Cientista
político italiano define forma política da economia
12/11/01 22:28
FRANCESCA ANGIOLILLO
O cientista político italiano
Antonio Negri ocupou os jornais nos anos 80 por seu suposto
envolvimento com o banho de sangue terrorista nos 70. Entre as
acusações contra o professor da universidade de Pádua, estava
o assassinato de Aldo Moro, líder do Partido Democrata
Cristão.
Absolvido do envolvimento
concreto com os crimes, em 83, Negri foi acusado de incitar, com
sua teoria, o terrorismo. Pediu asilo à França, onde foi
professor universitário em Paris.
Por 14 anos, viveu sem nenhum
documento. No período, foi julgado à revelia e sentenciado a
30 anos. Não foi por ter sido privado dos direitos de cidadão,
porém, que, ele se uniu ao norte-americano Michael Hardt para
falar de uma nova cidadania em "Império".
O livro, que chega ao Brasil até
o fim do mês, pela Record, analisa a forma política que rege a
economia globalizada. E, surpresa, a noção que usam para
definir essa estrutura política é importada da Roma antiga.
Para Negri e Hardt, vivemos sob o império.
Eles alertam: não se trata do
velho "imperialismo ianque". Este pressupõe
fronteiras a serem expandidas -e a fronteira acabou.
Parte do livro, concebido a
partir de 1995, porém, foi escrita de dentro de um lugar com
limites bem definidos. Em 97, Negri surpreendeu o mundo ao
comunicar que voltaria a seu país. Esperava a anistia; foi
levado do avião ao cárcere de Rebibbia, em Roma.
De nada adiantou explicar que as
perguntas sobre sua atual situação legal -a saber, Negri hoje
cumpre prisão domiciliar, tendo de ficar em casa entre 19h e
7h- serviriam para traçar seu perfil sem incorrer em
imprecisões. Ele foi irredutível. "Prefiro que você erre
do que falar sobre isso."
Negri falou à Folha, sobre
"Império", por telefone, de sua casa, em Roma. Leia a
seguir os principais trechos da entrevista.
Folha - Como podemos definir o
império que dá título ao livro?
Antonio Negri - Quando se diz império, falamos da forma
política do mercado global. Não é possível imaginar um
mercado sem um poder político que o atravesse.
O conceito de império se volta
para evitar a confusão com imperialismo, que era uma simples
expansão do Estado-nação, enquanto o império é uma forma
política que não tem confins. E, sobretudo, não tem só
forças localizadas, como o Estado-nação.
O império tem uma grande
vantagem teórica, que foi ter mandado pelos ares os conceitos
de nação, raça, etnia. E até de povo.
Folha - O sr. acredita que as
culturas locais possam ser aniquiladas pela erradicação das
fronteiras?
Negri - Não. Acho que o império as está esmagando, mas tenho
também a convicção de que essas culturas não possam se
defender simplesmente insistindo sobre a sua individualidade.
Precisamos de novas formas de solidariedade internacional, de
culturas híbridas para abater o império.
Folha - Pelo que deve lutar, o
que aspira o cidadão do império?
Negri - Capacidade de viver. As necessidades da vida cresceram
muito. Entre o Negri do passado e o Negri que agora escreve
"Império" com Michael Hardt existe uma diferença de
gerações, em termos de necessidades, sensibilidades,
capacidade de uso da linguagem. Quando entramos no poder do
capital sobre o real, criamos situações de não-trabalho, de
resistência, que possibilitam disparar contra o capital.
Folha - A greve ainda funciona?
Negri - Não falo de greve. Hoje seu cérebro é o instrumento
da produção, não foi seu patrão que o forneceu. Foi você
quem criou. Antes, você ia trabalhar numa fábrica e seu
patrão antecipava o instrumento. Você não precisa mais disso:
você transita nessa globalidade, é alguém capaz de conquistar
sua própria liberdade.
Folha - As manifestações que,
nos últimos anos, acompanham os encontros ligados ao capital
global são sinais dessa liberdade?
Negri - Em parte. Principalmente quando pedem três coisas
fundamentais: o direito de cidadania global; uma garantia de
salário que possibilite viver (e, paralelamente, tudo o que
está ligado à ecologia, à capacidade de respirar, comer bem);
e, por fim, a possibilidade de se apropriar dos instrumentos de
transformações técnicas e científicas mais altas.
Folha - Esses protestos são a
semente de uma revolução global capaz de fazer frente ao
império?
Negri - Não sou um profeta, mas sei que há condições enormes
que se reabriram contra a globalização. A reorganização dos
pobres e, acredito, até a luta de classes, que foi superada,
serão retomados no bojo desse movimento.
Isto posto, resta o problema
fundamental que é aquele de como tudo isso poderá se
constituir em um pólo de luta pela transformação radical do
que existe.
Acredito que os mecanismos de
representação, aqueles da velha democracia burguesa (e também
do socialismo), devem ser, de algum modo, superados. É preciso
substitui-los pela expressão, vista como prática política
contínua.
Folha - A ação do chamado
terceiro setor e das organizações não-governamentais, que
chegam a suprir responsabilidades do Estado, institucionalizam
essa expressão?
Negri - Há nesses movimentos energias muito positivas, mas é
preciso estar atento, porque são instrumentos que suprem o que
seriam carências do capital.
Em "Império", dizemos
que muitas vezes essas organizações parecem as grandes ordens
mendicantes da Idade Média -os dominicanos, os franciscanos-,
que, na prática, faziam caridade. Ninguém pode negar sua
generosidade, mas essas ordens cobriram as necessidades
imperiais. É mandatório retomar a riqueza coletiva e
distribuí-la.
Folha - Uma das epígrafes do
livro é uma frase da cantora Ani di Franco, que diz que,
sabendo usá-la, toda ferramenta é uma arma. Qual é nossa arma
ideal?
Negri-A inteligência, essa ferramenta que todos nós temos.
Temos o martelo no cérebro. Temos uma arma que podemos
utilizar. (Folha Online)Clique aqui para conhecer (ou comprar,
se for o caso) a obra de ANTONIO NEGRI (parceria artepaubrasil)
Escritor diz que só globalização democrática combate a
econômica
da Folha de S.Paulo
Para responder à globalização
do capital em pé de igualdade, só mesmo a globalização da
democracia. É o que afirma o norte-americano Michael Hardt, 40,
que, por mais de cinco anos, trocou faxes e cartas com Antonio
Negri para escrever "Império". "Ele não usa
computador", conta.
"A força controladora do
inimigo extrapola a de nossos governos locais. Os
"protestos contra a globalização" são um esforço
para abarcar essa nova forma de poder que nós chamamos
império."
"Em contrapartida, acho um
erro dizer que esses protestos são contra a globalização.
Muitas vezes, é um erro dos próprios manifestantes. Eles são
é a favor de uma forma alternativa, mais democrática, de
globalização."
Mas, diz o professor da
universidade Duke, "esses movimentos são o clamor por uma
alternativa, e não a proposição de uma alternativa". E,
frisa, seu livro, "ou qualquer outro projeto
teórico", não vai trazer a alternativa.O ditado que
sugere "pense globalmente, aja localmente" não serve
como proposta, afirma Hardt. "Nosso argumento no livro vai
na direção oposta. Essa oposição entre local e global não
vale mais. Somente uma resposta global pode desafiar o império.
Recusas locais só levarão a isolamento e pobreza."
Voltando a uma analogia que ele e
Negri usam no livro, Hardt dá a dimensão que essa resposta
teria de ter: "Se comparamos o império contemporâneo ao
romano, seria algo equivalente ao surgimento do
cristianismo".
Membro do departamento de
literatura da Duke, o principal objeto de estudo e aulas de
Michael Hardt é um livro -"O Capital", de Karl Marx.
Se, como Hardt lembra, a
tradição comunista já dizia que somente uma revolução
global superaria as forças do poder capitalista, seria o
ideário comunista o terreno para fundamentar essa resposta
hoje?
"Não queremos dizer que a
alternativa viria no estilo soviético. É mais o caso de
reconhecer as formas de comunismo que emergem da sociedade e as
formas de não-trabalho", diz.
Apesar da "enorme
admiração pelo que veio de bom" dos feitos de Fidel
Castro em Cuba, ressalta que o regime da ilha é o exemplo
típico de resposta local ao capitalismo global -e, comprovando
o que ele dizia, "levou a população ao isolamento e à
pobreza".
Ele diz não achar que haja
"um mapa para dar o próximo passo". Mas, acredita,
"os movimentos de protesto são indicadores de uma conexão
que existe entre as pessoas de partes diferentes do mundo, de
uma potencial convergência de interesses que ultrapassa
situações locais".
Para Hardt, os meios de
comunicação ajudam a formar uma consciência global não só
reportando o crescimento do descontentamento das pessoas, mas,
principalmente, fazendo a ligação entre fatos aparentemente
desconexos que dizem respeito ao modo de produção capitalista.
"Parte do entrave da
situação em que nos encontramos é devido à particular
dificuldade que temos de fazer ligações entre as diversas
instâncias do império. Isso pode ser feito por um livro como o
nosso, mas pela mídia também." (Folha Online)