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BATISMO DE SANGUE

PREFÁCIO DO LIVRO 

 

Considero privilégio aceitar o convite do editor Sérgio Pinto de Almeida e, assim, poder fornecer aos leitores e amigos alguns dados que põem em relevo o Batismo de Sangue.

O testemunho de Frei Betto é de per si um relato que faz parte da história mais dolorosa que ensangüentou o Brasil e o tornou conhecido em muitas partes do mundo.

O que posso acrescentar é uma experiência pessoal e profundamente marcante na minha própria vida. Acompanhei, desde o início, as atividades humanitárias deste meu irmão dominicano, Frei Betto. Por ele, também cheguei a conhecer a generosidade de seu pai e a criatividade múltipla de sua bondosa mãe.

A repressão militar escolheu justamente as pessoas mais democráticas e ativas de nossa sociedade civil e religiosa. No momento em que tomei posse como arcebispo da Arquidiocese de São Paulo, encontravam-se presos uns quinze religiosos e nenhum deles mereceu a condenação que atingiu os meus confrades dominicanos de maneira tão injusta e pesada. Tive a prova desses fatos quando fui encarregado por sua eminência o cardeal dom Agnelo Rossi a visitar os presos dominicanos, desta vez inteiramente separados das demais pessoas que lutavam por um Brasil justo e novo. Apesar de estar revestido de todas as insígnias episcopais, fui recebido por um verdadeiro batalhão de guardas, tendo que identificar-me sempre.

A cena que se abriu naquele momento diante de meus olhos ficará gravada até os últimos instantes de minha vida. Creio que não era apenas a imagem de um batismo de sangue, mas de uma verdadeira crucificação dos justos que combatiam um regime injusto. Acompanhado por Frei Gilberto Gorgulho, identifiquei, na hora, o colega de Frei Betto chamado Frei Tito de Alencar Lima. Estava ele de bruços e, assim mesmo, pude acompanhar o fluxo de sangue que lhe escorria do corpo. Perguntava-me então eu, naquela hora, se não seria ele o Cristo que deu a última gota de sangue para salvar a humanidade e restituir-lhe a liberdade com que Ele nos libertou.

Frei Betto, com a agilidade, a experiência e sua capacidade invulgar, soube transmitir-me todo o drama que envolvia a vida dos quatro confrades meus, prisioneiros marginalizados naquela hora. Apesar de cada palavra ter sido anotada por nossos guardas infatigáveis, na escuta de qualquer termo comprometedor, pude levar a sua mensagem não só ao cardeal, mas a todos os amigos.

Um segundo encontro, além de outros, é especialmente revelador: com gesto bem calculado, Frei Betto me apontou um prisioneiro do Tiradentes que nos observava pela janela.

– Se o senhor nada fizer por ele, amanhã ele estará morto.

Voltei de imediato para a Cúria Metropolitana e convidei meu bispo auxiliar e grande amigo, dom Benedito de Ulhoa Vieira, para alertarmos, juntos, as autoridades responsáveis pelos presos em nossa cidade e Estado. Tanto o procurador geral de Justiça quanto o governador não nos deram crédito, mas, pouco tempo depois, pude verificar, pelos jornais, que aquele preso, de quem eu gravara muito bem os traços, era apresentado como um bandido morto no Horto Florestal de São Paulo. A profecia de Frei Betto me provou que ele, mesmo preso, cuidava de todas as demais pessoas batizadas pelo sangue. Ao reclamar desse fato por escrito ao governador, este me respondeu: “Se o senhor não der crédito ao governador, já não temos mais nada a conversar.”

Faz parte de nossa libertação e da reconquista de nossa honra registrar aqui que o grande escritor Frei Betto não deixou de conversar. Soube levar até Roma e a tantas outras partes do mundo a crueldade que vinha sendo o batismo de sangue de tanta gente honrada deste Brasil sofrido sob as botas da ditadura militar.

Deixo de contar outros fatos para levar o leitor a conferir, ele mesmo, o que tantas vezes experimentei durante os vinte e dois anos de regime absoluto, para não dizer cruel, desta última ditadura total.

Que esta nova edição, com os acréscimos de dados, revelações e histórias, possa perpetuar a memória de muitas pessoas honradas que lutaram pela democratização do país e pela convivência mais justa de nossos concidadãos. Quem tortura uma pessoa acaba torturando toda a humanidade, como já dizia um mártir dos direitos humanos na América do Norte.

Que Frei Betto continue sua imprescindível colaboração para um Brasil mais solidário e mais livre e dê a muitos jovens a ocasião de analisarem em que consiste a verdadeira cidadania. E que Deus nos preserve de males semelhantes àqueles que tivemos que suportar num passado recente. Afinal, somos todos filhos do pai celeste e trazemos em nós o sopro divino da dignidade.

 

 São Paulo, 7 de abril de 2000

Paulo Evaristo, Cardeal Arns

 Arcebispo Emérito de São Paulo


Nota do Editor

O procurador geral de Justiça do Estado citado por   dom Paulo Evaristo Arns é Oscar Xavier de Freitas,   o governador, Laudo Natel, e o mártir dos direitos humanos na América do Norte, Martin Luther King. Não foi possível   identificar quem era o homem encontrado morto no   Horto Florestal de São Paulo

 

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