Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
 
 Direitos Humanos
 Desejos Humanos
 Educação EDH
 Cibercidadania
 Memória Histórica
 Arte e Cultura
 Central de Denúncias
 Banco de Dados
 MNDH Brasil
 ONGs Direitos Humanos
 ABC Militantes DH
 Rede Mercosul
 Rede Brasil DH
 Redes Estaduais
 Rede Estadual RN
 Mundo Comissões
 Brasil Nunca Mais
 Brasil Comissões
 Estados Comissões
 Comitês Verdade BR
 Comitê Verdade RN
 Rede Lusófona
 Rede Cabo Verde
 Rede Guiné-Bissau
 Rede Moçambique

 

A Violência Policial e a Questão Social 

Leonardo Boff[1]

 

É notório que a questão social foi durante muito tempo tratada como questão policial. Em muitos lugares no Brasil se alguém é portador de algum dos seguintes ps (pobre, preto e prostituta) é pela polícia preso e, não raro, antes que qualquer pergunta, vítima de violência física. A freqüência sistemática de tais fatos têm exigido dos centros de defesa dos direitos humanos, entendidos especialmente como direitos dos pobres e oprimidos, vigilância e acusação de policiais. Mesmo punidos e, em casos mais graves, expulsos da corporação, não tem diminuído significativamente a violência policial. 

Para se entender tal persistência importa fazermos uma reflexão cultural, pois, ao largo do tempo, se criou e se cultivou uma cultura da violência policial. Ela pressupõe que os pobres e as pessoas das classes populares não sejam cidadãos ou possuam uma cidadania menor. A luta dos centros de direitos humanos não é somente pontual, denunciando os casos concretos de violação, mas entende cultural, no sentido de visar a gestação de uma consciência de cidadania, de direitos inegociáveis do cidadão e de estabelecimento de práticas policiais que se adeqüem a essa consciência, a defendam e a consolidem.

O fato cultural que importa conscientizar é o seguinte: durante quatro séculos temos convivido com a escravidão. É um verdadeiro modo de produção, o escravagista. Ele implica a redução do outro a carvão a ser consumido no processo produtivo, rebaixado a peça, a simples escravo, com o senhorio de vida e de morte por parte dos senhores sobre seu destino. Esta anti-realidade social criou nas elites uma subjetividade coletiva altamente perversa. Elas criaram a mentalidade de que o negro, o pobre e o povo em geral nada valem, de que devem ser tratados com violência, porque sempre foi assim, de que, na verdade, não deveriam receber um salário mínimo, pois historicamente sempre estiveram a serviço gratuito dos senhores. Estes entendem o salário mínimo pago a eles como um ato de generosidade e não de justiça. A violência física contra os pobres e negros vem precedida pela violência mental que discrimina, nega o direito de cidadania e não lhes reconhece direitos incondicionais.

Estudos sobre a escravidão urbana dão conta das raízes de alguns hábitos culturais e policialescos hoje ainda existentes. O escravo urbano era alugado por seus donos a terceiros a fim de fazerem serviços de rua. Eram vigiados pela polícia que fazia o lugar dos senhores de escravo. Daí se deriva o hábito da polícia comumente desconfiar dos negros e aplicar-lhes violência quando, por qualquer motivo, os detém( cf. Leila Mezan Algranti, O feitor ausente, Vozes, Petrópolis 1986). Jacob Gorender critica a moderna produção histórico-social que pretende mostrar a escravidão em tons mais benevolentes, ao invés de rebeliões, resistência e acomodação (A escravidão reabilitada, Ática, S. Paulo 1990). No povo, não nas elites poderosas, prevaleceu o espírito de conciliação que atenuava os antagonismos raciais e sociais. Se a massa indígena e negra, mestiça e cabocla - nos ensina o grande historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma, um desafio histórico-cultural, Civilização Brasileira, Rio l965, p.30) - era nas relações humanas essencialmente conciliadora, era, entretanto inconciliável nas relações políticas. Mostraram um rude inconformismo que gerou grande derramamento de sangue, a ponto de Capistrano de Abreu escrever que no fim do período colonial, “o povo foi capado e recapado, sangrado e ressangrado”. Portanto, o regime escravocrata não foi cordial, na linha do patricialismo projetado por Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala, mas foi cruel e sem piedade. Foi mérito de Gorender ter destruído este imaginário mistificador e reincidente através de dados e de interpretações irrefutáveis.


Temos apenas um século sem escravidão, tempo curto ainda para desfazer e desatar o nó construído ao longo de séculos, nó que continua a sustentar por parte da polícia e de estratos da classe proprietária hábitos de violência e de discriminação. Através da educação para a cidadania a ser ministrada em todas as escolas, grupos de base e movimentos sociais, mediante a denúncia sistemática das violações dos direitos dos pobres e negros baseada nos preconceitos e mediante a cobrança de sua punição lentamente pode-se esperar a instauração de uma cultura do respeito das diferenças e do cuidado pelos direitos de cada cidadão.


[1] Presidente de honra e fundador do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis, RJ. 

Desde 1995 © www.dhnet.org.br Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: enviardados@gmail.com Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Notícias de Direitos Humanos
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
História dos Direitos Humanos no Brasil - Projeto DHnet
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Memória e a Verdade
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multimídia Memória Histórica Potiguar