A briga
entre Brasil e Argentina
e o risco para o Mercosul
De olho em
resultados imediatos, Cavallo põe em risco o Mercosul e ameaça a
unidade do bloco econômico que poderia negociar com sucesso os
interesses latino-americanos no tabuleiro da geopolítica mundial
João
Paulo Charleaux 22, jornalista da equipe da Oboré e
correspondente da Agência Pulsar do Equador no Brasil
Desde o dia cinco de julho
estão oficialmente suspensas as negociações entre Brasil e
Argentina sobre os pontos divergentes de comércio exterior.
A atitude foi tomada pelo Ministério da Fazenda, do Desenvolvimento e
das Relações Exteriores do Brasil depois que o ministro da Economia
argentina, Domingo Cavallo, referiu-se ao seu principal parceiro econômico
na América Latina como um “elefante”, numa palestra a industriais
italianos, em Roma.
É bem verdade que o adjetivo foi originalmente usado pelo empresário
italiano que dirigiu uma pergunta sobre o Brasil ao ministro Cavallo,
o que poucos jornais brasileiros se preocuparam em explicar. É
verdade também que, em nome da diplomacia recomendável em momentos
de tormenta como este, o experimentado ministro argentino poderia ter
se esquivado da provocação.
Além do simbolismo desta picuinha pontual, a atitude que desagradou
profundamente o governo Cardoso foi a eliminação dos incentivos aos
produtos de informática, automotivos e de telecomunicações
provenientes do Brasil, o que desrespeita as regras do comércio
bilateral. Com esta medida, Cavallo igualou o Brasil a qualquer outro
país do mundo e jogou no lixo pelo menos dez anos de negociação,
impondo aos exportadores brasileiros um prejuízo estimado em US$ 1
bilhão por ano.
Depois dos primeiros capítulos da novela ficou evidente que os dois
principais países do Mercado Comum do Cone Sul vivem um dos piores
momentos de sua recente história de cooperação econômica. Brasil e
Argentina chegaram num ponto de desentendimento onde um passo em falso
pode pôr em risco todo o esforço de construção do Mercosul.
Parece complicado para quem acompanha o noticiário à distância.
Parece pouco relevante para quem se preocupa com o que vai (ou não)
comer no dia seguinte.
Para os primeiros, basta uma conta: o Brasil exportou no ano passado
US$ 1,7 bilhão só de produtos de informática e telecomunicações.
Desse total, US$ 680 foi para a Argentina. Essa mesma conta projetada
nos volumes negociados este ano, numa regra de três, chega ao tal
“x = 1.000.000.000,00”. Olhando assim, com todos os zeros, vê-se
até graficamente que é muito dinheiro.
Para quem acha que o Mercosul é uma cartel latino-americano de meia dúzia
de empresários vale lembrar: o mundo de relações comerciais
globalizadas é regra. O que se discute é como participar desse
cassino: se como jogador ou garçon; dando a chave de casa para as
grandes potências, ou obrigando a visita a bater na porta; apertando
a mão ou beijando os pés, enfim, em parceria ou por exploração.
O mercado comum que conta com Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai
tem sido uma das principais trincheiras econômicas contra a
voracidade da economia global dos americanos, tem o potencial de
converter-se em um mercado coeso e potente no jogo de barganha global
com os EUA e a União Européia, em mas isto pode mudar. Com o
enfraquecimento do Mercosul, os Estados Unidos têm convencido países
como o Chile e a própria Argentina à priorizarem a formação da
Alca (Área de Livre Comércio das Américas), um mercado onde,
certamente, os norte americanos teriam maior influência.
O enfraquecimento da economia argentina coloca toda a América Latina
sob suspeita para investimentos estrangeiros, inflaciona o coeficiente
de risco auferido pelas auditorias internacionais (a Argentina já está
em 1.165 pontos, entrando na zona de “default”, com risco de
suspensão de pagamentos), eleva juros e faz a cama para milagreiros,
saqueadores e sebastianistas de plantão.
Domingo Cavallo está à frente da economia argentina pela segunda
vez. Desde que voltou, há três anos, não conseguiu apresentar
resultados práticos. Pelo contrário, colocou a Argentina nas mãos
do FMI e do Banco Mundial, reforçou a política de dolarização e
criou um clima ainda maior de instabilidade, colaborando para a elevação
dos juros, do dólar e da dependência dos países do Cone Sul de
investimentos especulativos estrangeiros.
Tudo isso acontece em um momento de ventos favoráveis para as relações
entre o Mercosul e a União Européia, um mercado tão fechado e tão
voraz quanto o americano, mas que, por isso mesmo, pela equivalência
de potências, desenhava-se como um parceiro promissor, com apenas um
detalhe: os mais recentes e positivos tratados com a União Européia
–
parece óbvio, mas pouca gente tem dito – só funcionam com o
Mercosul inteiro e não em frangalhos, com a Argentina para um lado e
o Brasil para o outro.
Portanto, o fracasso do Mercosul é o fracasso da última grande
tentativa de união latino americana para fazer frente aos dois outros
grandes blocos exploradores.
Num século que tem sido anunciado como o período de valorização
das reservas de água potável e biodiversidade, seria triste ver a o
bloco dos países mais promissores ruir com um coice desastrado de
Cavallo.