica claramente que há um amplo contingente de brasileiros
            excluídos do acesso às condições básicas
            de satisfação dos direitos fundamentais. A pobreza
            no Brasil tem cara, é negra, é mulher.
          VIOLÊNCIA E IMPUNIDADE
              SE AGRAVAM
          O aumento da violência, especialmente do crime organizado
            nas grandes cidades, e o da impunidade agravam o quadro de insegurança
            e exigem ação firme e decidida do governo federal.
            O avanço do crime organizado é de, domina até mesmo
            as instituições públicas ou constrói
            espécies de “estados paralelos”. Ao caso do Espírito
            Santo, por exemplo, que motivou a decisão de pedido de intervenção
            federal da parte do Conselho dos Direitos da Pessoa Humana (arquivada
            pela Procuradoria Geral da República) e que será objeto
            de audiência específica nesta Comissão, somam-se
            os registros do avanço do poder do crime organizado também
            em estados como Rio de Janeiro e São Paulo. No caso do Rio
            de Janeiro, o fato, registrado em dia 30 de setembro de 2002, quando
            parte da cidade permaneceu com comércio, escolas e universidades
            fechadas por ordem do narcotráfico, evidencia claramente o
            avanço do poder dos criminosos, desafiando e coagindo a sociedade.
          A impunidade agrava a
              insegurança e a descrença nas
            instituições. O caso recente e emblemático foi
            o julgamento dos policiais envolvidos no assassinato de 19 trabalhadores
            rurais sem terra no estado do Pará. O resultado praticamente
            inocentou os acusados e foi denunciado, em nível internacional,
            por organizações de Direitos Humanos.
          Associadas a isso persistem
              práticas arcaicas de violência
            institucional, como a tortura. Além dos mais de 330 casos
            reconhecidos pelo relator especial da ONU para o tema, Nigel Rodley,
            em seu relatório final, a Campanha Nacional Permanente Contra
            a Tortura, desenvolvida pelo MNDH em conjunto com diversas organizações
            da sociedade, órgãos públicos e a Secretaria
            Especial de Direitos Humanos da Presidência da República,
            registrou, de 30 de outubro de 2001 até o final de setembro
            de 2002, 1.312 alegações de prática de tortura.
            Do total, 885 (67,45%) foram promovidas por agentes públicos
            (policiais civis ou militares, agentes penitenciários e outros)
            e, desses, 89,83% são agentes da polícia (civil e militar)
            os indicados como agressores. De todos os casos já registrados,
            poucos se transformaram em denúncia judicial e um ou outro
            já foi julgado com base na lei que tipifica o crime de tortura
            (Lei n.º 9.840/97). Além de mostra da face da violência
            institucional, isto também demonstra o quadro de impunidade.
          Outro aspecto que denota
              claramente o problema da violência é o
            que aparece nas denúncias de execuções sumárias,
            arbitrárias e extrajudiciais. O Programa DH Internacional,
            em relatório sobre execuções sumárias,
            arbitrárias ou extrajudiciais, apresentado à relatora
            especial sobre o assunto da ONU em 2001, documentou e denunciou 42
            casos emblemáticos espalhados em seis estados brasileiros
            (Ceará, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro
            e São Paulo). O assassinato dos 111 presos no Carandiru, em
            São Paulo, e os massacres da Candelária e da Favela
            de Vigário Geral, ambos no Rio de Janeiro, são exemplos
            bastante conhecidos.
          Com base em dados divulgados
              pelo Ministério da Justiça
            e pelo Banco de Dados sobre Violência Criminalizada, do Movimento
            Nacional de Direitos Humanos, o relatório estima que, em 1999,
            considerando-se 17 estados da Federação, 3.840 pessoas
            foram assassinadas por policiais ou por grupos de extermínio.
            Conforme estudo da Ouvidoria de Polícia de São Paulo,
            o mesmo relatório informa que, após analisar 222 casos
            (um terço das vítimas fatais no período) de
            assassinatos cometidos pela polícia paulista em 1999, concluiu-se
            que 52,6% das vítimas foram atingidas pelas costas, 23% receberam
            cinco ou mais tiros e cerca de 36% foram alvejadas na cabeça.
          O MNDH e outras entidades
              de direitos humanos participam, desde o início, em 1995, do Programa de Proteção a
            Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas. Organizado em sistema
            nacional, a partir de 2003, já atua em 17 estados e protege
            atualmente cerca de 500 testemunhas, a maioria ameaçada pelo
            crime organizado, sobretudo pelo narcotráfico. O Sistema Nacional
            de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas
            tem dois formatos: o PROVITA, em que as testemunhas são protegidas
            por meio de parcerias entre o Estado e entidades da sociedade civil
            organizada; e o formato PROTEGE, realizado no Rio Grande do Sul,
            em que essa tarefa compete ao Poder Executivo, embora entidades da
            sociedade civil também participem do Conselho Deliberativo
            do Programa.
          Este quadro indica claramente
              a falência do modelo de política
            de segurança pública e a necessidade de reformulação
            do sistema de justiça e segurança no País. Apesar
            dos esforços no sentido de aprimorar esta política,
            manifestados pelo lançamento do Programa Nacional de Segurança
            Pública – que praticamente não saiu do papel – e
            pela criação da Comissão Mista de Segurança
            Pública no Congresso Nacional, ainda em funcionamento, fica
            cada vez mais urgente a necessidade de medidas estruturais de modificações
            neste campo. Combater a violência e qualificar o sistema de
            Justiça e Segurança significam criar condições
            para que o País possa aplicar bem melhor os cerca de 8% do
            PIB que tem gasto com segurança pública nos últimos
            anos.
          Tomando a execução do orçamento do governo
            federal previsto para 2002 para a segurança pública
            vê-se claramente o descomprometimento com 150 grave problema.
            A Segurança Pública teve R$ 362,1 milhões aprovados,
            no entanto até o dia 26 de julho de 2002 haviam sido gastos
            R$ 21,9 milhões, ou seja, 6,05% do previsto. Sem uma ação
            mais direta do governo federal, conjugada com a reformulação
            da estrutura policial, por meio da integração e da
            unificação das polícias, entre outras medidas,
            o quadro tende a se agravar.
          
  LUTA SOCIAL E CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
          O movimento social brasileiro
              tem uma tradição clara
            de organização forte e de ampla capacidade de mobilização,
            além de vir desenvolvendo capacidade de monitoramento e de
            controle social junto aos Conselhos de Direitos (da Saúde,
            da Criança e do Adolescente, entre muitos outros). Sem exagero,
            pode-se dizer que, em boa medida, as conquistas sociais configuradas
            constitucionalmente são fruto da mobilização
            social (milhares de assinaturas para propostas de emendas). Avanços
            significativos em legislações ordinárias que
            vêm para a proteção dos direitos também
            contaram com ampla participação popular. Entre os diversos
            casos, pode-se citar o Estatuto da Criança e do Adolescente,
            a Lei Orgânica da Saúde e a Lei Orgânica da Assistência
            Social. Outro exemplo é o da lei que torna crime a corrupção
            eleitoral, fruto de um projeto de lei de iniciativa popular, com
            mais de um milhão de assinaturas.
          No entanto, nos últimos anos, o Brasil tem assistido a um
            processo de perseguição a lideranças das organizações
            populares e dos movimentos sociais. O quadro mais objetivo é demonstrado
            pela perseguição a lideranças da luta pela terra.
            Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, de janeiro a
            agosto de 2002, foram registrados 346 conflitos que envolveram 286.095
            pessoas: 16 assassinatos, 20 tentativas de assassinato, 73 pessoas
            ameaçadas de morte, 10 torturadas, 31 agredidas fisicamente,
            111 presas e 3 feridas.
          Do ponto de vista institucional,
              a disposição do governo
            FHC, no sentido da criminalização dos conflitos no
            campo, por exemplo, estava manifesta na Medida Provisória
            n. 2.183, por intermédio da nova redação que
            dá especialmente aos parágrafos 6, 7, 8 e 9, do artigo
            2.º, da Lei 8.629/93, impedindo de vistoria para desapropriação
            os imóveis que tenham sido ocupados, proibindo pessoas participantes
            de ocupações de receberem terra e vetando organizações
            que patrocinem ocupações de receberem recursos públicos.
            Estas medidas têm objetivo claro de inibir o processo organizativo
            autônomo das populações despossuídas da
            terra e de punir as pessoas e entidades que agirem ocupando áreas
            improdutivas na tentativa de fazer avançar o processo de reforma
            agrária no País.
          A situação mostra a vigência de uma contradição
            estrutural na sociedade brasileira: de um lado, o avanço da
            organização e da mobilização social e
            a consequente ampliação dos espaços institucionais
            para sua participação no controle social do Estado;
            de outro, a permanência de resquícios de ação
            autoritária do Estado no sentido de inibir a livre manifestação
            da sociedade para garantir os direitos fundamentais.
          4 – OS COMPROMISSOS
              DA SOCIEDADE CIVIL COM OS DIREITOS HUMANOS
          São resumidos, a seguir, os compromissos da sociedade civil
            organizada, expressos em diversos documentos e manifestos, para assegurar
            a efetivação dos direitos humanos.
          FORTALECIMENTO DA ORGANIZAÇÃO
              POPULAR
          O primeiro grande compromisso é com o fortalecimento da organização
            popular. A democratização da sociedade brasileira e
            o avanço na garantia efetiva dos direitos têm que ser
            obtidos com participação ampla da sociedade. É claro
            que o Estado tem um papel determinante e central neste processo;
            no entanto, sem uma sociedade civil forte, organizada e participativa,
            dificilmente se poderá avançar.
          O reconhecimento da multiplicidade
              e da diversidade de formas e de processos organizativos, formalizados
              ou não, é exigência
            fundamental para que se possa entender a complexidade da ação
            política da sociedade civil brasileira. No entanto, há um
            diferencial claro: mesmo sendo importante a organização
            do Terceiro Setor e da responsabilidade social empresarial, entre
            outras iniciativas, o fortalecimento das organizações
            de base, autônomos e nascidas do esforço dos próprios
            excluídos é que poderá efetivamente afirmar
            sujeitos de direitos (individuais e coletivos) com força para
            demandar direitos e para incidir, de forma concreta, na transformação
            da realidade injusta.
          A organização e a participação cada
            vez mais ampla e ativa dos sujeitos cujos direitos não estão
            sendo atendidos poderão efetivamente abrir espaços
            institucionais de garantia destes direitos. O fim da criminalização
            dos movimentos sociais e a proteção dos defensores
            de direitos são medidas urgentes para que, efetivamente, haja
            o fortalecimento do processo organizativo popular.
          AVANÇAR NA GARANTIA
              DOS DIREITOS HUMANOS
          Diante deste quadro, há necessidade de avançar na
            garantia dos direitos humanos. Além de qualificar o marco
            legal e institucional para sua garantia e efetivação,
            o fundamental é dar passos significativos no sentido de reduzir
            as desigualdades e a pobreza que ameaçam a vigência
            dos direitos de milhões de brasileiros.
          A revisão das prioridades do governo brasileiro, com a primazia
            da responsabilidade social à responsabilidade fiscal, é urgente
            como medida estrutural vistas a criar condições para
            avançar na garantia dos direitos humanos. Esta preocupação
            precisa passar a pautar estrategicamente o conjunto das ações.
            Não há dúvida da necessidade de atenção
            aos setores mais vulneráveis, com medidas urgentes, compensatórias
            e até reparadoras; no entanto, essas ações devem
            ser conjugadas com medidas estruturais e sustentáveis.
          Neste sentido, o compromisso
              da sociedade civil é o de insistir
            na prioridade da agenda social sobre a agenda cambial, econômica
            ou fiscal. Uma boa economia, um Estado saneado que não seja
            para ampliar a sua capacidade de garantia efetiva dos direitos da
            população, perde o seu sentido substantivo.
          QUALIFICAR OS INSTRUMENTOS
              DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
            DE DIREITOS HUMANOS
          Outro compromisso central
              da sociedade civil é com a qualificação
            dos instrumentos de promoção e proteção
            dos direitos humanos no Brasil. Além de assegurar a ampliação
            da participação e da representação da
            sociedade civil organizada e da maior autonomia e independência
            dos conselhos e instâncias de controle social de políticas
            públicas e de garantia de direitos, o MNDH apresentou, em
            2000, por ocasião da VI Conferência Nacional de Direitos
            Humanos, a proposta de criação do Sistema Nacional
            de Proteção dos Direitos Humanos. A proposta prevê a
            construção de espaços, ações e
            instrumentos articulados e complementares, em todos os níveis
            de governo e com o envolvimento dos diversos poderes do Estado, no
            sentido de agir, de forma integral, na proteção dos
            Direitos Humanos.
          Entre outras medidas necessárias e urgentes, está a
            revisão e adequação do Conselho de Defesa dos
            Direitos da Pessoa Humana aos Princípios de Paris. Fundamentalmente, é necessário
            garantir maior autonomia e independência, ampliar a participação
            da representação da sociedade civil e dotá-lo
            de recursos que permitam sua ação permanente, a fim
            de que possa agir na promoção e garantia dos direitos
            humanos em seu conjunto. Além disso, o Programa Nacional de
            Direitos Humanos precisa ter força interna no governo, capaz
            dearticular efetivamente a ação dos diversos órgãos
            e, sobretudo, ser completado com uma dinâmica de monitoramento
            permanente e de avaliação e atualização
            periódicas.
          A sociedade civil brasileira,
              por meio das diversas organizações
            que atuam no campo dos direitos humanos, está disposta a participar
            do processo de construção e de efetivação
            de instrumentos e mecanismos de promoção e proteção
            dos direitos humanos, apresentando propostas concretas e estando
            aberta à discussão. No entanto, entende que as mudanças
            precisam ser feitas numa lógica de qualificação
            da ação do Estado em matéria de direitos humanos,
            mais do que como simples ações de governo.
          5 – O QUE ESPERAMOS
              DO GOVERNO BRASILEIRO
          O governo brasileiro precisa
              dar alguns passos significativos no sentido de tornar os direitos
              humanos o centro da política
            de ação do Estado.
          APRIMORAMENTO DA PROTEÇÃO
              DOS DIREITOS HUMANOS
          Por mais que o Estado
              brasileiro reconheça os direitos humanos,
            ele precisa atuar tanto na sua promoção quanto na sua
            proteção. Para isso, é necessário aprimorar
            os instrumentos institucionais encarregados para tal e, além
            disso, dotá-los de uma lógica sistemática e
            permanente.
          Neste sentido, é urgente a reformulação do
            Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, estabelecendo um
            grupo de trabalho bipartite, com participação de representação
            governamental e da sociedade civil. Este grupo vai estudar o projeto
            de lei que tramita no Senado Federal a fim de qualificá-lo,
            tomando em conta as várias propostas de emenda já apresentadas
            por entidades da sociedade civil.
          Além disso, é necessário construir uma metodologia
            de monitoramento, avaliação e aprimoramento permanente
            do Programa Nacional de Direitos Humanos e de sua implementação.
            Essa tarefa haverá de ser cumprida, de modo especial, pelo
            novo Conselho Nacional de Direitos Humanos, mas que, por ora, pode
            ser preparada, pelo menos, como proposta de sistemática.
          É preciso, também, que o governo dê atenção à proposta
            de construção do Sistema Nacional de Direitos Humanos,
            a fim de, com ampla participação da sociedade civil,
            se chegue à sua efetiva criação.
          GARANTIAS DE ACESSO AOS DIREITOS
          Na perspectiva da realização dos direitos, é necessário
            que o governo adote uma postura clara para articular as diversas
            ações em políticas públicas, no sentido
            de serem perpassadas pelos direitos humanos, e que a prioridade social
            esteja à frente da prioridade fiscal.
          O Brasil tem que fazer
              uma opção clara de distribuir
            a renda e a riqueza. Sem medidas objetivas e diretas que possam fazer
            com que o País supere sua submissão aos interesses
            de agiotas do mercado financeiro, não será possível
            investir maciçamente em políticas públicas que
            venham romper o ciclo crescente de ampliação da desigualdade.
            Somente assim será possível avançar efetivamente
            na realização dos direitos humanos em geral.
          A adoção de medidas concretas para proteção
            das populações vulneráveis e historicamente
            alijadas do acesso aos direitos fundamentais, seja com políticas
            estruturais de inclusão, seja com medidas compensatórias
            e reparadoras, nos casos necessários e de maior emergência, é urgente
            e necessária. Mas essas políticas precisam ser fortemente
            articuladas e complementares entre si, além do fato de que
            só têm sustentabilidade se forem implementadas na perspectiva
            dos direitos humanos, da afirmação da cidadania e da
            participação ativa destes setores. Medidas de cunho
            compensatório, assistencialista e paternalista são
            .inadequadas.
          É preciso ainda que os mecanismos de estabelecimento de metas,
            de monitoramento e de avaliação das políticas
            implementadas sejam aperfeiçoados e possam garantir ampla
            participação da sociedade civil, organizada. O fortalecimento
            e a ampliação dos órgãos de controle
            social e de participação autônoma da sociedade
            civil são fundamentais.
          Outro avanço fundamental está no aperfeiçoamento
            das condições de acesso à Justiça e na
            qualificação das demandas e da jurisprudência
            em matéria de direitos humanos, especialmente quanto aos direitos
            econômicos, sociais e culturais.
          REVISÃO DOS COMPROMISSOS
              QUE COLIDEM COM OS DIREITOS HUMANOS
          A proteção dos direitos humanos passa também
            pela sua vigência em todos os compromissos que o País
            assume, tanto em nível interno quanto externo. Para efetivamente
            caminhar na perspectiva dos direitos humanos, é necessário
            que eles sejam um parâmetro objetivo de orientação
            do conjunto das ações do governo e que orientem também
            as ações do setor privado e da sociedade em geral.
            Não é possível concordar, em hipótese
            alguma, em que os direitos humanos não sejam parâmetro
            de garantia em qualquer dos compromissos assumidos pelo País.
          Neste sentido, o Brasil
              precisa adotar um posicionamento claro de defesa das cláusulas de direitos humanos em todos os acordos
            internacionais, especialmente os comerciais. Particularmente, os
            processos de integração econômica dos quais participa – tanto
            o Mercosul quanto a ALCA – precisam ser perpassados pela garantia
            de medidas que objetivamente garantam os direitos humanos. Nesta
            perspectiva, em termos interamericanos, a defesa da adoção
            de uma Carta Social Continental emerge como prioridade estratégica
            fundamental.
          Além disso, é necessário um posicionamento
            mais objetivo e contrário do governo brasileiro na Organização
            Mundial do Comércio quanto à proposta de liberalização
            dos serviços. Em grande medida, o assunto tem relação
            direta com os instrumentos públicos disponíveis no
            País para a realização dos direitos humanos.
          Outro aspecto fundamental é que o governo brasileiro precisa
            assumir uma postura de defesa da soberania e da autodeterminação
            das nações e dos povos na América Latina, no
            sentido de não sucumbirem às ordens e aos atropelos
            dos senhores da atual etapa do imperialismo.
                                        O 
                                          governo brasileiro precisa assumir uma 
                                          postura mais clara e protagonista no 
                                          cenário internacional, especialmente 
                                          com o objetivo de tornar mais fortes 
                                          os organismos internacionais de proteção 
                                          dos direitos humanos. A globalização 
                                          exige que as instituições 
                                          e organismos multilaterais (ONU, OEA 
                                          e seus órgãos de proteção 
                                          dos direitos humanos) sejam amplamente 
                                          fortalecidos.
                                        < 
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