SITUAÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS NO BRASIL
MOVIMENTO NACIONAL DOS
DIREITOS HUMANOS – MNDH
Paulo César Carbonari
Coordenador Nacional de Formação do MNDH
1 – ALGUNS ELEMENTOS DA LUTA HISTÓRICA
PELOS DIREITOS HUMANOS
Todos sabem que a garantia
da dignidade da pessoa humana e seu reconhecimento como sujeito
de direitos, como cidadão, não se fazem
só com belas palavras. Aliás, os vemos do poeta João
Cabral de Meio Neto, em “Morte e Vida Severina”, confirmam: “Não
se defende só com palavras a vida, e sim com ações”.
Se o poeta tem razão – e a tem –, a garantia
dos direitos humanos é feita concretamente, por meio de instrumentos
e mecanismos históricos que possibilitam arranjos públicos
capazes de se traduzir em condições para desenvolver
ações efetivas. As lutadoras e lutadores de direitos
humanos sabem quão é difícil a luta para construir
esses arranjos. A desigualdade, a exploração, os sucessivos ‘ajustes
estruturais’ que priorizam dívidas em detrimento de
vidas insistem em forçar a sociedade a ter que escolher e
até a abdicar de garantias fundamentais. Lutar pelos direitos
humanos significa não arredar pé. E insistir em que
a vida humana, a dignidade humana, traduzida em condições
históricas, é patamar intransponível e base
de construção do edifício social, político,
econômico e cultural.
A luta pelos direitos
humanos no Brasil tem acompanhado o longo, difícil e, ao mesmo tempo, gratificante processo de aprendizagem
popular de luta pela anistia; pelas diretas-já; pelo impeachment;
pelo fim da corrupção; pela reforma agrária
e urbana; pela garantia dos direitos sociais, econômicos e
culturais; para que o direito de ir e vir não acabe nos primeiros
dias do mês, já que não há nem sequer
como ir ou vir por não haver um salário decente; pelo
fim da discriminação de todo tipo; pela erradicação
da tortura e de todo tipo de tratamento cruel, desumano e degradante;
pelo fim da impunidade; para que a vida esteja acima da dívida;
pela garantia de legislações que respeitem os interesses
populares no processo constituinte e no processo legislativo ordinário;
para que o Judiciário não confunda imparcialidade com
neutralidade; pela efetivação de instrumentos de participação
popular, na definição de políticas públicas
e no controle orçamentário; para que o País
cumpra seus compromissos internacionais. Para isso, militantes, entidades
da sociedade civil e movimentos sociais recorrem ao sistema regional
e global de Direitos Humanos, na luta para que a cidadania encontre
lugar e tempo no Brasil e no mundo. Isto só vem se sustentando
porque é certo que “um outro mundo é possível” – como
afirma o Fórum Social Mundial – e já está sendo
construído.
Da mesma forma, os esforços para promover os direitos humanos
têm acompanhado a construção e a implementação
de políticas públicas centradas na garantia dos direitos.
Assim tem sido na luta pelo Sistema Único de Saúde,
pela implementação do Estatuto da Criança e
do Adolescente e pela efetivação da Lei Orgânica
da Assistência Social, entre muitas outras. Nestes aspectos,
particularmente, os militantes e suas entidades têm-se habilitado
e efetivamente participado dos espaços de controle social,
das conferências e dos conselhos em todos os níveis;
têm feito propostas para as políticas públicas,
na definição dos planos e dos orçamentos, além
de monitorar e avaliar as ações dos gestores públicos.
Enfim, vêm construindo instrumentos e mecanismos concretos
que reforçam a idéia de que o Estado deve ser colocado,
sob o controle da cidadania, a serviço do interesse público.
2 – QUADRO DOS INSTRUMENTOS DISPONÍVEIS PARA A PROTEÇÃO
DOS DIREITOS HUMANOS
O Brasil ratificou a maioria
dos principais instrumentos globais e regionais de proteção dos direitos humanos. Após
a adoção e a proclamação, pela Assembléia
Geral das Nações Unidas, da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, foram
ratificados pelo Estado brasileiro: o Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos; o Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais; a Convenção de Prevenção
e Repressão do Crime de Genocídio; a Convenção
Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial; a Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher; a Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; a Convenção
das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos
ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; a Convenção
sobre os Direitos da Criança; os Protocolos Adicionais à Convenção
Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura; a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos; o Protocolo Adicional à Convenção
Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais; e a abolição da Pena de Morte;
entre outros. Ainda não ratificou a Convenção
Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas.
A Constituição Brasileira reconhece integralmente
a vigência dos direitos humanos. Apesar das diferenças
de doutrina e jurisprudência, uma interpretação
sistemática e teleológica dos principais pontos da
Constituição Federal que tratam do assunto, qual as
entidades e os militantes são partidários, indica a
que os instrumentos internacionais cie proteção dos
direitos humanos tem uma posição hierárquica
constitucional. Além disso, vários dos direitos fundamentais
(tanto civis e políticos quanto econômicos, sociais
e culturais) são explicitamente garantidos pela Constituição
Federal e, muitos deles, também por meio de legislações
específicas. Exemplos disso são a garantia do direito à saúde’ e
o direito à moradia.
Apesar de, em alguns casos
específicos, haver necessidade
de aprimoramento dos instrumentos legais disponíveis, especialmente
no sentido da complementação com normalizações
operacionais, na imensa maioria das áreas o Brasil reconhece,
em termos de marco legal, os direitos humanos e está, portanto,
dotado de recursos fundamentais para a sua promoção
e proteção. O Brasil também conta com diversas
instâncias de proteção e controle social de direitos
específicos, os conselhos e comitês, compostos por representantes
dos órgãos públicos e da sociedade civil organizada,
tanto em nível federal quanto nos estados e nos municípios. É o
caso do Comitê Nacional para os Refugiados e dos Conselhos
de Saúde, de Criança e Adolescente, de Assistência
Social, para citar alguns.
O Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana – em funcionamento
há quase vinte anos – é a instância especifica
de proteção aos direitos humanos. Com capacidade de
atuação restrita, tem pouca autonomia em relação
ao Poder Executivo. Depois de recente episódio no qual o Conselho
aprovou a intervenção federal no estado do Espírito
Santo e sua decisão foi arquivada, ele ficou desarticulado,
vários de seus integrantes pediram afastamento e até o
momento não houve qualquer reestruturação de
tão importante órgão.
O Pais também conta, desde 1996, com o Programa Nacional
de Direitos Humanos (PNDH), um instrumento que tem cumprido a função
de direcionar a intencionalidade do Poder Público em matéria
de Direitos Humanos. Mesmo assim, ele tem pouca força para
fomentar ações articuladas e coordenadas em sentido
amplo. Além disso, com uma baixa dotação orçamentária
(normalmente vitima de cortes em razão do superávit
primário), praticamente não dispõe de mecanismos
e instrumentos de monitoramento das ações nele previstas
e acaba, em grande medida, por constituir-se numa cana de intenções.
Considerando que se constitui no principal instrumento de ação
governamental neste campo, convém fazer dele uma análise
mais detalhada.
Na II Conferência Nacional de Direitos Humanos, em 1997 – portanto
um ano após a divulgação do Programa Nacional
de Direitos Humanos –, o MNDH denunciou sua parcialidade, por
entender que contemplava apenas os direitos civis e políticos,
ferindo a idéia da indivisibilidade e universalidade dos direitos
humanos. Isso levou à proposição de uma série
de medidas para seu aprimoramento e também para a criação
de um instrumento de monitoramento permanente de sua implementação.
O governo Fernando Henrique Cardoso acolheu a proposta e criou uma
Comissão de Monitoramento e encaminhou a reformulação
do Programa; no entanto, tal comissão só realizou em
todo o período, uma única reunião e a reformulação
só foi efetivada cinco anos depois (em maio de 2002, foi lançado
o PNDH II).
No processo de reformulação, o governo promoveu uma
ampla consulta à sociedade civil. No entanto, mesmo que o
Programa divulgado por Fernando Henrique Cardoso contemple a grande
maioria das propostas apresentadas pela sociedade civil, questões
estruturais como as que se referem ao fim rios cortes na área
social, entre outras, não foram contempladas. A sociedade
foi consultada, mas não teve participação efetiva
em todo o processo de sistematização. O documento final,
mesmo com sugestões da sociedade civil, representa a proposta
governamental e é, portanto, um programa mais de governo do
que de Estado. Na sua reedição, o PNDH foi divulgado
com um Plano de Ação para o ano de 2002. Na ocasião
do seu lançamento, durante a VII Conferência Nacional
de Direitos Humanos (realizada em final de maio de 2002), várias
organizações da sociedade civil saudaram a divulgação
de um Plano de Ação, mas manifestaram profunda preocupação
com as previsões nele contidas, consideradas insuficientes.
Reconhecem o avanço na perspectiva da indivisibilidade dos
direitos, no entanto entendem que ainda está aquém
de dar um tratamento integral na perspectiva da promoção
dos direitos humanos.
Segundo análise elaborada por entidade da sociedade civil,
das 518 ações do Plano (PNDH II), 93 referem-se à garantia
de direitos entre os setores sociais excluídos (18% do total).
Os recursos destinados ao cumprimento destas ações
alcançam o valor de R$ 4,4 milhões do já previsto
no orçamento federal para 2002.
O mais grave é que o PNDH continua sem mecanismos e instrumentos
concretos de monitoramento. Além disso, é coordenado
por um órgão de governo, a Secretaria de Estado dos
Direitos Humanos, que tem pouca força política entre
os principais órgãos responsáveis pela implementação
das ações previstas nele.
Um dos primeiros atos
do presidente da República, Luiz Inácio
Lula da Silva, foi o de transformar esse órgão em Secretaria
Especial de Direitos Humanos, vinculada diretamente ao seu gabinete.
Atendeu, assim, a uma antiga reivindicação das entidades
de direitos humanos.
3 – TRAÇOS DA SITUAÇÃO;
O BRASIL TEM DIFICULDADE PARA EFETIVAR A GARANTIA DOS DIREITOS
PROGRAMAS DE AJUSTE ESTRUTURAL
PÕEM EM RISCO OS DIREITOS
HUMANOS
Nos últimos anos, a aplicação permanente da
política ditada pelo Consenso de Washington obrigou o Brasil
a implementar um conjunto de ajustes de política econômica
que tem levado o País ao aumento do endividamento interno
e externo e à redução gradativa dos gastos em
investimentos sociais. Essas situações, em consequência,
põem em risco a garantia de autodeterminação,
em relação ao modelo de desenvolvimento e à garantia
de avanços na efetivação dos direitos humanos.
Exemplo disso são os dados referentes às dividas externa
e interna brasileira: o total da dívida externa saltou de
U$ 148,29 bilhões, em 1994, para U$ 236,16 bilhões,
em 2000. No mesmo período, o País pagou o montante
de U$ 75,89 bilhões em juros e U$ 218,80 bilhões em
amortizações, o que perfaz um total de U$ 294,69 bilhões.
Um exercício matemático elementar mostra que, no período,
o Brasil praticamente pagou, em juros e amortizações,
quase o equivalente ao que continuava a dever em 2000. No mesmo período,
a dívida cresceu U$ 87,87 bilhões, em contraste com
um pagamento que é mais do que três vezes esse valor.
A dívida interna passou de R$ 59,4 bilhões, em 1994,
para R$ 555,90 bilhões, em 2000, um crescimento acumulado
no período equivalente a 836%. O saldo da balança de
pagamentos saltou, na última década, de U$14,7 bilhões
para U$ 30,7 bilhões e o déficit de contas de transações
correntes passou de U$1,7 bilhão para U$ 35,2 bilhões – nada
menos do que 24 vezes mais.
O último acordo com o FMI (em agosto de 2002), feito com
a finalidade de enfrentar o fluxo de capitais e a escalada da dívida
pública, resultou na disponibilização de U$
30 bilhões. Em contrapartida, o País precisava, já em
2002, garantir um superávit primário (economia nos
gastos públicos) de 3,88% do PIB e, nos próximos anos,
de pelo menos 3,75% do PIB. Exige “reformas estruturais” consideradas
necessárias ao Brasil, entre as quais está “o
avanço no processo de alienação dos bancos estaduais
federalizados” Trata-se de uma nova linguagem para falar da
privatização que, desde 1998, já levou à venda
o setor de telecomunicações, parte do setor de energia
e do setor de siderurgia, entre outros, em consequência do
acordo realizado naquele ano e que resultou em doze Emendas Constitucionais,
aprovadas, de li para cá, com o intuito de reduzir a importância
econômica do Estado, acelerando a privatização.
Além disso, o acordo tem Lima inovação importante:
introduz uma cláusula que autoriza o FMI a interferir trimestralmente
o pode até sugerir a modificação da meta de
superávit primário previsto.
Ora, o que prevê este assunto é a Lei de Diretrizes
Orçamentárias e a Lei Orçamentária, aprovadas
anualmente pelo Congresso Nacional. Com isso, efetivamente o FMI
poderá, se achar necessário, condicionar a aprovação
da liberação de novos recursos já acordados
ao cumprimento do que entende ser meta necessária num ou noutro
trimestre do ano, introduzindo, possivelmente, novas exigências
de restrição na execução orçamentária
que, habitualmente, resultam na redução dos gastos
em programas sociais e de investimento.
O acordo põe em risco a autonomia do País, tanto em
seu processo de aprovação quanto ao introduzir mecanismos
de incidência direta do FMI na política nacional. No
primeiro caso, o acordo foi feito e aprovado sem passar pelo Poder
Legislativo, o que fere frontalmente a Constituição
Federal, que determina que qualquer financiamento externo deve ser
analisado e autorizado pelo Senado Federal. Essa situação
motivou a apresentação de uma representação,
assinada por várias organizações da sociedade
civil organizada, pedindo que a Procuradoria Geral da República
intervenha, agindo junto à Justiça para que os preceitos
constitucionais sejam garantidos.
Outras questões que vêm preocupando os brasileiros
são o processo de implementação da Área
de Livre Comércio das Américas (ALCA) e a proposta
de transferência de controle da Base de Alcântara ao
governo americano. Em plebiscito popular nacional realizado na primeira
semana de setembro de 2002, mais de dez milhões de brasileiros
(cerca de 10% do eleitorado) compareceram espontaneamente para votar
e disseram não à ALCA e não à transferência
do controle da Base de Alcântara. Da parte das organizações
da sociedade civil, há um posicionamento claro e quase unânime
sobre a repercussão negativa dessas medidas, especialmente
no tocante à capacidade de autodeterminação
do Pais. No campo específico da garantia dos direitos humanos,
a avaliação também vem sendo a mesma.
O que também preocupa gravemente a sociedade civil brasileira é a
nova Doutrina Bush, enviada em setembro ao congresso americano, na
qual fica explícita a posição belicista, de
ameaça preventiva (para a sociedade civil, já que,
para o governo Bush, trata-se de segurança preventiva) e de
exigência de alinhamento como condição à ajuda
americana. Essa disposição expressa claramente a intenção
de o governo americano restringir financiamentos e ajudas a instituições
e países que não se posicionarem a favor da sua proposta.
Ademais, não é possível compartilhar a perspectiva
de impunidade aos nacionais estadunidenses que possam cometer genocídios,
crimes contra a humanidade ou crimes de guerra, a ser viabilizada
por resoluções do Conselho de Segurança das
Nações Unidas ou mediante acordos bilaterais entre
os Estados Unidos e outros países no sentido de evitar a entrega
dessas pessoas ao Tribunal Penal Internacional e o exercício
da jurisdição universal ou interna. Nada justifica
essa perspectiva de tutela a criminosos internacionais, contrária
ao sistema interamericano de direitos humanos e ao ordenamento jurídico
brasileiro, ambos a recomendar a igualdade perante a lei e a responsabilidade
penal individual daqueles que atentem contra a consciência
da humanidade.
Este conjunto de aspectos,
somado à crescente dificuldade
dos organismos internacionais de resolução multilateral
de conflitos, especialmente da ONU (Organização das
Nações Unidas), vem indicando o avanço do unilateralismo
e a maior dificuldade, portanto, de cada pais implementar, por seus
próprios meios democráticos, o modelo de desenvolvimento
e os instrumentos concretos para realizá-lo.
O contexto de globalização exige novos posicionamentos
e haveria de ensejar o aprimoramento das relações multilaterais
e democráticas também em nível internacional
e, em consequência, o fortalecimento dos organismos mundiais
e regionais de garantia de solução pacifica de conflitos
e de proteção dos direitos fundamentais.
Deste quadro, ao menos
resulta evidente o risco que países
como o Brasil correm de terem condições de assegurar
sua autodeterminação e, também, a efetiva execução
de políticas que possam primar pela garantia dos direitos
humanos fundamentais.
APLICAÇÃO DE RECURSOS NA GARANTIA DOS DIREITOS ESTÁ AQUÉM
DO MÁXIMO
É justo reconhecer e entender os grandes esforços
que o governo brasileiro tem feito para ampliar as garantias efetivas
dos direitos fundamentais, tanto os civis e políticos quanto
os econômicos, sociais e culturais. No entanto, o uso dos recursos
ainda está aquém do necessário.
No campo dos direitos
civis e políticos, a efetivação
de mecanismos de acesso à garantia dos direitos fundamentais
estabelecidos constitucionalmente tem dado passos significativos.
O Pais vive a afirmação do processo democrático
e de fortalecimento institucional. Viveu em 2002 a maior eleição
direta de sua história, escolhendo o presidente da República,
governadores de estados e do Distrito Federal, deputados federais
e estaduais e senadores. No entanto, ainda subsistem a corrupção
e o clientelismo como instrumentos de ação do poder
público, que efetivamente enfraquecem as instituições.
Os pobres, em geral, têm dificuldades de ter garantido o básico
dos direitos à documentação, por exemplo. O
acesso à Justiça, sobretudo para as populações
mais pobres, ainda é precário.
No campo da garantia dos
direitos econômicos, sociais e culturais,
a análise do investimento público em programas sociais
indica um crescimento. Segundo o próprio governo, os gastos
sociais, que eram de 13% do PIB em 1995, passaram a 14% em 1998 e
1999. Contrastando, porém, o impacto dos gastos com juros
e encargos da divida interna e externa aos gastos sociais, fica claro
o potencial que vem sendo simplesmente escoado para tal fim em detrimento
da aplicação na garantia dos direitos sociais e de
investimentos para sua garantia. Em 2002, até 26 de julho,
em razão da exigência de superávit primário,
os gastos públicos sociais haviam sido reduzidos. Segundo
o Instituto de Estudos Sócio-Econômicos: “Analisando
os 357 programas que compõem o orçamento da União
e o Plano Plurianual, que contam com previsão de recursos
para o ano de 2002, observamos o seguinte: 1) programas estão
com a execução a 0%; 2) 92, com menos de 5%; 3) 118,
abaixo de 10%; e 4) mais da metade (185 programas) com menos 20%.
Dessa forma, fica muito difícil acreditar que o governo esta
utilizando o orçamento como um instrumento de planejamento
e de execução das políticas públicas
por ele definidas. De outro lado, observando-se o mesmo período,
pode-se perceber claramente os compromissos com pagamentos de juros,
encargos e amortizações das dívidas públicas
interna e externa, conforme acordado com o Fundo Monetário
Internacional desde 1998. De janeiros a 26 de julho de 2002, o governo
federal gastou, com este item do orçamento, R$ 57,46 bilhões
(ou 35,45% da disponibilidade líquida do Poder Executivo).
Foram pagos R$ 47,70 bilhões para a dívida interna
e R$ 9,76 para a externa. Para ter-se um comparativo, em 1995, os
pagamentos com os serviços das dívidas externa e interna
representavam 17,15% da disponibilidade líquida do Poder Executivo.
Estes dados mostram claramente
o sentido das prioridades. Pode-se afirmar com certeza: não está nesta lista a promoção
ao máximo dos direitos.
POBREZA E DESIGUALDADE EXCLUEM AMPLOS CONTINGENTES DO ACESSO AOS
DIREITOS
O Brasil é um dos países com maior índice de
desigualdade do mundo e com um grande contingente de pobreza e miséria,
o que gera um enorme número de brasileiros excluídos
do acesso aos direitos fundamentais. Os últimos dados sobre
a situação no Brasil indicam que o governo brasileiro
conseguiu melhorar alguns índices, mas não o suficiente
para avançar na distribuição de renda. A renda
média do brasileiro caiu 10,3% nos últimos cinco anos;
no caso dos mais pobres, a queda foi ainda maior, de 11,6%, e dos
mais ricos a perda foi menor, de 9,1% (os 10% mais ricos controlam
10% da renda); o índice de Gini permanece estável na
faixa de 0,575; o desemprego aumentou de 7% em 1996, para 9,4% da
População Economicamente Ativa em 2001; a distribuição
dos rendimentos indica que os 10% da população que
ganham menos recebia, em 2001, um salário aquivalente a R$
61,00 e controla menos de 1% dos rendimentos, enquanto os 10% que
ganham mais passaram de uma renda de R$ 7,53 mil para R$ 7,92 mil;
dos trabalhadores empregados, 63% ganham até três salários
mínimos; o Índice de Desenvolvimento Humano passou
de 0,753, em 1999, para 0,757, em 2000.
O número dos brasileiros que vivem na indigência e
na pobreza, segundo dados do governo, apesar de uma leve diminuição,
ainda é alto: em 1998, 21,4 milhões eram considerados
indigentes (13,9% da população) e 50,1 milhões
estavam na pobreza (32,7% da população). Segundo um
organismo do próprio governo, considerando o nível
de renda per capita que o País atingiu a partir dos anos 70,
poder-se-ia ter hoje uma incidência da pobreza em torno de
10% (mais de um terço a menos do que a registrada), levando
em conta a média mundial de concentração de
renda. Deste modo, o Brasil é recordista mundial em concentração
de renda; 15,8% da população não têm acesso às
condições mínimas de higiene, educação
e saúde; 11,4% morrem antes de completar 40 anos; 16% são
analfabetos.
Se a questão for vista pelo viés étnico, por
exemplo, tem-se uma mostra clara da desigualdade. Um estudo feito
com base no Índice de Desenvolvimento Humano de 1999 indica
claramente que, à época, o Brasil ocupava a 79.ª posição
no ranking dos países. Porém, se incluída a
população negra, o Brasil ocuparia a 108.ª posição,
enquanto, com base na população branca, ocuparia o
49.º lugar. Um levantamento sobre a pobreza indica que a população
negra no Brasil representa 45,3% do total, no entanto entre os pobres
63,6% são negros e dos indigentes 68,8% são negros.
A taxa de analfabetismo é de 19,8% se considerada a população
negra com mais de 15 anos de idade e de 8,3% se for levada em conta
a população branca. A taxa de mortalidade infantil
em 1996, considerando a população branca, era de 37,3%;
se incluída a população negra, era de 62,3%,
uma diferença se 25%. Segundo Cano, “no Rio de Janeiro
e em São Paulo, a probabilidade de os negros serem mortos
pela polícia é três vezes maior do que o seu
peso na população”.
Uma Comissão Mista Especial do Congresso Nacional, criada
no segundo semestre de 1999 para estudar as causas estruturais e
conjunturais da pobreza e das desigualdades sociais e apresentar
soluções, concluiu que “os resultados (da pesquisa),
além de mostrarem um graus de desigualdade não tem
se atenuado nos últimos tempos, mantendo, ao contrário,
uma elevada estabilidade, pois o grau de desigualdade hoje é praticamente
o mesmo de vinte anos atrás”.
O quadro aqui rapidamente
descrito, apesar de não ser exaustivo,
indica claramente que há um amplo contingente de brasileiros
excluídos do acesso às condições básicas
de satisfação dos direitos fundamentais. A pobreza
no Brasil tem cara, é negra, é mulher.
VIOLÊNCIA E IMPUNIDADE
SE AGRAVAM
O aumento da violência, especialmente do crime organizado
nas grandes cidades, e o da impunidade agravam o quadro de insegurança
e exigem ação firme e decidida do governo federal.
O avanço do crime organizado é de, domina até mesmo
as instituições públicas ou constrói
espécies de “estados paralelos”. Ao caso do Espírito
Santo, por exemplo, que motivou a decisão de pedido de intervenção
federal da parte do Conselho dos Direitos da Pessoa Humana (arquivada
pela Procuradoria Geral da República) e que será objeto
de audiência específica nesta Comissão, somam-se
os registros do avanço do poder do crime organizado também
em estados como Rio de Janeiro e São Paulo. No caso do Rio
de Janeiro, o fato, registrado em dia 30 de setembro de 2002, quando
parte da cidade permaneceu com comércio, escolas e universidades
fechadas por ordem do narcotráfico, evidencia claramente o
avanço do poder dos criminosos, desafiando e coagindo a sociedade.
A impunidade agrava a
insegurança e a descrença nas
instituições. O caso recente e emblemático foi
o julgamento dos policiais envolvidos no assassinato de 19 trabalhadores
rurais sem terra no estado do Pará. O resultado praticamente
inocentou os acusados e foi denunciado, em nível internacional,
por organizações de Direitos Humanos.
Associadas a isso persistem
práticas arcaicas de violência
institucional, como a tortura. Além dos mais de 330 casos
reconhecidos pelo relator especial da ONU para o tema, Nigel Rodley,
em seu relatório final, a Campanha Nacional Permanente Contra
a Tortura, desenvolvida pelo MNDH em conjunto com diversas organizações
da sociedade, órgãos públicos e a Secretaria
Especial de Direitos Humanos da Presidência da República,
registrou, de 30 de outubro de 2001 até o final de setembro
de 2002, 1.312 alegações de prática de tortura.
Do total, 885 (67,45%) foram promovidas por agentes públicos
(policiais civis ou militares, agentes penitenciários e outros)
e, desses, 89,83% são agentes da polícia (civil e militar)
os indicados como agressores. De todos os casos já registrados,
poucos se transformaram em denúncia judicial e um ou outro
já foi julgado com base na lei que tipifica o crime de tortura
(Lei n.º 9.840/97). Além de mostra da face da violência
institucional, isto também demonstra o quadro de impunidade.
Outro aspecto que denota
claramente o problema da violência é o
que aparece nas denúncias de execuções sumárias,
arbitrárias e extrajudiciais. O Programa DH Internacional,
em relatório sobre execuções sumárias,
arbitrárias ou extrajudiciais, apresentado à relatora
especial sobre o assunto da ONU em 2001, documentou e denunciou 42
casos emblemáticos espalhados em seis estados brasileiros
(Ceará, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro
e São Paulo). O assassinato dos 111 presos no Carandiru, em
São Paulo, e os massacres da Candelária e da Favela
de Vigário Geral, ambos no Rio de Janeiro, são exemplos
bastante conhecidos.
Com base em dados divulgados
pelo Ministério da Justiça
e pelo Banco de Dados sobre Violência Criminalizada, do Movimento
Nacional de Direitos Humanos, o relatório estima que, em 1999,
considerando-se 17 estados da Federação, 3.840 pessoas
foram assassinadas por policiais ou por grupos de extermínio.
Conforme estudo da Ouvidoria de Polícia de São Paulo,
o mesmo relatório informa que, após analisar 222 casos
(um terço das vítimas fatais no período) de
assassinatos cometidos pela polícia paulista em 1999, concluiu-se
que 52,6% das vítimas foram atingidas pelas costas, 23% receberam
cinco ou mais tiros e cerca de 36% foram alvejadas na cabeça.
O MNDH e outras entidades
de direitos humanos participam, desde o início, em 1995, do Programa de Proteção a
Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas. Organizado em sistema
nacional, a partir de 2003, já atua em 17 estados e protege
atualmente cerca de 500 testemunhas, a maioria ameaçada pelo
crime organizado, sobretudo pelo narcotráfico. O Sistema Nacional
de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas
tem dois formatos: o PROVITA, em que as testemunhas são protegidas
por meio de parcerias entre o Estado e entidades da sociedade civil
organizada; e o formato PROTEGE, realizado no Rio Grande do Sul,
em que essa tarefa compete ao Poder Executivo, embora entidades da
sociedade civil também participem do Conselho Deliberativo
do Programa.
Este quadro indica claramente
a falência do modelo de política
de segurança pública e a necessidade de reformulação
do sistema de justiça e segurança no País. Apesar
dos esforços no sentido de aprimorar esta política,
manifestados pelo lançamento do Programa Nacional de Segurança
Pública – que praticamente não saiu do papel – e
pela criação da Comissão Mista de Segurança
Pública no Congresso Nacional, ainda em funcionamento, fica
cada vez mais urgente a necessidade de medidas estruturais de modificações
neste campo. Combater a violência e qualificar o sistema de
Justiça e Segurança significam criar condições
para que o País possa aplicar bem melhor os cerca de 8% do
PIB que tem gasto com segurança pública nos últimos
anos.
Tomando a execução do orçamento do governo
federal previsto para 2002 para a segurança pública
vê-se claramente o descomprometimento com 150 grave problema.
A Segurança Pública teve R$ 362,1 milhões aprovados,
no entanto até o dia 26 de julho de 2002 haviam sido gastos
R$ 21,9 milhões, ou seja, 6,05% do previsto. Sem uma ação
mais direta do governo federal, conjugada com a reformulação
da estrutura policial, por meio da integração e da
unificação das polícias, entre outras medidas,
o quadro tende a se agravar.
LUTA SOCIAL E CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
O movimento social brasileiro
tem uma tradição clara
de organização forte e de ampla capacidade de mobilização,
além de vir desenvolvendo capacidade de monitoramento e de
controle social junto aos Conselhos de Direitos (da Saúde,
da Criança e do Adolescente, entre muitos outros). Sem exagero,
pode-se dizer que, em boa medida, as conquistas sociais configuradas
constitucionalmente são fruto da mobilização
social (milhares de assinaturas para propostas de emendas). Avanços
significativos em legislações ordinárias que
vêm para a proteção dos direitos também
contaram com ampla participação popular. Entre os diversos
casos, pode-se citar o Estatuto da Criança e do Adolescente,
a Lei Orgânica da Saúde e a Lei Orgânica da Assistência
Social. Outro exemplo é o da lei que torna crime a corrupção
eleitoral, fruto de um projeto de lei de iniciativa popular, com
mais de um milhão de assinaturas.
No entanto, nos últimos anos, o Brasil tem assistido a um
processo de perseguição a lideranças das organizações
populares e dos movimentos sociais. O quadro mais objetivo é demonstrado
pela perseguição a lideranças da luta pela terra.
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, de janeiro a
agosto de 2002, foram registrados 346 conflitos que envolveram 286.095
pessoas: 16 assassinatos, 20 tentativas de assassinato, 73 pessoas
ameaçadas de morte, 10 torturadas, 31 agredidas fisicamente,
111 presas e 3 feridas.
Do ponto de vista institucional,
a disposição do governo
FHC, no sentido da criminalização dos conflitos no
campo, por exemplo, estava manifesta na Medida Provisória
n. 2.183, por intermédio da nova redação que
dá especialmente aos parágrafos 6, 7, 8 e 9, do artigo
2.º, da Lei 8.629/93, impedindo de vistoria para desapropriação
os imóveis que tenham sido ocupados, proibindo pessoas participantes
de ocupações de receberem terra e vetando organizações
que patrocinem ocupações de receberem recursos públicos.
Estas medidas têm objetivo claro de inibir o processo organizativo
autônomo das populações despossuídas da
terra e de punir as pessoas e entidades que agirem ocupando áreas
improdutivas na tentativa de fazer avançar o processo de reforma
agrária no País.
A situação mostra a vigência de uma contradição
estrutural na sociedade brasileira: de um lado, o avanço da
organização e da mobilização social e
a consequente ampliação dos espaços institucionais
para sua participação no controle social do Estado;
de outro, a permanência de resquícios de ação
autoritária do Estado no sentido de inibir a livre manifestação
da sociedade para garantir os direitos fundamentais.
4 – OS COMPROMISSOS
DA SOCIEDADE CIVIL COM OS DIREITOS HUMANOS
São resumidos, a seguir, os compromissos da sociedade civil
organizada, expressos em diversos documentos e manifestos, para assegurar
a efetivação dos direitos humanos.
FORTALECIMENTO DA ORGANIZAÇÃO
POPULAR
O primeiro grande compromisso é com o fortalecimento da organização
popular. A democratização da sociedade brasileira e
o avanço na garantia efetiva dos direitos têm que ser
obtidos com participação ampla da sociedade. É claro
que o Estado tem um papel determinante e central neste processo;
no entanto, sem uma sociedade civil forte, organizada e participativa,
dificilmente se poderá avançar.
O reconhecimento da multiplicidade
e da diversidade de formas e de processos organizativos, formalizados
ou não, é exigência
fundamental para que se possa entender a complexidade da ação
política da sociedade civil brasileira. No entanto, há um
diferencial claro: mesmo sendo importante a organização
do Terceiro Setor e da responsabilidade social empresarial, entre
outras iniciativas, o fortalecimento das organizações
de base, autônomos e nascidas do esforço dos próprios
excluídos é que poderá efetivamente afirmar
sujeitos de direitos (individuais e coletivos) com força para
demandar direitos e para incidir, de forma concreta, na transformação
da realidade injusta.
A organização e a participação cada
vez mais ampla e ativa dos sujeitos cujos direitos não estão
sendo atendidos poderão efetivamente abrir espaços
institucionais de garantia destes direitos. O fim da criminalização
dos movimentos sociais e a proteção dos defensores
de direitos são medidas urgentes para que, efetivamente, haja
o fortalecimento do processo organizativo popular.
AVANÇAR NA GARANTIA
DOS DIREITOS HUMANOS
Diante deste quadro, há necessidade de avançar na
garantia dos direitos humanos. Além de qualificar o marco
legal e institucional para sua garantia e efetivação,
o fundamental é dar passos significativos no sentido de reduzir
as desigualdades e a pobreza que ameaçam a vigência
dos direitos de milhões de brasileiros.
A revisão das prioridades do governo brasileiro, com a primazia
da responsabilidade social à responsabilidade fiscal, é urgente
como medida estrutural vistas a criar condições para
avançar na garantia dos direitos humanos. Esta preocupação
precisa passar a pautar estrategicamente o conjunto das ações.
Não há dúvida da necessidade de atenção
aos setores mais vulneráveis, com medidas urgentes, compensatórias
e até reparadoras; no entanto, essas ações devem
ser conjugadas com medidas estruturais e sustentáveis.
Neste sentido, o compromisso
da sociedade civil é o de insistir
na prioridade da agenda social sobre a agenda cambial, econômica
ou fiscal. Uma boa economia, um Estado saneado que não seja
para ampliar a sua capacidade de garantia efetiva dos direitos da
população, perde o seu sentido substantivo.
QUALIFICAR OS INSTRUMENTOS
DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
DE DIREITOS HUMANOS
Outro compromisso central
da sociedade civil é com a qualificação
dos instrumentos de promoção e proteção
dos direitos humanos no Brasil. Além de assegurar a ampliação
da participação e da representação da
sociedade civil organizada e da maior autonomia e independência
dos conselhos e instâncias de controle social de políticas
públicas e de garantia de direitos, o MNDH apresentou, em
2000, por ocasião da VI Conferência Nacional de Direitos
Humanos, a proposta de criação do Sistema Nacional
de Proteção dos Direitos Humanos. A proposta prevê a
construção de espaços, ações e
instrumentos articulados e complementares, em todos os níveis
de governo e com o envolvimento dos diversos poderes do Estado, no
sentido de agir, de forma integral, na proteção dos
Direitos Humanos.
Entre outras medidas necessárias e urgentes, está a
revisão e adequação do Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana aos Princípios de Paris. Fundamentalmente, é necessário
garantir maior autonomia e independência, ampliar a participação
da representação da sociedade civil e dotá-lo
de recursos que permitam sua ação permanente, a fim
de que possa agir na promoção e garantia dos direitos
humanos em seu conjunto. Além disso, o Programa Nacional de
Direitos Humanos precisa ter força interna no governo, capaz
dearticular efetivamente a ação dos diversos órgãos
e, sobretudo, ser completado com uma dinâmica de monitoramento
permanente e de avaliação e atualização
periódicas.
A sociedade civil brasileira,
por meio das diversas organizações
que atuam no campo dos direitos humanos, está disposta a participar
do processo de construção e de efetivação
de instrumentos e mecanismos de promoção e proteção
dos direitos humanos, apresentando propostas concretas e estando
aberta à discussão. No entanto, entende que as mudanças
precisam ser feitas numa lógica de qualificação
da ação do Estado em matéria de direitos humanos,
mais do que como simples ações de governo.
5 – O QUE ESPERAMOS
DO GOVERNO BRASILEIRO
O governo brasileiro precisa
dar alguns passos significativos no sentido de tornar os direitos
humanos o centro da política
de ação do Estado.
APRIMORAMENTO DA PROTEÇÃO
DOS DIREITOS HUMANOS
Por mais que o Estado
brasileiro reconheça os direitos humanos,
ele precisa atuar tanto na sua promoção quanto na sua
proteção. Para isso, é necessário aprimorar
os instrumentos institucionais encarregados para tal e, além
disso, dotá-los de uma lógica sistemática e
permanente.
Neste sentido, é urgente a reformulação do
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, estabelecendo um
grupo de trabalho bipartite, com participação de representação
governamental e da sociedade civil. Este grupo vai estudar o projeto
de lei que tramita no Senado Federal a fim de qualificá-lo,
tomando em conta as várias propostas de emenda já apresentadas
por entidades da sociedade civil.
Além disso, é necessário construir uma metodologia
de monitoramento, avaliação e aprimoramento permanente
do Programa Nacional de Direitos Humanos e de sua implementação.
Essa tarefa haverá de ser cumprida, de modo especial, pelo
novo Conselho Nacional de Direitos Humanos, mas que, por ora, pode
ser preparada, pelo menos, como proposta de sistemática.
É preciso, também, que o governo dê atenção à proposta
de construção do Sistema Nacional de Direitos Humanos,
a fim de, com ampla participação da sociedade civil,
se chegue à sua efetiva criação.
GARANTIAS DE ACESSO AOS DIREITOS
Na perspectiva da realização dos direitos, é necessário
que o governo adote uma postura clara para articular as diversas
ações em políticas públicas, no sentido
de serem perpassadas pelos direitos humanos, e que a prioridade social
esteja à frente da prioridade fiscal.
O Brasil tem que fazer
uma opção clara de distribuir
a renda e a riqueza. Sem medidas objetivas e diretas que possam fazer
com que o País supere sua submissão aos interesses
de agiotas do mercado financeiro, não será possível
investir maciçamente em políticas públicas que
venham romper o ciclo crescente de ampliação da desigualdade.
Somente assim será possível avançar efetivamente
na realização dos direitos humanos em geral.
A adoção de medidas concretas para proteção
das populações vulneráveis e historicamente
alijadas do acesso aos direitos fundamentais, seja com políticas
estruturais de inclusão, seja com medidas compensatórias
e reparadoras, nos casos necessários e de maior emergência, é urgente
e necessária. Mas essas políticas precisam ser fortemente
articuladas e complementares entre si, além do fato de que
só têm sustentabilidade se forem implementadas na perspectiva
dos direitos humanos, da afirmação da cidadania e da
participação ativa destes setores. Medidas de cunho
compensatório, assistencialista e paternalista são
.inadequadas.
É preciso ainda que os mecanismos de estabelecimento de metas,
de monitoramento e de avaliação das políticas
implementadas sejam aperfeiçoados e possam garantir ampla
participação da sociedade civil, organizada. O fortalecimento
e a ampliação dos órgãos de controle
social e de participação autônoma da sociedade
civil são fundamentais.
Outro avanço fundamental está no aperfeiçoamento
das condições de acesso à Justiça e na
qualificação das demandas e da jurisprudência
em matéria de direitos humanos, especialmente quanto aos direitos
econômicos, sociais e culturais.
REVISÃO DOS COMPROMISSOS
QUE COLIDEM COM OS DIREITOS HUMANOS
A proteção dos direitos humanos passa também
pela sua vigência em todos os compromissos que o País
assume, tanto em nível interno quanto externo. Para efetivamente
caminhar na perspectiva dos direitos humanos, é necessário
que eles sejam um parâmetro objetivo de orientação
do conjunto das ações do governo e que orientem também
as ações do setor privado e da sociedade em geral.
Não é possível concordar, em hipótese
alguma, em que os direitos humanos não sejam parâmetro
de garantia em qualquer dos compromissos assumidos pelo País.
Neste sentido, o Brasil
precisa adotar um posicionamento claro de defesa das cláusulas de direitos humanos em todos os acordos
internacionais, especialmente os comerciais. Particularmente, os
processos de integração econômica dos quais participa – tanto
o Mercosul quanto a ALCA – precisam ser perpassados pela garantia
de medidas que objetivamente garantam os direitos humanos. Nesta
perspectiva, em termos interamericanos, a defesa da adoção
de uma Carta Social Continental emerge como prioridade estratégica
fundamental.
Além disso, é necessário um posicionamento
mais objetivo e contrário do governo brasileiro na Organização
Mundial do Comércio quanto à proposta de liberalização
dos serviços. Em grande medida, o assunto tem relação
direta com os instrumentos públicos disponíveis no
País para a realização dos direitos humanos.
Outro aspecto fundamental é que o governo brasileiro precisa
assumir uma postura de defesa da soberania e da autodeterminação
das nações e dos povos na América Latina, no
sentido de não sucumbirem às ordens e aos atropelos
dos senhores da atual etapa do imperialismo.
O
governo brasileiro precisa assumir uma
postura mais clara e protagonista no
cenário internacional, especialmente
com o objetivo de tornar mais fortes
os organismos internacionais de proteção
dos direitos humanos. A globalização
exige que as instituições
e organismos multilaterais (ONU, OEA
e seus órgãos de proteção
dos direitos humanos) sejam amplamente
fortalecidos.
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