AMELINHA
TELLES
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos
Ao falar em nome da Comissão de
Familiares de Mortos e Desaparecidos
Políticos gostaria de estender esta
homenagem aos inestimáveis
companheiros e companheiras
presentes neste auditório que
lutaram bravamente contra a tortura
durante a ditadura militar. Hoje,
quem está sendo homenageado não são
somente os familiares dos mortos e
desaparecidos políticos
mas
também toda a sociedade brasileira.
Esta homenagem e este prêmio são da
sociedade brasileira, é de todos que
tem a coragem de denunciar as torturas
que acontecem ainda hoje nas prisões
e delegacias desse país. A prisão e
assassinato de inúmeros militantes do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra são um exemplo disso. Por isso
essa luta é muito nossa, ela é
urgente e necessária. Nesse sentido
gostaria de fazer uma referência a
uma reportagem publicada no jornal
“O Estado de São Paulo” na qual o
Comandante do Exército, General
Cleuber Vieira, diz que aqueles que não
estão ligados diretamente aos mortos
e desaparecidos políticos e que falam
do assunto, estão fazendo
proselitismo e politicagem. Esse
general se engana completamente,
porque nossos companheiros (as) não
morreram por nós, mas por todos, por
toda a sociedade. Esse general está
enganado também quando diz que o
Grupo Tortura Nunca Mais exagerou ao
identificar 27 mil agentes de informação
existentes no país desde a ditadura
até os dias atuais. Os números estão
corretos. Ele se esqueceu que o Exército
mobilizou a Aeronáutica, a Marinha, a
Polícia Federal, as Polícias Civil e
Militar, além de mobilizar agentes da
sociedade civil, que estavam
infiltrados nas universidades, nas
fundações, nas estatais e nos meios
decomunicação.
Foram muitos os que criaram esse
estado de terror, o SNI (Serviço
Nacional de Informação), que nada
mais é do que uma rede de espionagem
para perseguir cidadãos de bem. O que
se criou neste País foi um verdadeiro
estado de terror em que todas as
pessoas passaram a ser suspeitas,
negando-lhes o direito de defesa. O
mais grave é que essa rede de
espionagem se mantém até hoje através
da ABIN (Agência Nacional de Informação),
criada recentemente pelo governo
federal, na qual se abrigam inúmeros
torturadores.
Muitas vezes, quando falo de tortura e
espionagem as pessoas pensam que estou
falando de algo que já passou. Não,
a impunidade ainda não acabou e nós
familiares de mortos e desaparecidos
políticos, juntamente com as diversas
Comissões de Direitos Humanos, a
temos denunciado constantemente, pois
não podemos construir a história
desse país mantendo impunes pessoas
que torturaram, reprimiram e mataram.
Assim como no passado, precisamos
erguer nossa voz e transformarmos
nossa dor em bandeira de luta para que
sejam respeitados os direitos humanos
neste país.
Há ainda inúmeras lutas do passado
que ainda não terminaram. A luta pela
identificação das ossadas
encontradas na Vala Comum do Cemitério
de Perus em São Paulo é uma delas.
Quando foi aberta essa vala continha
1.500 ossadas, sendo um terço delas
de crianças com menores de 10 anos.
Até hoje não foi possível
identificar completamente essas
ossadas. Mil e quarenta e nove foram
catalogadas e enviadas à Unicamp. Na
época diziam que estávamos fazendo
politicagem, o que, aliás, dizem até
hoje. Graças à nossa luta dois
presos políticos, Denis Casemiro e
Frederico Eduardo Mayr, foram
identificados e sepultados em 1991 e
1992 respectivamente.
A partir de 1993, quando a Luíza
Erundina deixou o governo, começaram
as dificuldades, interrompendo-se
nosso diálogo com a Unicamp. Em 1996,
graças ao Jornal “O Globo”, que
mostrou a companheira Maria Lúcia
Petit morta com seu corpo enrolado num
pára-quedas do Exército, tivemos
todas as facilidades para que seu
corpo fosse identificado. De lá para
cá, contudo a Unicamp alegou não ter
condições técnicas para dar
continuidade à identificação das
ossadas. Além disso, tivemos inúmeros
problemas com o IML (Instituto Médico
Legal) que abrigava médicos que
compactuaram com a ditadura.
Ao todo foram identificadas na Unicamp
sete ossadas que representam as
seguintes pessoas: Luís José da
cunha, Hiroaki Torigoi e Flávio de
Carvalho Molina. Temos certeza que há
outros companheiros e companheiras a
serem ainda identificados, tais como
Dimas Casimiro, Grenaldo de Jesus,
Francisco José de Oliveira, entre inúmeros
outros desaparecidos nos anos de 1971
e 1972 na cidade de São Paulo.
Nossa luta está apenas começando e
para que ela seja vitoriosa precisamos
do apoio de todos.
|