O Mercosul
Por
meio do Tratado de Assunção, firmado na capital paraguaia, em 26 de
março de 1991 (e em vigor desde 29 de novembro do mesmo ano),
instituiu-se o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), tendo como parceiros
fundadores a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai. Esse processo
integracionista, restrito a uma zona de livre comércio na sua fase de
transição (199111994) e que, desde 10 de janeiro de 1995 (pelo
Protocolo de Ouro Preto), se situa como uma união aduaneira imperfeita,
tem por objetivo derradeiro a construção de um mercado unificado entre
os seus membros. O Tratado está aberto à adesão dos demais países da
ALADI, após cinco anos de sua entrada em vigor, exceção feita aos que
não fazem parte de esquemas de integração sub-regional ou
extra-regional, os quais poderão ser aceitos antes do citado prazo
(artigo 20, parágrafo 20). Nesta última hipótese se encontrava o Chile,
que aderiu em 25 de junho de 1996, por meio de um Acordo de
Complementação Econômica (em vigor desde 10/10/96). A Bolívia também
se associou, firmando acordo suplementar na mesma data (26/06/96), com
vistas a lograr sua entrada, mas renegociado em 17 de dezembro de 1996
(Reunião de Cúpula dos Presidentes — Fortaleza) e entrando em vigor
somente a partir de 1” de março de 1997. Em ambos os casos se prevê a
formação de uma área de livre comércio entre as partes contratantes no
prazo máximo de dez anos. E embora o Chile tenha uma participação mais
intensa do que a Bolívia no âmbito mercosulista, ambos os países têm
firmado vários instrumentos de cooperação internacional, como os
acordos sobre extradição e arbitragem comercial.
O
surgimento do MERCOSUL, já foi demonstrado, verificou-se no estuário de
uma ampla conjugação de esforços e experiências ao longo do tempo, e
até mesmo da conquista de maior maturidade dos países platinos,
especialmente Brasil e Argentina, no âmbito das diretrizes da ALADI
(Tratado de Montevidéu, 1980), mas seguramente inspirado no sucesso das
comunidades européias, que já ultrapassaram os estágios a que se
propõe o Diploma assunceno e constróem hoje uma união econômica e
monetária (nos termos do Tratado de Maastricht, 1992).
Na
realidade, como causa mais imediata de sua constituição, temos o
processo de estreitamento das relações bilaterais entre Brasil e
Argentina, superando os desentendimentos decorrentes da construção da
Hidrelétrica de Itaipu (anos 70) e as posturas geopolíticas da época
dos regimes militares (até meados dos anos 80). Nesse particular,
extremamente relevante foi a Declaração de Iguaçu, assinada pelos
presidentes argentino e brasileiro, em 30 de novembro de 1985, sinalizando
um processo de integração econômica bilateral. Os trabalhos da
Comissão Mista, encarregada de operacionalizar meios para atingir os
desideratos ali preconizados, proporcionaram a Ata para a Integração
Argentino-Brasileira (29/06/1986) e um programa especifico (PICE) que
gerou 24 protocolos setoriais, entre 1986 e 1989. São dessa fase, ainda,
a Ata de Amizade Argentino-Brasileira, Democracia, Paz e Desenvolvimento
(10/12/1986), a Ata de Alvorada — Decisão Tripartite n. 1 (06/04/1988
— prevendo a incorporação do Uruguai), o Tratado de Integração,
Cooperação e Desenvolvimento (29/11/1988) e a Ata de Buenos Aires
(06/07/1990 — estabelecendo um mercado comum bilateral para fins de
1994).
Esclareça-se
que o citado Tratado de Integração, de 1988, estipulava um espaço
econômico comum entre Brasil e Argentina no prazo de dez anos e a
harmonização, nesse tempo, de várias políticas (desde aduaneiras até
de comunicações) imprescindíveis à conformação de um mercado
comum, o que foi reduzido para um período máximo de cinco anos pela
Ata de Buenos Aires, de 1990 — que propugnava um mercado comum até 31
de dezembro de 1994 e criava o (ainda bilateral) Grupo Mercado Comum. E
ainda em 1990 (dezembro), esses mesmos países firmaram, no foro da
ALADI, o Acordo de Complementação Econômica n. 14, que entrou em vigor
em 10 de janeiro de 1991, com o que se registrou, naquela Associação, o
programa de liberação comercial arrolado no Tratado de Integração de
1988 e também restaram consolidados os protocolos firmados desde
1985.
4.1
O MERCOSUL NA FASE DE TRANSIÇÃO (1991-1994)
Em
1991, chegou-se ao Tratado de Assunção, que definiu as condições
gerais para a vigência do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), com a
inserção do Paraguai e do Uruguai que, desde meados de 1990, já
buscavam participar dessa empreitada. Nascia, assim, um promissor consórcio
que, consoante SERGIO FLORENCIO e ERNESTO ARAUJO, se assenta sobre tripla
base: jurídica (Tratado da ALADI), política (redemocratização
regional) e econômica (potencialidade dos parceiros)35.
O
Tratado de 1991, com apenas 24 artigos, pode ser classificado como um
tratado-marco, caracterizado por alguns elementos contratuais, vários
preceitos programáticos e um caráter provisório expressamente declarado
(artigos 10 e 30) Naturalmente, não é um texto que se compare ao Tratado
de Roma (1957), que instituiu o então mercado comum europeu, embora
também propugne por sérios objetivos integracionistas. Evidentemente, o
documento multilateral que lançou as bases para a atual União Européia,
em que pese ter servido de inspiração, difere em muito do TA, pois
este não comporta nenhum procedimento e/ou aspectos normativos do tipo
comunitário, tampouco prevê organismos supranacionais. Do ponto de vista
comparativo, o instrumento instituidor do MERCOSUL se parece mais com a
Convenção BENELUX, concluída em Londres, em 1944 (complementada pelo
Protocolo de Haia, de 1947), que estabeleceu uma união aduaneira entre
Bélgica, Holanda e Luxemburgo.
Assim,
quanto a sua natureza, o TA é um tratado internacional, incorporado à
ALADI (e por via desta à OMC), para fins de cumprimento de compromissos
internacionais dos Estados signatários, sinalizado por muitos autores
como uma nova espécie de tratados, os “tratados-marco”. E o que se
pode deduzir, por exemplo, dos comentários de GARRE COPELLO:
“Las
relaciones internacionales contemporáneas han determinado ei surgimento
de una nueva clase de tratados, denominada tratados-marco (...). Los
tratados-marco fijan objetivos com unes a ser concretados enfonna
evolutiva y mediante programas conjuntos; tienen escasas normas básicas
obligatorias, principios genéricos no desarrolíados en detaíles y
orientaciones sobre políticas a seguir. Son esos tratados-marco los
utilizados para poner en marcha empresas colectivas como es ei caso de los
procesos de integración econômica”.
Seja
aceitando-se essa classificação, ou empregando-se a tradicional, que
descortinaria no Tratado Assunceno um caráter eclético, contendo
elementos contratuais e legislativos, além de normas programáticas, o
que mais importa ao nosso estudo é verificar que o Tratado encerra
objetivo basicamente econômico — até porque econômico é o conceito
de mercado comum —, mas alargando-se para áreas as mais diversas (como
a social e cultural), bem como um projeto político de grande envergadura
— já que toda a integração econômica se origina e se fundamenta em
vontade política. Buscar a integração econômica é, em si mesmo, um
objetivo político. E os meios para que essa integração seja alcançada
são políticos e jurídicos. Por isso, como na experiência das
Comunidades Européias, não é aceitável contrapor-se, como se opostas,
a integração econômica e a integração política. Eis o entendimento
que deveria estar na mesa das negociações do MERCOSUL, seja antes ou
depois de 1994 — quando o Protocolo de Ouro Preto buscou complementar os
termos do “Tratado-Mãe”.
Não
passa despercebido que a ultima ratio do Tratado é a criação de um
mercado comum, a se consubstanciar até 31 de dezembro de 1994. E o
Tratado estabelece o caminho, o método e o conteúdo do processo para
se chegar a tamanho objetivo. Na verdade, não o cria, mas condiciona como
se chegar a ele. E prevê que isso se resolva durante o que chama de
período de transição, no entremeio de sua assinatura até o final de
94, fortemente demarcado no artigo 1~ e em outros dispositivos (v.g., arts.
30, 50, 90, 16 e 18). Do que se depreende que o TA também guarda a
característica da transitoriedade, a ensejar no mínimo sua
complementação (via protocolo adicional) em momento oportuno — o que
se confirmou com o Protocolo de Ouro Preto, embora frustrado o desiderato
maior.
Também
não cabe dúvida que esse protocolo complementar ou tantos outros quanto
necessários, tal como veio a ocorrer com o de Ouro Preto, deverão ser
firmados pelo Poder Executivo dos países consorciados e por ele
ratificados, desde que previamente aprovados pelo Poder Legislativo. Sem
este requisito, não teriam existência jurídica para o Brasil, o que
por si só evidencia as limitações jurídicas do modelo, em que pese as
altas destinações do Tratado de Assunção, do que se tratará
pormenorizadamente na Parte IV.
Para
a sua fase transitória, o Tratado originário dotou o MERCOSUL de dois
órgãos decisórios (artigo 90), todos de nível intergovernamental: o
Conselho do Mercado Comum (CMC) e o Grupo Mercado Comum (GMC), cujas
decisões são tomadas por consenso e com a presença de todos os
Estados-Partes (artigo 16). Além disso, foi prevista uma Comissão
Parlamentar Conjunta (artigo 24). Vinculados ao GMC, por força do Anexo V
do TA, passaram a funcionar dez Sub-grupos de Trabalho (depois, 11). E
mais, a fim de favorecer a concretização do arcabouço delineado,
permitiu-se aos Estados-membros: um Regime Geral de Origem — com o que
se diferenciavam, por questões tarifárias, os produtos originários ou
não da região; um Sistema de Solução de Controvérsias — a ser
convencionado à parte; e, Cláusulas de Salvaguarda — por meio das
quais se definiram limitações temporárias às importações de certos
produtos (artigo 30 e Anexos 1, II e III).
O
Conselho, órgão superior do bloco, passou a ter uma presidência
rotativa (a cada seis meses). Já o Grupo Mercado Comum, como responsável
pela operacionalização do processo, foi contemplado com uma Secretaria
Administrativa, com sede em Montevidéu. E investiu-se o governo do
Paraguai como depositário do referido Tratado.
Observe-se
que o Tratado de Assunção não somente declara a intenção de assegurar
um verdadeiro mercado comum entre os países envolvidos como define
cristalinamente as metas para sua implantação (artigo 1º), assim
resumidas: a) livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos
(capital e trabalho), mediante a eliminação dos direitos
alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de
mercadorias; b) tarifa externa e política comercial comuns, em relação
a terceiros Estados ou agrupamento de Estados; c) condições adequadas de
concorrência entre os Estados-Partes, mediante a coordenação de suas
políticas macroeconômicas e setoriais; d) harmonização das
legislações dos Estados-Partes, nas suas áreas pertinentes, para lograr
o fortalecimento do processo de integração.
Para
tanto, elegeram-se alguns instrumentos nesse período transitório,
especialmente um Programa de Liberação Comercial38 (art. 50)
reconhecendo-se diferenças de ritmo na sua implementação, ou seja, o
Paraguai e o Uruguai teriam doze meses a mais para a eliminação das
barreiras (até 3 1/12/1995 — conforme Anexo 1 do TA). E, ao longo
desses quatro anos, os seus órgãos decisórios demonstraram operosa
produção: o CMC contabilizou 16 decisões em 1991, 11 em 1992, 13 em
1993 e 29 em 1994; e, o GMC aprovou 12 resoluções em
1991,
67 em 1992, 93 em 1993 e 131 em 1994. E foram criadas, dentro das mesmas
finalidades, a Reunião de Ministros de Economia e Presidentes de Bancos
Centrais, a Reunião de Ministros da Educação, a Reunião de Ministros
da Justiça, a Reunião de Ministros do Trabalho, da Agricultura, da
Cultura e da Saúde.
De
1991 até fins de 1994, novos documentos foram sendo agregados ao processo
oficializado em Assunção, inclusive para operacionalização dos
objetivos contratados, dentre os quais destacam-se: a) Protocolo de
Brasília, de 17 de dezembro de 1991, sobre procedimentos de solução de
controvérsias quanto ao TA (incluindo um Tribunal arbitral ad hoc); b)
Cronograma de Las Lenãs (Decisão 01/92 — CMC), aprovado em 27 de junho
de 1992, no Vale do mesmo nome (Argentina), ao cabo da II. Reunião do
Conselho do Mercado Comum e VI do Grupo Mercado Comum, com a
participação dos mandatários dos países do bloco, sistematizando as
tarefas que teriam de ser adotadas para o cumprimento dos objetivos e
metas do MERCOSUL, compreendidas em diversas áreas (desde assuntos
aduaneiros até questões trabalhistas); c) Protocolo de Las Lenãs,
igualmente de 27 de junho de 1992, a respeito de cooperação e
assistência jurisdicional (mútua e ampla) em matéria civil,
comercial, trabalhista e administrativa; d) Decisão da V Reunião do
Conselho do MERCOSUL, adotada em 17 de janeiro de 1994, na cidade de
Colônia de Sacramento (Uruguai), efetuando ajustes no cronograma de
medidas de Las Lenãs em razão de atividades em curso; e) Protocolo de
Buenos Aires, feito na capital argentina, em 05 de agosto de 1994, para
ser aplicado à jurisdição contenciosa internacional em matéria
contratual (de natureza civil e comercial).
Até
aqui, ressalte-se, o MERCOSUL não constituía uma organização
internacional e nem os seus órgãos possuíam personalidade jurídica. A
sua modificação, contudo, já era prevista pelo artigo 18 do Tratado,
que fixara a data de 31 de dezembro de 1994 como limite fatal. Enquanto
perdurou, cabe acrescentar, esse período foi caracterizado por dois
elementos basilares: o desenvolvimento do programa de desgravação
tarifária e a negociação dos instrumentos de política comercial comum.
4.2
O MERCOSUL ENQUANTO UNIÃO ADUANEIRA
Nos
dias 16 e 17 de dezembro de 1994, na cidade mineira de Ouro Preto
(Brasil), em virtude da VII Reunião do Conselho do MERCOSUL, com a
presença dos respectivos mandatários, os parceiros do consórcio
acertaram os passos e decidiram, com início em l~ de janeiro de 1995,
pelo funcionamento conjunto das fases de livre comércio e união
aduaneira (esta, ainda parcial), no âmbito de apregoada fórmula da
integração pragmática e gradual — o que é detectado pelas listas de
adequações e exceções elencadas à margem do universo de produtos
negociáveis.
No
que diz respeito ao livre comércio no interior do MERCOSUL, desde o
início de 1995, cerca de 85% dos 9 mil itens das Nomenclaturas do Mercado
Comum passaram a ser intercambiados com alíquota zero entre os
quatro países do bloco, enquanto que as tarifas dos restantes 15%
deveriam ser adequadas gradualmente para zero (0%) até 1998 (Argentina e
Brasil) e 1999 (Paraguai e Uruguai). Na realidade, face às negociações
ao longo de 1994, permitiu-se aos Estados-Partes manterem a médio prazo
as restrições que ainda existiam (sem poderem criar novas), graças a um
mecanismo chamado de “Regime de Adequação” — prevendo tarifas
provisórias unicamente para os produtos que já constavam das listas de
exceções ou que estavam sujeitos a salvaguardas.
Além
desses, dois outros tipos de produtos ainda estão fora da esfera de livre
comércio: os produtos do setor açucareiro e as mercadorias oriundas
das Zonas Francas (como Manaus, Brasil e Terra do Fogo, Argentina). Por
outro lado, continuam persistindo no âmbito intrabloco outras
pendências, como as restrições não-tarifárias (v.g., proibições e
quotas de importações) e as medidas não-tarifárias (v.g., requisitos
fitozoossanitários). Naturalmente, as RNT precisam ser eliminadas,
enquanto as MNT, harmonizadas.
Quanto
à união aduaneira, ela é identificada pelo acréscimo de uma tarifa
externa comum (TEC) ao processo de livre comércio existente entre os
parceiros. Isso significa que, desde 10 de janeiro de 1995, os integrantes
do MERCOSUL aplicam tarifas idênticas às importações provenientes de
terceiros países, variando de zero a 20%, sem esquecer que elas só podem
ser alteradas de comum acordo — como se deu em novembro de 1997, via
reunião de Ministros da Economia, permitindo-se a elevação das
alíquotas em 3% até dezembro de 2000. Aliás, a entrada em vigor da
TEC também acentua um novo tipo de relaciona mento comercial extrazona,
já que toda e qualquer negociação comercial entre o MERCOSUL e os
demais países ou blocos deve ser conduzida em conjunto pelos quatro
membros fundadores (sistema 4+1).
Essa
questão nos remete a uma mazela típica da região, a recaída
autocrática”, representada pela quebra das regras do jogo em nome de
alguns interesses específicos. Ou seja, quando menos se espera, um dos
founding fathers do consórcio (Brasil — Argentina) se auto-desobriga da
regra 4+1 e passa a negociar individualmente, “esquecido” de que um
processo de integração implica necessariamente preservação diuturna
dos princípios democráticos — que devem gerir não só as relações
de cada governo com sua respectiva população, mas também ser
demonstrados nas atitudes permanentes dos governos entre si. A
“recaída” tem acontecido amiúde, pondo em risco constantemente o
processo integracionista. Exemplo disso verificou-se em abril de 1999,
quando uma reunião de trabalho do MERCOSUL, que seria realizada em Assunção,
foi suspensa em meio a outra crise provocada pelo governo brasileiro, que
decidiu negociar individualmente um acordo de preferências tarifárias
com os países da Comunidade Andina, em desrespeito à decisão de que as
negociações devem se conduzir “bloco a bloco”41. Como já
se afirmou anteriormente, torna-se difícil evoluir no processo
integracionista se os Estados, principalmente o Brasil e a Argentina, não
souberem administrar essa irrefreável vocação à negociação bilateral
em detrimento da convergência comunitária.
Da
mesma forma que o livre comércio intragrupo, também a tarifa externa
comum não é abrangente, comportando limitações assim identificáveis:
a) Bens de Capital — a esses produtos (máquinas e equipamentos) se
aplicará uma tarifa de 14%, mas os países só convergirão a esse
patamar em 2001; b) Informática e Telecomunicações — nesses setores
(computadores, impressoras, centrais telefônicas) a tarifa ficará em
16%, a ser atingida em 2006 (o Brasil descerá de um patamar de 35%, os
demais subirão de 0%); c) Listas de exceções nacionais —
proporcionou-se a cada país o direito de elaborar um rol de exceções,
contendo até 300 produtos (sendo 399 para o Paraguai), os quais só
serão incorporados à TEC em 2001, tempo estabelecido para convergirem
aos índices prefixados. Esse prazo foi dilatado para o Paraguai até
2006. Frise-se, aqui, que essas listas (face à decisão tomada em 1995)
poderão sofrer revisões periódicas.
Adiante-se
que o setor automotivo fugiu à regra. Nesse caso, ficou acertado que até
1999 cada país poderia manter sua política particular para essa área.
Após a crise entre Brasil e Argentina, agudizada na segunda metade de
1999 e estancada com a Declaração de Buenos Aires (28/04/00), os
parceiros evoluem para um acordo nesse setor ao longo do 20 semestre de
2000. Por outro lado, restou de pé o controle de origem sobre produtos,
mas apenas aos que figuram em alguma das listas de exceções à TEC 42,
regulado pela Decisão n. 6/94 (CMC — 05/08/94). A previsão é de que o
regime de origem desaparecerá no momento em que a TEC viger para todos os
produtos.
Além
disso, é flagrante o distanciamento entre a teoria e a prática
integracionista nessa sub-região. Por um lado, os países do MERCOSUL
perseguem o ideal comunitário, cônscios de que o mercado comum
representa uma possibilidade concreta de mobilização das potencialidades
da área, capaz de redesenhar o mapa econômico dos Estados-Partes e
configurar-lhes posição graduada no cenário internacional. Por outro, o
Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai debatem-se ainda com antigos
problemas, como o quadro de instabilidade macroeconômica desses
países, as divergências político-econômicas por conta de
preocupações hegemômicas, uma conservadora opção pela soberania
estatal absoluta e um apego extremado ao Direito Internacional
clássico, a carência de uma definição clara sobre o papel do Estado, a
falta de um projeto nacional de desenvolvimento e a indefinição quanto
à posição que esses parceiros pretendem ocupar internacional mente,
dentre outros aspectos.
Nesse
particular, saltam à vista as escaramuças comerciais por acesso
recíproco aos mercados dos países-membros e as acusações mútuas de
unfair trade (comércio desleal), principalmente porque se vive um
contexto de indefinição de normas estritas de competição e de
ausência — parcial ou total — da harmonização das políticas
macroeconômicas exigidas pelo Tratado de Assunção (artigo 1º). Ora,
não tendo ocorrido tal harmonização, potencializaram-se os
desentendimentos entre os parceiros, em campos os mais diversos —
níveis da TEC, exceções aceitáveis, ritmo de convergência,
barreiras de intercâmbio, normas industriais e regulamentos técnicos,
padrões e normas de proteção à propriedade industrial, medidas de
defesa comercial, regras aplicadas aos setores ditos “sensíveis"
dentre outras questões.
Infelizmente,
o projeto platino de integração debate-se com a ausência de princípios
norteadores para os rumos e as formas que este deve assumir até se
configurar como mercado comum. Essa falta de balizamento formal, tanto
quanto as deficiências de estrutura e posturas político-jurídicas
decadentes, é grave e deveras preocupante, na avaliação de PAULO BORBA
CASELLA, porquanto continua a fazer falta modelo ou parâmetro para
orientar a construção adequada de tal projeto, já que ele continua
oscilando entre a cooperação e a integraçâo. A tal indefinição,
acentua ainda CASELLA, some-se ‘a timidez e o conservadorismo do
posicionamento da Constituição brasileira, inadaptada às exigências
das relações internacionais atuais, (...) em quadro agravado pela
inércia e corporativismo escancarado do Congresso Nacional, não
obstante alguns rompantes de atividade.
Mesmo
assim, apesar dos entraves ainda existentes, o processo integracionista
já alavancou resultados estimulantes, geralmente comprovados pelos
indicadores demonstrativos do aumento das exportações entre os países
do MERCOSUL ou desses para toda a América Latina. Ora, um maior volume do
comércio intra-regional, que de fato cresceu 236% em cinco anos e
sinalizou um salto de US$ 4.577.721 para US$ 15.205.282 dólares no
período de 1991-96, não deve ser visto como a solução do MERCOSUL e
tampouco como seu objetivo derradeiro. Além disso, a international
insertion desse consórcio do Sul não deverá circunscrever-se apenas à
abertura externa dos nossos mercados. Urge que os Estados-Partes definam
democraticamente que tipo de inserção competitiva global irão
perseguir, se querem ou não participar dos benefícios gerados pela
terceira revolução industrial atualmente em curso e de que maneira
reverterão tais benefícios em favor de toda a sua população.
4.3
A ESTRUTURA INSTITUCIONAL DEFINITIVA
Do
ponto de vista institucional, o Protocolo de Ouro Preto (POP), ou
Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção, de 17 de dezembro de 1994
(vigorando para o Brasil desde 16/02/1996), que conferiu personalidade
jurídica própria ao MERCOSUL, praticamente manteve — com algumas
modificações de porte — a mesma estrutura orgânica da “fase de
transição” (1991-94), assim reconfigurada:
a)
Conselho do Mercado Comum (GMC) — mantido como órgão superior,
responsável pela condução política do processo integracionista, cujas
funções e faculdades legislativas foram ampliadas, integrado pelos
ministros das Relações Exteriores e da Economia (e, informalmente, pelos
presidentes dos países-membros). Tendo presidência rotativa, o CMC
reúne-se duas vezes por ano e manifesta-se mediante decisões (artigos 30
a 90);
b)
Grupo Mercado Comum (GMC) — órgão executivo para implementação dos
objetivos do MERCOSUL e supervisão de seu funcionamento, composto por
quatro membros titulares (e outros quatro alternos) por país, indicados
dentre membros dos Ministérios das Relações Exteriores e da Economia e
dos Bancos Centrais. Coordenado pelos Ministérios das Relações
Exteriores, o GMC manifesta-se por meio de resoluções (artigos 10 a 15)
46;
c)
Comissão de Comércio do MERCOSUL (CCM) — já funcionando desde outubro
de 1994, foi confirmada como principal órgão técnico encarregado de
velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum
(intra e extrabloco), bem como resolver questões administrativas
pertinentes à tarifa externa comum47. Integrada por quatro
membros titulares (e igual número de alternos) e assessorada por dez
Comitês Técnicos, a CCM expressa-se via diretrizes ou propostas
(artigos 16 a 21);
d)
Comissão Parlamentar Conjunta (CPC) — prevista no Tratado de
Assunção, trata-se de órgão representativo dos Parlamentos dos
países-membros, cuja atuação restringe-se a acelerar a internalização
das normas mercosulistas e coadjuvar o processo de harmonização das
legislações. Constituída por 16 parlamentares de cada país, a CPC não
tem função legislativa alguma, tampouco poder decisório, podendo
apenas emitir recomendações ao GMC (artigos 22 a 27);
e)
Foro Consultivo Econômico-Social — órgão de representação dos
setores econômicos e sociais, o FCES tem composição paritária. Sua
função é eminentemente consultiva, fazendo recomendações ao GMC
(artigos 28 a 30);
f)
Secretaria Administrativa do MERCOSUL (SAM) —era vinculada ao GMC pelo
Tratado de 1991, ganhando aqui espaço próprio, como órgão de apoio
operacional. A Secretaria está a cargo de um diretor, eleito pelo GMC
para um mandato de dois anos, tendo sede em Montevidéu (artigos 31 a 33).
De
natureza intergovernamental, o Conselho, o Grupo e a Comissão de
Comércio são órgãos com capacidade decisória (artigo 20), deliberam
somente por consenso e com a presença de todos os Estados-Partes (artigo
37), e as suas normas possuem caráter obrigatório — mas cuja
vigência depende de serem incorporadas ao ordenamento jurídico
nacional de cada parceiro (artigo 42). Por outro lado, todos esses
órgãos podem formalizar mecanismos de apoio às suas atividades
específicas, nos termos do parágrafo único do artigo 1º. Assim, o CMC,
consoante ao artigo 80 — VI, do POP, convalidou as Reuniões de
Ministros da Economia e Presidentes dos Bancos Centrais, da Justiça, da
Agricultura, da Educação e a do Trabalho e, em 1995, instalou as
Reuniões de Ministros da Cultura e da Saúde.
Quanto
à personalidade jurídica de Direito Internacional, conferida ao MERCOSUL
pelo artigo 34 do POP, com a abrangência prevista no artigo 3548,
registre-se que a sua titularidade será exercitada pelo Conselho do
Mercado Comum, com base no artigo 80 — III, do citado diploma adicional,
podendo haver delegação de competência ao Grupo Mercado Comum, desde
que expressa e limitada (artigo 80, IV). Entretanto, dada a ausência de
qualquer grau de supranacionalidade, bem como o caráter internacional
do mecanismo, quando da negociação e celebração de tratados (com
terceiros países, grupo de países e organizações internacionais)
torna-se indispensável a participação de todos os sócios do
MERCOSUL. O que exigirá que tais acordos, assim também os celebrados
intrazona, sejam submetidos aos procedimentos de incorporação previstos
no ordenamento jurídico de cada país.
Por
outra parte, o sistema de solução de controvérsias, definido pelo
Protocolo de Brasília de 1991, restou confirmado, com pequenas
alterações, pelo Protocolo de Ouro Preto (artigo 43). O sistema de
solução de controvérsias permite examinar e superar eventuais casos de
descumprimento das normas do MERCOSUL (artigos 70 a 32 do Protocolo de
Brasília). Ele prevê o uso de negociações diretas, de mediação do
Grupo Mercado Comum (por meio de recomendações) e do recurso ao
procedimento arbitral, a tramitar em um Tribunal ad hoc. Esse Tribunal,
quando for o caso, será composto por três árbitros, sendo um de cada
Estado litigante e o terceiro escolhido de comum acordo. As decisões dele
oriundas (adotadas por maioria) serão inapeláveis e obrigatórias às
partes envolvidas. E o procedimento arbitral admite ainda reclamações
tanto dos Estados-membros quanto de particulares (pessoas físicas ou
jurídicas), conquanto os últimos tenham de enfrentar uma esdrúxula e
penosa fórmula de acesso ao Tribunal (artigos 25 a 32 do PB). Por outro
lado, como estipulado no artigo 21 do POP, a Comissão de Comércio (CCM)
serve de instância preliminar ao acionamento do Protocolo de Brasília,
podendo também examinar as reclamações de qualquer parte — sejam
governos ou particulares.
Como
se nota, diferentemente da União Européia e quiçá do Pacto Andino
(aqui, timidamente), que mesclaram instituições intergovernamentais
com outras supranacionais, o MERCOSUL optou mesmo enfatizando que se está
implementando “uma união aduaneira como etapa para a construção do
mercado comum” (POP — preâmbulo) — por uma estrutura orgânica
eminentemente intergovernamental. Ora, o caráter das instâncias
confirmadas na Reunião de Ouro Preto (1994) não se afina com a fórmula
comunitária, em cuja direção parece acenar o Tratado de Assunção.
Afinal, uma entidade internacional de integração deve possuir órgãos
autônomos, com poderes supranacionaís e permanentes, cujo
funcionamento transcenda do nível de decisões intergovernamentais, se
bem que os artigos 44 e 47 do POP permitem supor que a questão não está
fechada, ante o permissivo de reforma institucional daqueles dispositivos.
A convenção, aliás, não poderia ser diferente, já que se trata de um
processo em construção. Cabe acentuar, neste ponto, ‘que se fazem
necessárias vontade política e preparação adequada por parte dos
Estados contratantes.
Por
outro lado, passados quatro anos da instauração de uma união aduaneira
incompleta, não é difícil depreender que o MERCOSUL não excede a
dimensão econômica, ou mais precisamente, comercial e financeira,
enquanto processo integracionista, mesmo sendo o mais importante no
horizonte latino-americano. Ora, é inequívoco que o Tratado de
Assunção, ao especificar as implicações do Mercado Comum, não
contemplou de forma explícita e objetiva a área social e a de mercado de
trabalho, como o fez com as demais áreas (artigo 1O) Os diplomas
posteriores nada acrescentaram a respeito, a não ser pela implantação
do Foro Consultivo Econômico-Social, de atuação ainda nebulosa,
constante das conclusões de puro Preto, cuja sessão brasileira foi
instalada em março de 1996. E preciso ter em conta que, na vertente
comunitária ou comunitarista, o ponto vital dos interesses dos cidadãos
não se restringe a um mero espaço de consumo de produtos de livre
circulação, mas sim, à qualidade de vida que o processo lhes deve
garantir.
O
Tratado de Assunção surpreende pelo caráter extremamente simplista
com que trata matéria de tamanha relevância, que é a integração entre
povos, podendo-se dizer o mesmo do seu diploma adicional, o Protocolo de
Ouro Preto. O interessante, aqui, é que diante da prolixidade peculiar
aos latino-americanos, do que é exemplo o próprio texto constitucional
brasileiro, o MERCOSUL se assenta em tratados inegavelmente enxutos — o
TA tem apenas 24 artigos; o POP, 53 —, enquanto que países europeus
constituíram a Comunidade Européia pela via de diploma internacional
com nada menos que 248 dispositivos (TR). Pode-se dizer que o acordo
assunceno não precisaria ser mais detalhado, pelo fato de ser um
documento preparatório do patamar almejado pelas partes — o mercado
comum. Mas o Protocolo adicional de 94, especificamente voltado à
definição da estrutura institucional do MERCOSUL, também acabou
pecando por omissão, no entendimento da maioria dos estudiosos
integracionistas.
Pois
bem, esta “objetividade”, como querem os “mercocratas”, também se
faz notar quando o Protocolo de Ouro Preto aborda a questão do sistema
legal do modelo, em que pese ter espancado dúvidas porventura deixadas
pelo TA sobre a obrigatoriedade dos atos confeccionados pelas
instituições decisórias. De acordo com o artigo 41 dessa convenção
suplementar, as fontes jurídicas do MERCOSUL são as seguintes:
I
— O Tratado de Assunção, seus protocolos e os instrumentos
adicionais ou complementares;
II
— Os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção e seus
protocolos;
III
— As Decisões do Conselho do Mercado Comum, as Resoluções do Grupo
Mercado Comum e as Diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL
adotadas desde a entrada em vigor do Tratado de Assunção”.
Observe-se
que a referência aí é feita apenas àquelas normas nascidas no contexto
do processo integracionista, não havendo referência às regras de
Direito Internacional Público em geral ou aos princípios gerais do
direito, tampouco ao direito jurisprudencial.
Naturalmente,
o reconhecimento de um ordenamento jurídico, em âmbito internacional,
importa a existência de fontes próprias que se diferenciem das ordens
jurídicas internas. Com esta percepção, a partir do disposto no artigo
41 do POP e recorrendo aos critérios de classificação disponíveis no
direito comunitário europeu — conforme se verá na Parte II —, é
possível vislumbrar o direito que emerge do MERCOSUL em duas vertentes,
desde que guardadas as devidas proporções: a do direito originário (ou
primário) e a do direito derivado (ou secundário).
O
direito originário merco sulista compreende: 1. Tratado de Assunção,
identificado como Tratado-Mãe ou Tratado constitutivo do bloco, com todos
os seus cinco anexos49 2. os protocolos e os instrumentos
adicionais ou complementares, dentre os quais ressaltamos, no que concerne
aos fins deste ensaio, especialmente: a) o Protocolo de Brasília,
decorrente do item 2 do Anexo 111 do TA, celebrado em 17/12/1 991, e b) o
Protocolo de Ouro Preto, pertinente ao artigo 18 do TA, assinado em
17/12/199450; 3. os acordos celebrados no âmbito do TA, destacando-se: a)
Acordo de Complementação Econômica com o Chile, datado de 25/06/1996, e
b) Acordo de Complementação Econômica com a Bolívia, também de
25/06/1996. Uma vez que o Tratado de Assunção foi inscrito na ALADI como
Acordo de Complementação Econômica n. 18 (ACE — 18), cujo artigo 50
insere o MERCOSUL nos objetivos integracionistas daquela Associação, o
chileno HUGO LLANOS MANSILLA indica o Tratado de Montevidéu de 1980
igualmente na posição de fonte primária do bloco assunceno51.
Nesse
ponto, cabe relembrar que o Tratado de Assunção e os protocolos que o
modificam ou completam são tratados internacionais, regidos pelo
Direito Internacional, e, consequentemente, pela Convenção de Viena
sobre Direito dos Tratados (de 23/05/1969). E, se nos apegarmos à
clássica visão de hierarquia dos tratados, poder-se-á deduzir que o
diploma constitutivo do MERCOSUL e seus Protocolos diretos possuem
supremacia sobre os demais acordos internacionais concertados pelo bloco
mercosulista.
O
direito derivado é composto pelos atos emanados das instituições
decisórias do consórcio sediado no Cone Sul, quais sejam: as decisões,
os regulamentos e as diretrizes. Tais normas, unilaterais, dirigem-se à
organização e aos Estados-Partes, e delas a de maior nível
hierárquico são as Decisões (porque oriundas do Conselho, que é o
órgão superior, consoante o artigo 3º do POP).
Se
fizermos uma análise comparativa, no tocante às fontes secundárias
previstas no artigo 41 do POP e as do artigo 189 do Tratado de
Maastricht (TUE — 1992), verificaremos que: a) na UE, o Conselho, a
Comissão e o Parlamento — este, em co-decisão com o Conselho —,
dentro dos respectivos campos de competência, ditam os mesmos tipos de
atos — regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e
pareceres; b) no MERCOSUL, para cada instância de atuação, definiu-se
um tipo de norma diferente, de forma que o Conselho emite decisões, o
Grupo Mercado Comum, resoluções, e a Comissão de Comércio, diretrizes
ou propostas. Com exceção destas últimas (propostas), as demais
regras são obrigatórias aos Estados-membros (artigo 42 do citado
Protocolo).
Ainda
com relação ao direito derivado, muito embora não indicados no
Protocolo de Ouro Preto, podemos aí agregar as normas de Direito
Internacional, bem como os eventuais laudos arbitrais pertinentes ao
Protocolo de Brasília para Solução de Controvérsias. Na prática,
porém, até agora apenas três casos de conflito foram decididos por esse
tipo de procedimento, principalmente pela complexidade e insegurança do
sistema adotado no MERCOSUL, o que será abordado oportunamente.
Agora,
tomando-se a ordem comunitária como resultado do duplo fenômeno da
autonomia e da hierarquização, fica patente a inexistência de direito
comunitário no MERCOSUL, havendo quando muito um direito de integração.
Afinal, não há supranacionalidade no modelo platino, sua estrutura
institucional se reveste de caráter intergovernamental, seus órgãos
decisórios não passam de extensão do pensamento e dos interesses dos
respectivos governos dos Estados-Partes, e as normas que redundam da
organização internacional — sejam de fontes originárias ou
derivadas —, excetuadas as de natureza administrativa, precisam ser
introduzidas no sistema jurídico nacional de cada país-membro por meio
de sua homologação pelo Poder Legislativo e posterior ratificação do
Executivo.
Dessa
forma, a obrigatoriedade, conferida pelo artigo 42 do POP, das regras de
direito derivado (decisões, regulamentos e diretrizes), é relativa,
quando não prejudicial, diante da exigida incorporação ao direito
nacional.
Sobre
o que acertadamente escreveu DEISY DE FREITAS LIMA VENTURA:
“Restou
descartado qualquer tipo de aplicabilidade direta das regras
comunitárias, assim (...) o direito derivado no MERCOSUL confunde-se com
as próprias ordens jurídicas nacionais, naquilo que os Estados
entenderem por bem incorporar, entre as decisões dos órgãos comuns
Na
realidade, o Tratado de Assunção e o Protocolo de Ouro Preto, apesar do
espírito de estímulo à integração de que estão imbuídos, não
passam — do ponto de vista jurídico — de tratados internacionais e,
no caso brasileiro, por força de interpretação jurisprudencial, eles se
equiparam à generalidade das leis, por elas podendo ser derrogados. Por
outro lado, o artigo 42 do POP, impondo que as regras das três
instituições mencionadas têm caráter obrigatório e devem ser entronizadas
no direito nacional, evidencia a situação fática corrente durante o
período provisório (1991-94). Em outras palavras, pouco acrescentou,
pois a obrigatoriedade dessas disposições é intrínseca a todo sistema
de cooperação entre Estados, especialmente quando tais decisões gozam
do aval de todas as partes contratantes.
Resumindo,
tanto quanto sua estrutura orgânica, o ordenamento jurídico do
MERCOSUL demonstra total ausência de condimentos comunitaristas,
realçando na verdade as debilidades do cooperativismo, por mais que os
seus diplomas embasadores enderecem-no para objetivo tão relevante e
amplo como é a constituição de um mercado comum — forma de
integração a exigir encargos, sacrifícios e mudança de mentalidade dos
eventuais consorciados. O que parece desnudar uma arraigada desconfiança
dos Estados-membros em disponibilizarem instrumentos que venham a
comprometer suas soberanias absolutas — situação que deve ser
repensada com seriedade e maturidade política pelos parceiros.
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